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O Mundo Agora

Eleição no Chile mostra que é hora da direita na América do Sul

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Claro, o jogo só acaba quando o eleitor apita. Mas tudo parece indicar que Sebastian Piñera vai ser o novo presidente do Chile. Piñera já foi presidente – o único que conseguiu brevemente interromper o domínio dos partidos de centro-esquerda desde a morte de Pinochet. Desta vez, pode ser mais duradouro.

O candidato Sebastián Piñera, em Santiago, em 16 de novembro de 2017.
O candidato Sebastián Piñera, em Santiago, em 16 de novembro de 2017. REUTERS/Ivan Alvarado
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A coalizão governamental dos socialistas com os democratas cristãos – vitoriosa durante duas décadas – simplesmente implodiu. E apesar de sua política progressista, atenta aos problemas sociais, a popularidade da presidente socialista Michele Bachelet despencou. Como se uma maioria da população estivesse cansada de uma esquerda cansada.

A hora agora é da direita. E também na América do Sul, com Macri na Argentina, Kuscinski no Peru, Santos na Colômbia e o governo Temer no Brasil. Junto com a direita paraguaia, a canseira com as esquerdas no Uruguai e até no Equador, e o catastrófico derretimento venezuelano.

Mas não é só a gangorra política que vai e volta nos regimes democráticos. O problema é bem mais fundo. Basta olhar para Europa: praticamente todas as forças sociais-democratas, que nunca estiveram longe do poder desde a Segunda Guerra Mundial, são cada vez mais minoritárias. Algumas, como na França, quase desapareceram. Enquanto nos Estados Unidos, os democratas perderam a Casa Branca e o Congresso para um brutal populista de direita.

Na verdade, uma maioria das populações perdeu a confiança na esquerda de governo. O grande sucesso da social-democracia histórica foi um golpe de mestre ideológico: conseguir aliar a força produtiva do mercado capitalista com a capacidade distributiva do Estado social. Nada de revoluções radicais e experimentos sociais utópicos, como os malfadados regimes comunistas.

A ideia era deixar o capital criar riqueza e obrigá-lo a compartilhar uma parte dos ganhos com o trabalho – graças às amplas políticas sociais estatais e a sindicatos fortes capazes de negociar bons salários e condições de trabalho. Tudo financiado por impostos progressivos e sem gastanças demagógicas. A mobilização sindical para atrair votos e a satisfação de uma classe média em contínua ascensão, bastavam para se manter no poder – ou muito próximo dele.

Modelo “quebrou”

O problema é que esse modelo quebrou. Só podia funcionar no contexto de governos e aparelhos de estado capazes de exercer controle suficiente sobre as empresas, as finanças, a tecnologia, as informações e até sobre a cultura e a identidade nacionais. Apesar de uma ideologia internacionalista, o modelo socialdemocrata só pode funcionar plenamente no âmbito nacional.

Até na Europa, depois de décadas de integração supranacional, as grandes políticas sociais e fiscais – sem falar na segurança – continuam sendo prerrogativas de cada Estado. A globalização dinamitou esse quadro. Hoje, nenhum governo, por si só, consegue controlar as cadeias de produção globais, o fluxo financeiro transnacional, a ubiquidade da inovação tecnológica ou as ideias e os fluxos de informação nas redes sociais. O poder de arrecadar impostos está se desagregando, e portanto o poder de redistribuir por meio de políticas sociais.

Empregos e mentalidade individualizados

Pior ainda para a socialdemocracia: a nova economia digital está acabando com as grandes fábricas industriais do século XX e suas concentrações massivas de trabalhadores. Sem isso não há sindicatos fortes. Os empregos e a própria mentalidade das pessoas estão cada vez mais individualizados. Os membros da extensa classe média, criada pelo capitalismo liberal e fortalecida pelos sociais-democratas, quer mais é resolver a vida, cada um por si. E não está a fim de continuar pagando tributos cada vez maiores para políticas sociais ineficientes, sem meios, e para estados cada dia mais impotentes, perdulários e muitas vezes corruptos.

Acabou a festa: a socialdemocracia tradicional e seus epígonos sul-americanos vêm perdendo eleições uma atrás da outra. Simplesmente porque não têm mais programa acreditável. O Chile é o último exemplo dessa debacle histórica. O perigo é abrir o caminho para populismos agressivos, de esquerda ou de direita, que contentam passageiramente os excluídos, mas não resolvem nunca nada. Só pioram.

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