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Colômbia/paz

Divididos, colombianos votam no plebiscito pela paz

Os fuzis foram silenciados, o acordo de paz foi firmado e o aperto de mãos entre inimigos foi dado de frente para o mundo. Agora falta o respaldo popular ao processo de paz entre o governo colombiano e a guerrilha das FARC. Neste domingo (2), os colombianos, que viveram um conflito armado de cinco décadas, decidirão se apoiam ou não que a guerrilha mais antiga do continente deixe as armas e passe a participar na política.

Cartagena, Colômbia (26/09/2016).
Cartagena, Colômbia (26/09/2016). REUTERS/Jaime Saldarriaga
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Andrea Dominguez, correspondente da RFI na Colômbia

“Os colombianos vão precisar de um outro processo de paz para consertar os relacionamentos pessoais que se romperam por causa do processo de paz com as FARC”. O comentário irônico, bastante presente nas mídias sociais nas últimas semanas, traduz a a polarização que se vive no país a poucas horas do chamado “plebiscito pela paz”.

A virulência dos debates tem dividido as famílias na hora do jantar e os grupos de amigos nas conversas informais. Os colegas de trabalho preferem já nem tocar no tema para não ter que enfrentar um “defensor do castro-chavismo” ou com um “inimigo da paz”, dependendo de qual for o lado ideológico.

“Sim” tem ligeira vantagem

As últimas pesquisas de intenção de voto mostram uma vantagem do “sim”, com 55% dos eleitores inclinados a votar afirmativamente e 36% de entrevistados dispostos a rejeitar os acordos. Para ser aprovado, o plebiscito precisa de um apoio de 13% do censo eleitoral, ou seja, um mínimo de 4,5 milhões de votos, o que não parece muito em um pais com 34 milhões de cidadãos cadastrados para votar.

Porém, o número é significativo, dada a tradicional abstenção nos processos participativos colombianos, como nas passadas eleições presidenciais em que 60% dos eleitores habilitados não compareceram às urnas.

Na opinião do analista político Carlos Obregón, vencer o abstencionismo não vai ser o único desafio. “Em um pais tão polarizado, o mandato contundente em favor da paz deveria se expressar com pelo menos dois milhões de votos além dos 4,5 milhões de votos necessários para o “sim” ganhar”, explica.

Mas por que um plebiscito pela paz, visto internacionalmente como uma grande chance de deixar para atrás um passado violento divide tanto a sociedade colombiana? Trata-se de um coquetel de motivos que vão desde as vaidade políticas de líderes da oposição, que tentam capitalizar o debate em termos proselitistas, até preocupações legítimas sobre a capacidade de o Estado garantir a justiça e implementar os acordos, ou a vontade dos guerrilheiros para cumprirem suas promessas.

Para opositores, “penas alternativas” não são suficiente

O tema que mais críticas gera nos opositores ao plebiscito, tem a ver com a justiça de transição e a participação política dos guerrilheiros, pois na opinião desse setor da sociedade, as penas alternativas contempladas para os ex-combatentes não são castigo suficiente pelos crimes cometidos por eles e o fato de terem garantidas dez cadeiras no Congresso em dois períodos legislativos – sem precisar de votos - é visto como um prêmio não merecido.

Na opinião do senador Alfredo Rangel, membro do opositor partido Centro Democrático, do ex-presidente Álvaro Uribe, “se o plebiscito não for aprovado, o governo não poderá implementar os acordos e teria que voltar para a mesa de negociações para melhorar os acordos nos quesitos de justiça e participação dos guerrilheiros na política”.

Diante dessa hipótese, o chefe negociador do governo, Humberto De La Calle, tem sido enfático em dizer que, depois de quatro anos de conversações e de esgotar todas as fórmulas imagináveis em Havana, o acordo que se conseguiu é o melhor possível e que não é viável retomar o diálogo.

A comunidade internacional, com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, à frente, tem elogiado o acordo alcançado como bom modelo de negociação. A inspetora Fatou Bensouda, do Tribunal Penal Internacional, comemorou o processo de paz com as FARC, porque os acordos estabelecem um tribunal de justiça especial para o julgamento dos crimes de lesa humanidade.

Vitória do “sim” daria respaldo a Santos

Se os colombianos aprovarem no domingo o plebiscito com uma amplo margem positiva para o “sim”, o governo Santos, que tem ainda dois anos pela frente, teria a legitimidade suficiente para começar a implementação imediata dos acordos, e os guerrilheiros, por sua vez, teriam que começar imediatamente a se concentrar nas chamadas áreas de transição. A entrega das armas às Nações Unidas deve ocorrer durante os próximos seis meses e logo em seguida, começaria a atuação dos tribunais de justiça de transição.

Com a vitória do “sim”, viriam também enormes desafios de transformação do setor rural, que tem sido o mais afetado pela guerra.

Mas se o plebiscito perder, o governo não vai poder dar continuidade ao processo. A conclusão de Obregón é que nesse cenário, “a Colômbia continuaria, mas com ainda maiores dificuldades para chegar a consensos em qualquer tema; as FARC provavelmente fariam uso dos protocolos estabelecidos para voltar para seus acampamentos e continuar a luta armada; o grupo político do ex-presidente Uribe ficaria amplamente fortalecido para as eleições presidenciais de 2018; o país perderia todas as ajudas internacionais que estão chegando para o pós-conflito e teríamos feito um papel ridículo internacionalmente ao ter comemorado de forma antecipada um acordo que ainda precisava do aval da população”.

O paradoxo dessa polarização toda são as muitas vítimas das FARC - nem todas, claro - chamar os colombianos para o perdão e a reconciliação. É o caso ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, que foi sequestrada pela guerrilha durante seis anos. Numa entrevista recente com El País, da Espanha, Betancourt disse que “vendo a Colômbia de fora, o que surpreende não é que se assine a paz, mas que ainda tenha gente pensando se vale a pena ou não votar por um plebiscito que nos oferece a paz”.

 

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