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O Mundo Agora

Morte de Fidel marca fim do penúltimo vestígio da Guerra Fria

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A biologia falou: aos 90 anos de idade Fidel Castro Ruz faleceu. Mas já era um fantasma que de vez em quando ressurgia publicando um artigo defendendo a ortodoxia revolucionária à antiga. Era a estátua do Comendador prometendo o inferno para quem traísse o sonho da Revolução sonhado por Fidel. Uma quimera sonâmbula na qual ninguém mais acreditava. Fidel era uma voz cavernosa vinda do passado. E com ele, foi-se o penúltimo vestígio da Guerra Fria – sobrou ainda a Coréia do Norte.

Fidel Castro, Havana, foto de artquivo de novembro de 1976.
Fidel Castro, Havana, foto de artquivo de novembro de 1976. REUTERS/Prensa Latina/File Photo
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Nos anos 1960 e 1970, Fidel tornou-se um símbolo do chamado “anti-imperialismo”. O “líder máximo” virara uma referência central para todos aqueles que lutavam contra as metrópoles coloniais europeias e o poder e influência dos Estados Unidos. Cuba, uma ilhota de menos de dez milhões de habitantes, era vista como um farol de liberdade e justiça social, desafiando o “imperialismo ianque” a 90 milhas da Flórida. E além do mais, ajudando com dinheiro, homens e armas, boa parte dos movimentos socialistas e comunistas do então Terceiro Mundo.

A realidade era menos exaltante. Fidel foi responsável pela chegada da Guerra Fria no continente americano. A imagem de um pequeno país soberano e independente não batia com os fatos: Cuba sempre foi uma verdadeira colônia da União Soviética que pagava as contas da ilha no fim do mês. E quase provocou uma guerra nuclear generalizada aceitando a instalação de mísseis soviéticos apontados para os Estados Unidos, acarretando a famosa queda de braço, em 1962, entre Kennedy e Khrushchev.

Conversão ao comunismo

Fidel nunca tinha sido comunista. Mas totalmente dependente da Rússia, o regime fidelista aderiu à ideologia comunista e arrebentou com a agricultura, a indústria e os serviços do país. Sim, grandes esforços foram feitos para construir uma educação e uma medicina de qualidade e gratuita para o povo inteiro. Mas era tudo financiado pelos subsídios de Moscou e, pouco a pouco, foi se deteriorando. Vivendo numa crise econômica e social permanente, o regime castrista só se mantinha pela repressão e o cerceamento de todas as liberdades democráticas. A tal ponto, que boa parte da população só sonhava em emigrar para os Estados Unidos.

Cuba também teve que sacrificar milhares de homens e material bélico servindo como instrumento da União Soviética na sua jogada geopolítica na guerra civil angolana. Quanto às guerrilhas de esquerda latino-americanas, elas foram decimadas pelas ditaduras militares implantadas no continente com ajuda americana, justamente para impedir a presença soviética na região. Fidel Castro acabou virando um pretexto para o enfrentamento entre Moscou e Washington na América Latina.

Quando os Soviéticos perderam a Guerra Fria, o regime só conseguiu sobreviver com muita repressão e, depois, com a ajuda do petróleo venezuelano vendido a preço de banana pelo tenente-coronel Hugo Chavez. Mas a crise mundial acabou até com essa esmola. Fidel, doente, já tinha entregado a presidência para o irmão, Raúl Castro, que tratou de começar uma abertura a passos de tartaruga – aliás denunciada pelo velho líder – que acabou no restabelecimento das relações com o vizinho americano.

Balanço: país falido

O balanço é triste. Mais de meio século de castrismo deixaram um país falido e exangue. A morte de Fidel abre um espaço para que os militares e burocratas em volta de Raúl Castro possam tentar uma transição lenta para um forma de capitalismo oligárquico parecido com o da Rússia de Yeltsine: os chefes militares se apoderando de todas as grandes indústrias locais e abrindo o país para aventureiros estrangeiros.

Será que a herança de Fidel vai ser a volta dos hotéis, cassinos, boates e fábricas “maquiladoras” de produtos exportados para os ianques? Numa ilhota falida, tão conectada à Flórida não há muitas opções. Seria irônico ver o fracasso do “socialismo tropical” de Fidel Castro se transformar no fracasso de um novo “capitalismo mafioso” americano-cubano. Resta só torcer para que a nova Cuba – sem Fidel – possa desabrochar sem as convulsões de toda a violência reprimida na sociedade.

 

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