Assassinato de imã pode refletir retórica anti-islâmica de Trump
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Os assassinatos no fim de semana do imã de uma mesquita e de seu principal assistente, no bairro de Ozone Park, em Nova York, por um atirador ainda não identificado pela polícia chocaram a comunidade islâmica da cidade.
Eduardo Graça, correspondente da RFI em Nova York
As mortes a sangue frio aconteceram logo após o serviço religioso de sábado (13) no bairro de classe média-baixa localizado na fronteira dos distritos do Queens e do Brooklyn, que conta com significativa população oriunda, como as duas vítimas, do Bangladesh.
Nenhum grupo assumiu a autoria do atentado, mas os moradores acreditam se tratar de crime de ódio, insuflado pela retórica anti-islâmica intensificada nos EUA pela campanha do candidato republicano à sucessão de Barack Obama, o bilionário Donald Trump.
A polícia ainda investiga o crime e não trabalha com apenas uma possibilidade para o duplo assassinato. Mas os indícios levam especialistas a acreditar, sim, em crime de ódio religioso e/ou étnico.
As duas vítimas vestiam trajes religiosos, estavam a poucos passos da mesquita de Al-Furqan, o imã Aluddin Akonjee, de 55 anos, levava consigo US$ 1.000 em espécie, e o dinheiro não foi levado pelo criminoso, cujo retrato-falado, feito a partir de câmeras de segurança da polícia, já está exposto em pôsteres espalhados pela comunidade islâmica e na própria mesquita.
O suspeito, um homem de barba, cabelos pretos e óculos, se aproximou em plena luz do dia pelas costas das vítimas e atirou na cabeça do imã e na de seu ajudante, Thara Miah, de 64 anos. Um policial envolvido no caso diz que as imagens em vídeo mostram que o criminoso parecia ter algum tipo de treinamento militar.
Protesto pacífico de moradores
Centenas de moradores fizeram um protesto pacífico ontem denunciando o que acreditam ser um crime motivado sim pela islamofobia. As críticas contra a retórica de Trump tem aumentado. Ele repetiu várias vezes que, se for eleito presidente, impedirá a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, o que é até inconstitucional.
No domingo (14), vários cidadãos, revoltados, já que as duas vítimas eram reconhecidas por seu pacifismo e dedicação ao estudo religioso, diziam ‘culpar Trump’ pelo atentado.
Moradores de Ozone Park afirmam terem sido vítimas de ataques verbais anti-islâmicos a partir do crescimento da candidatura Trump. O clima na vizinhança, eles garantem, é pior do que após os atentados de 11 de Setembro de 2001, com as crianças dizendo em casa terem medo de se identificar como muçulmanas nas escolas públicas.
E as mulheres, por conta do uso de vestimenta tradicional, ficaram especialmente apavoradas, já que o atirador, em uma rua movimentada, só alvejou os dois homens que vestiam trajes religiosos claramente identificados com o islamismo.
Tragédia complica situação de Trump
Esta tragédia é, no mínimo, de mais um complicador para Trump. A campanha do empresário soltou uma nota dizendo ser ‘altamente irresponsável’ culpar o candidato pelo atentado. A ex-primeira-dama Hillary Clinton deixou que seu aliado, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, liderasse a resposta ao duplo assassinato.
O democrata, em uma retórica não por acaso oposta à de Trump, fincou pé em um discurso de união, afirmando ao mesmo tempo que garantirá Justiça à comunidade muçulmana da cidade e que “quando se alveja um líder religioso, o ataque é a todos nós”.
E a tática de união nacional de Hillary, ao contrário do discurso protecionista e contra as minorias, especialmente imigrantes, hispânicos e muçulmanos, de Trump, tem aumentado o favoritismo da ex-secretária de Estado nas pesquisas
Novas pesquisas
No domingo (14), novas pesquisas desanimaram ainda mais os republicanos. Hillary agora lidera com ampla vantagem em três estados fundamentais para a estratégia da direita, Virgínia, Colorado e Carolina do Norte.
Mais grave para a oposição: a queda-livre de Trump nas pesquisas agora já afeta os candidatos ao Senado nestes estados, com os democratas passando à frente. A perda da maioria no Senado seria um desastre para os republicanos, que não teriam mais como bloquear nomeações de juízes para a Suprema Corte e nas varas federais país afora.
Aumentou a pressão para que a executiva do partido retire fundos inicialmente destinados à campanha de Trump e os concentrem em disputas regionais, a fim de minimizar uma derrota de proporções históricas em novembro. Muita água ainda pode rolar até novembro, mas a retórica de ódio e divisão de Trump parece estar finalmente demolindo a imagem já chamuscada do candidato entre os eleitores americanos.
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