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Brasil/Impeachment

Destituição de Dilma Rousseff divide América do Sul

A aprovação do impeachment de Dilma Rousseff na quarta-feira (31) tem impacto em toda a região. Apenas Argentina e Paraguai apoiaram abertamente o processo institucional. Chile, Uruguai, Peru e Colômbia mantiveram-se neutros ou fizeram um equilíbrio diplomático. Venezuela, Equador e Bolívia acusaram a decisão do Senado brasileiro de "golpe institucional", visão compartilhada pelos recentes ex-presidentes de Argentina, Uruguai e Peru.

Dilma Rousseff.
Dilma Rousseff. Reuters
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Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

Exatamente às 16h56, assim que Michel Temer passou de interino a confirmado, o governo argentino tornou-se o primeiro país na região a reconhecer oficialmente o novo governo brasileiro. Em nota oficial, o Ministério das Relações Exteriores da Argentina anunciou que "respeita o processo institucional" do "hermano país" e reafirmou a sua vontade de continuar no caminho da integração com "absoluto respeito pelos direitos humanos, pelas instituições democráticas e pelo direito internacional", assim como para o "fortalecimento do Mercosul".

Atualmente, o bloco está sem condução. A Venezuela deveria ter assumido em julho a presidência rotativa do grupo por seis meses, mas Brasil, Argentina e Paraguai, com governos de direita ou centro-direita, opõem-se. Somente o Uruguai, com um governo de esquerda, é favorável. Com a confirmação de Temer, o Mercosul pode inaugurar uma nova fase na qual a Venezuela passa a ser questionada.

No Paraguai, o chanceler Eladio Loizaga também anunciou que o seu país "respeita a decisão das instituições democráticas brasileiras" e que vai "buscar aprofundar as relações com a nova administração de Michel Temer".

Para Argentina e Paraguai, quanto mais rápido o Brasil estabilizar-se politicamente, mais rápido vai gerar certezas no campo econômico e voltar a crescer, tracionando as economias dos seus vizinhos que dependem, em boa medida, da brasileira.

Na região, essas foram as expressões de apoio mais efusivas ao governo Temer. O Chile chegou a esboçar um apoio "equilibrista", que se inclinou mais para a destituída Rousseff do que para Temer. "O governo do Chile expressa a confiança em que o Brasil resolverá os seus próprios desafios através da sua institucionalidade democrática", diz em nota. "E manifesta o seu apreço e o seu reconhecimento à presidente Dilma Rousseff", destaca o comunicado.

O restante dos países mantiveram um prudente e desconcertante silêncio, enquanto o "eixo bolivariano", integrado por Venezuela, Bolívia e Equador, na América do Sul, mas também por Cuba e por Nicarágua, na América Central, classificaram a destituição de Rousseff como um "golpe parlamentar".

Em reunião ordinária na Organização dos Estados Americanos (OEA), os representantes de Equador, Bolívia, Venezuela e Nicarágua condenaram o que chamaram de "golpe parlamentar no maior país da América do Sul".

Equador, Bolívia e Venezuela retiraram seus representantes diplomáticos de Brasília. Em nota, a chancelaria da Venezuela anunciou mesmo "o congelamento das relações políticas e diplomáticas com o Brasil" e a "retirada definitiva" do seu embaixador.

Segundo o governo do venezuelano Nicolás Maduro, a destituição de Rousseff obedeceu a "artimanhas antijurídicas sob o formato de crime de responsabilidade para chegar ao poder através da única via que lhes é possível: a fraude e a imoralidade".

O presidente equatoriano, Rafael Correa, concluiu que o ocorrido no Brasil é "uma apologia ao abuso e à traição que recorda as horas mais obscuras da nossa América". "Retiraremos o nosso encarregado (de negócios)", avisou Correa, que, em maio, já tinha chamado o seu embaixador em Brasília, quem não regressou mais ao posto.

O líder boliviano, Evo Morales, convocou o seu embaixador em Brasília. "Acompanhamos Dilma, Lula e o seu povo nesta hora difícil", expressou Morales, que criticou o secretário-geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro, por não se manifestar quando se conspira contra os governos de esquerda.

Na América Central, Cuba e Nicarágua condenaram "o golpe parlamentar-judicial contra a democracia" e o "desacato à vontade soberana do povo que elegeu". Já os Estados Unidos concluíram que a destituição foi "dentro de um processo constitucional".

Em reação às críticas dos governos de Venezuela, Bolívia e Equador, o Itamaraty convocou para consultas os embaixadores brasileiros nos três países.

Ex-recentes presidentes manifestam apoio a Dilma

O peruano Ollanta Humala, presidente até 28 de julho passado, solidarizou-se com a ex-colega brasileira. "Quando a maré passar e só ficarem as obras e o trabalho árduo reconhecido, o povo será o teu respaldo", afirmou Humala, cujo Partido Nacionalista repudiou, em nota, a decisão do Senado de "interromper o mandato constitucional de Dilma Rousseff, alterando a democracia em toda a região e enfraquecendo os processos que visam consolidá-la".

Na Argentina, a ex-presidente Cristina Kirchner definiu a destituição como a "consumação do golpe institucional no Brasil". "Outra vez, a América do Sul é o laboratório da direita mais extrema. Uma nova forma de violentar a soberania popular", advertiu Kirchner, presidente até 10 de dezembro passado.

Principal orador numa cerimônia de apoio à Rousseff em Montevidéu, o uruguaio José Mujica, presidente até 1 de março do ano passado, anunciou que "no Brasil, aconteceu um golpe anunciado há tempos". "Uma simples pantomima", classificou Mujica. "A oposição brasileira é democrata quando lhe convém. Não aceitou a derrota nas urnas", avaliou. "Mas a companheira Dilma não teve cintura para negociar e, sobretudo, desconcertou muita gente da sua própria fila porque quis frear a crise econômica com algum tipo de medida relativamente conservadora", lamentou. "Esse processo deixa muitos ensinamentos", concluiu.

Lula cita perseguição em carta

Tanto Kirchner quanto Mujica receberam, na sexta-feira passada, uma extensa carta do ex-presidente Lula que resolveram tornar pública nesta semana.

Na carta intitulada "Carta urgente para a América do Sul", Lula se defende das acusações de corrupção. "Se a Justiça for imparcial, as acusações contra mim nunca prosperarão", diz o ex-presidente. Ele destaca que o processo de impedimento de Rousseff viola abertamente a Constituição e as regras do sistema presidencialista. "Sem a existência de crime de responsabilidade, não pode haver impeachment". Também acusa "as forças conservadoras" de obterem por meios turvos o que não conseguiram democraticamente, além de denunciar uma conspiração de diversos setores conservadores na política, no empresariado e nos meios de comunicação para acabar com o seu partido. "Temem que em 2018 o povo possa me eleger", escreve Lula, apontando uma teoria conspirativa contra todos os governos de esquerda do continente.

Temer inicia agora uma etapa de sedução internacional por apoio. Terá na Argentina de Mauricio Macri um natural parceiro prioritário para o eixo de integração sul-americana, uma plataforma de abertura aos parceiros tradicionais como Estados Unidos e União Europeia e em contraposição aos vizinhos bolivarianos. No início de outubro, o presidente brasileiro viaja a Buenos Aires.

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