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Brasileiros em alerta nos EUA às vésperas da posse de Donald Trump

Uma semana antes da cerimônia de posse do novo presidente americano, a comunidade brasileira nos Estados Unidos segue com apreensão suas declarações. Uma das promessas de campanha do republicano vitorioso nas urnas foi a deportação em massa de imigrantes ilegais.

O Brazilian Worker Center, o Centro do Trabalhador Brasileiro, organização comunitária que tem como lema apoiar os brasileiros da região metropolitana da Grande Boston, nos Estados Unidos.
O Brazilian Worker Center, o Centro do Trabalhador Brasileiro, organização comunitária que tem como lema apoiar os brasileiros da região metropolitana da Grande Boston, nos Estados Unidos. facebook.com/Brazilian-Worker-CenterCentro-do-Trabalhador-Brasil
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Legais ou ilegais, estudantes ou profissionais, imigrantes recentes ou “veteranos”, os brasileiros residentes em território americano não estão tranquilos nesses dias que antecedem a posse do presidente eleito Donald Trump. Pelas últimas nomeações do republicano para seu gabinete, pode ser que os “brazucas” tenham razões concretas para suas apreensões. Além de ter feito da “deportação em massa” de imigrantes ilegais um dos cavalos de batalha de sua campanha, Trump nomeou o senador republicano Jeff Sessions, conhecido por seu discurso anti-imigração, como secretário de Justiça dos Estados Unidos. Sessions ficou conhecido por defender a criação de limites para a imigração legal, com o argumento de que a mesma reduziria o salário dos cidadãos americanos.

“O que Trump espera, na verdade, é que os estrangeiros se autodeportem, ou seja, que graças ao medo e à tensão social as pessoas desistam e voltem para os seus países, sem que os Estados Unidos tenham que desembolsar por isso, com prisões ou deportações”, explicou Carlos Eduardo Siqueira, professor e pesquisador da Universidade de Massachusetts, que atua desde 2003 no setor de Saúde Pública da área de Imigração Brasileira.

“A crise econômica atual do Brasil vem expulsando muita gente que perdeu o emprego, o negócio ou mesmo a esperança. Estamos vendo uma onda de imigração brasileira semelhante à do período Collor. A imigração brasileira para o Brasil é nacional, não é mais local como há alguns anos, quando o país recebia muita gente vinda de Minas Gerais, especificamente da região do vale do Rio Doce. Hoje temos uma massa de pessoas que chegam de todas as partes do Brasil. A ideia de que a imigração para os Estados Unidos seja uma alternativa se encontra hoje bastante consolidada na sociedade brasileira”, afirmou Siqueira.

Semelhanças com Berlusconi

“Estamos na verdade aguardando a posse de Donald Trump para saber o que realmente será feito. Esse presidente me lembra muito o Berlusconi: muita coisa do que ele fala não se escreve. Ele muda de opinião muito rapidamente e exagera o tempo todo, não dá para ter certeza. No entanto, ele continua a insistir que a questão da imigração será uma questão central do seu governo. O objetivo é unificar as forças do Partido Republicano com esse discurso”, contextualizou o professor.

O professor e pesquisador Carlos Eduardo Siqueira, da Universidade de Massachusetts, atua no setor de Saúde Pública na área de Imigração Brasileira desde 2003. Segundo ele, o que Trump deseja é que os estrangeiros se "autodeportem".
O professor e pesquisador Carlos Eduardo Siqueira, da Universidade de Massachusetts, atua no setor de Saúde Pública na área de Imigração Brasileira desde 2003. Segundo ele, o que Trump deseja é que os estrangeiros se "autodeportem". DR

“Não será fácil, basta ver as nomeações que Trump têm feito para cargos-chave de seu governo. Acredito que ele vá apertar o cerco, mesmo porque no contexto mundial a imigração não é vista hoje com bons olhos. Existe apoio dentro da sociedade atual para reprimir e para tratar a questão da imigração como caso de polícia. Eu não sou otimista. Penso que boa parte da comunidade brasileira ainda não acordou, mas vai acordar em breve para ver a gravidade do que vem por aí. Mas já existe um medo crônico, latente e presente na comunidade brasileira dos Estados Unidos”, afirmou Siqueira.

Para Rubens Vianna, 31 anos, administrador de empresas brasileiro que faz MBA na área de Finanças na Rollins College, há bastante ansiedade em relação ao futuro com Donald Trump. “Acho que a situação já é difícil para o imigrante que quer trabalhar e ficar aqui legalmente sem que o novo presidente tenha ainda tomado posse. Como ele é um cara muito radical, a expectativa é que a situação vá ficar mais difícil ainda. Desde os anos 80 não existe uma reforma no sistema de imigração dos Estados Unidos. Então não importa o nível de escolaridade da pessoa, você compete com vistos de trabalho de pessoas que às vezes não possuem nem o segundo grau, ou seja, acaba virando uma loteria”, afirmou Vianna, que mora há 11 anos em Orlando, na Flórida.

“Quando você está há 11 anos em um país, você cria laços com a cultura, com as pessoas, com o estilo de vida, meu desejo é continuar aqui, então dá uma insegurança sim”, explica Rubens. “Para se ter uma ideia, nos dois dias seguintes à eleição de Donald Trump, o site de imigração do Canadá ficou fora do ar, tamanha a quantidade de pessoas que tentou acessá-lo para pesquisar a possibilidade de se mudar para lá”, contou o administrador de empresas brasileiro.

Brasileiros com documentos temporários tentam acelerar o processo do Greencard

“Percebo dois tipos de pessoas na comunidade brasileira neste momento. Existem os brasileiros que não estão preocupados [com o novo governo], porque, por exemplo, estão aqui com o visto de turista e estão trabalhando ilegalmente, e existem aqueles como eu, que desejam continuar legalmente nos Estados Unidos e sabem que, se já é difícil na administração Obama, que deveria ter dado mais tranquilidade à comunidade de imigrantes no país, e não o fez, a tendência agora é piorar. O clima é de insegurança, sobretudo para quem deseja permanecer no país legalmente”, declarou Rubens Vianna.

“Estamos ansiosos. Por outro lado, talvez seja necessário um presidente desse tipo para reformar ou ajustar o sistema de imigração nos Estados Unidos”, contemporiza o brasileiro. “As pessoas que podem renovar seu visto de trabalho, por exemplo, junto às suas empresas, pelos próximos quatro anos, pelo menos, estão fazendo isso, ou mesmo tentar acelerar o Greencard, o que já é bem mais difícil”, relatou Vianna.

O administrador de empresas Rubens Vianna, que faz um MBA na área de Finanças, na Rollins College, em Orlando, nos Estados Unidos.
O administrador de empresas Rubens Vianna, que faz um MBA na área de Finanças, na Rollins College, em Orlando, nos Estados Unidos. DR

“Tenho um visto chamado L2, vinculado ao da minha esposa, que possui um documento do tipo L1. O visto tipo L1 é concedido entre empresas que possuem sedes em países diferentes. Minha esposa é advogada da Siemens em sua sede aqui em Orlando. Como marido, tenho direito ao L2 e também tenho direito a trabalhar, como ela. O visto mais comum para estrangeiros, no entanto, é o chamado H1B, que possui uma quantidade limitada nos Estados Unidos, por ano apenas 150 ou 200 mil vistos desse tipo são concedidos a todos os imigrantes de todas as nacionalidades que desejem trabalhar aqui. Seus cônjuges, no entanto, recebem o H2B e não tem direito ao trabalho regular”, explicou o brasileiro.

Felipe Alves de Paiva, 33 anos, que trabalha na área internacional de Recursos Humanos da empresa americana Atos IT Solutions & Services desde 2012, afirmou que está ansioso para saber o que efetivamente vai mudar, “principalmente na parte relativa à imigração”. Como Rubens Vianna, Felipe possui um visto de trabalho do tipo L2, mas, junto com a esposa, tenta acelerar junto às suas respectivas empresas o processo de obtenção do Greencard. “Não tenho ainda o documento definitivo, fui transferido da minha empresa no Brasil para cá, assim como minha esposa. Estamos um pouco apreensivos porque dependendo da mudança que o Trump fizer, de repente o processo para conseguir o Greencard vai ficar mais lento, mais burocrático, não sabemos o que vai acontecer.”.

Felipe, que é formado em Relações Internacionais, relativiza no entanto sua dificuldade. “Pra gente é ainda um pouco mais tranquilo porque temos o respaldo da empresa, nesse ponto é muito menos estressante. Mas no geral o clima aqui é de muita ansiedade. Tenho amigos na Califórnia que estudaram comigo e que moram aqui há muito mais tempo do que eu, que chegaram em 2004 e que quando acabou o visto de estudante decidiram continuar aqui, trabalhando ilegalmente. Eles trabalham como motorista, fazendo entregas, por exemplo, ou como faxineiros, também tenho amigos em Miami que trabalham em restaurantes ou lojas. Bem ou mal para eles, viver aqui com subempregos ainda é melhor do que enfrentar a realidade brasileira neste momento. Muitos(as) têm curso superior, são advogados(as), economistas, por exemplo”, contextualizou Paiva. “O medo de ser deportado nestas circunstâncias pela nova administração é enorme. Além do que, nenhuma empresa americana vai contratar você se todos os seus documentos não estiverem em ordem, se você não tiver social security etc”, complementa o profissional brasileiro que mora em Nova Iorque.

“Nossa comunidade está doente”

Ilma Paixão, que mora nos Estados Unidos há 32 anos e é delegada do Partido Democrata, confirma a ansiedade com a chegada de Trump entre as dezenas de milhares de brasileiros da região de Massachusetts. “Quando cheguei aqui não havia ainda tantos brasileiros. Mas foi desde o início um local acolhedor, onde pude me envolver nas escolas públicas, cheguei com 19 anos de idade. Eu me casei e tive meus filhos aqui. Sou uma mulher negra, saída do Brasil, tive que driblar o estereótipo ‘mulata do Sargentelli’”, conta Paixão, que é hoje dona de uma rede de rádios dirigidas às comunidades afroamericanas e brasileiras nos Estados Unidos.

“A nossa comunidade está doente”, afirma Ilma Paixão. “Todas as minorias, mas principalmente os imigrantes, os brasileiros, porque é muito difícil verificar que uma pessoa possa ganhar a eleição com uma linguagem de rejeição dessa nação. Todos estamos no mesmo barco, falo isso tanto como delegada do governo como representante da comunidade. Mas o mais inquietante é o sentimento do desconhecido. Você está sentindo uma coisa que você não sabe o que é. Você está sentindo uma pressão, e não sabe exatamente quais serão suas consequências, até mesmo por desconhecer o processo”, explica ela.

“O brasileiro ainda é um pouco individualista. Nessa eleição, a comunidade brasileira se preocupou um pouco mais, mas demorou para reagir e até mesmo para se envolver”, explicou. “No entanto, não acredito que haverá muitas deportações de imediato. Durante o governo Obama, que considero um superpresidente, houve várias deportações, isso não é novidade. O que vai piorar é o aumento de brasileiros que estão chegando não necessariamente preparados para enfrentar as dificuldades da crise americana que eles com certeza encontrarão aqui”, contextualizou a comunicadora.

“Não acreditávamos que Trump fosse vencer”

Natalícia Tracy mora nos Estados Unidos há 25 anos e é diretora-executiva do Centro do Trabalhador Brasileiro em Boston, Massachusets, criado há mais de 20 anos. “Nosso trabalho principal é educar os brasileiros sobre seus direitos nos Estados Unidos e advogar em seu favor”, explica Tracy. “Mas, para ser honesta, por mais que estivéssemos preocupados com uma possível vitória de Trump, não acreditávamos que ele fosse ganhar, essa é a realidade”, admite a socióloga brasileira, que possui PhD na área de Classe, Raça, Imigração e Família. “A vitória do Trump nos pegou realmente de surpresa. No dia seguinte à eleição, estávamos em prantos, passamos por uma fase de depressão, havia um luto pelas conquistas sociais da América que conhecíamos”, reconheceu Tracy.

“Mais isso foi só o começo. Sabemos que haverá mudanças muito grandes que vão afetar principalmente a comunidade de imigrantes, que estão mais expostos, como os latinos, os brasileiros, imigrantes sem documentação, os estudantes com vistos temporários, a ansiedade é muito grande. Sentimos uma onda de racismo forte nos espaços públicos, há pessoas nas ruas dizendo ‘vão embora’, existem também casos de crianças nas escolas que desejam ir para casa com medo de que suas mães ou pais tenham sido deportados, porque algum colega sugeriu que isso poderia acontecer”, relatou a socióloga.

Natalícia Tracy afirma, “para descontrair”, que “ainda bem que os candidatos não cumprem suas promessas”. “Infelizmente as pessoas que Trump está nomeando para compor seu gabinete se posicionam bem à direita, estamos nos preparando para o pior”, afirmou. “No entanto, a verdade é que já convivemos com uma política de deportação em massa, isso não é uma novidade. São 1,1 mil pessoas sendo deportadas todos os dias”, finalizou a socióloga.

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