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Brasil-América Latina

Cruzamento de dados da Lava Jato e da Cadernos da Corrupção pode revelar novos crimes

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As delações da Odebrecht na operação Lava Jato estão a ponto de chegar à Argentina para alimentar a investigação dos chamados Cadernos da Corrupção, envolvendo políticos argentinos. Existem atores em comum nos dois inquéritos sobre pagamento de propinas milionárias a políticos e desvio de dinheiro dos contribuintes nos contratos de obras públicas.

O Senado argentino discutiu na semana passada denúncias contra a ex-presidente Cristina Kirchner.
O Senado argentino discutiu na semana passada denúncias contra a ex-presidente Cristina Kirchner. REUTERS/Martin Acosta
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Do correspondente em Buenos Aires

O escândalo Cadernos da Corrupção é a maior investigação envolvendo subornos na história argentina. Uma trama sistêmica que, só em obras públicas, pode ter desviado US$ 36 bilhões. É a versão argentina da Lava Jato.

Coincidentemente, o escândalo argentino veio à tona em sintonia com o acordo de cooperação judiciária fechado entre as Procuradorias-gerais de Brasil e Argentina. Pelo acerto, os dois países vão trocar informações. O Brasil vai enviar as delações premiadas em que executivos de empreiteiras brasileiras revelam como, quanto, onde e a quem pagaram subornos na Argentina. Além disso, os juízes argentinos vão poder interrogar os empresários no Brasil. A Justiça brasileira também vai receber os componentes da investigação argentina que envolverem o Brasil.

Há uma semana, a Procuradoria-geral brasileira revelou que as informações e as provas que constam nas delações da Odebrecht já estão à disposição das autoridades argentinas. Quando os elementos forem cotejados, novas revelações podem surgir dos dois lados da fronteira.

Investigações cruzadas Brasil-Argentina

O procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, explicou à RFI que as investigações na Argentina podem depois nutrir o processo no Brasil.

"Certamente, as diversas investigações realizadas sobre fatos semelhantes ou fatos que se inter-relacionam cooperam mutuamente. São investigações que se cruzam", aponta Dallagnol. "Eu poderia comparar com exemplo do que aconteceu entre Brasil e Suíça. O Brasil começou uma investigação sobre a Lava Jato enquanto a Suíça também começou uma investigação sobre as transações financeiras feitas para pagar propinas referentes a contratos com a Petrobras. As nossas investigações no Brasil alimentam as investigações suíças. E as investigações suíças alimentam as investigações brasileiras com informação sobre quem pagou propina para quem, usando empresas sediadas em paraísos fiscais, dentro do paraíso financeiro que é a Suíça", citou.

A Justiça brasileira exige imunidade aos delatores da Odebrecht para não serem acusados na Argentina em relação aos crimes pelos quais já estão condenados no Brasil. Para cumprir com essa exigência, imprevista pela legislação argentina, foi necessário um ano de negociações entre as Procuradorias. A saída criativa foi incorporar tratados internacionais, assinados pela Argentina, que têm caráter soberano sobre as leis locais, de acordo com a Constituição argentina de 1994.

Enquanto isso, a Polícia Federal brasileira teria ensinado à Polícia Federal argentina a sua experiência em operações. Por uma questão de sigilo nas investigações, o diretor-geral da Polícia Federal brasileira, Rogério Galloro, prefere não mencionar a Argentina especificamente, mas revela à RFI que o interesse em replicar a experiência brasileira é generalizado entre os países da região.

"A Lava Jato tem despertado um interesse muito grande porque muitas empresas investigadas têm negócios nas Américas. Há um interesse generalizado. A Polícia Federal foi procurada por várias forças policiais para conhecer exatamente como foi o fluxo da nossa investigação. Nós já estamos conversando com as nossas contrapartes, as polícias na região, para lhes explicar como se deu esse processo e para oferecer a nossa experiência, caso eles tenham interesse", afirma Galloro.

Convergência entre Lava Jato e Cadernos da Corrupção

Os “diários da corrupção” e a Lava Jato se convergem a partir de atores em comum e de uma matriz semelhante de corrupção sistemática. Na Argentina, a Odebrecht integrou consórcios com construtoras locais cujos donos, nos últimos dias, confessaram ter pago propinas.

A construtora argentina IECSA, então pertencente ao primo do presidente Mauricio Macri, Ángelo Calcaterra, aparece tanto nos Cadernos da Corrupção quanto nas delações da Odebrecht no Brasil. Odebrecht e IECSA eram sócias numa das maiores obras públicas do país.

Calcaterra confessou ter pago propinas, mas alegou que eram para o financiamento ilegal de campanha, um delito com penas menores. Sobre a relação com a Odebrecht, negou ter pago qualquer suborno. A defesa poderia ser desmentida pelas delações da Odebrecht, onde o número 2 de Calcaterra, Javier Sánchez Caballero, aparece como enlace entre o consórcio e o governo Kirchner.

A Odebrecht também formou um consórcio com a Esuco, firma do ex-presidente da Câmara Argentina da Construção, Carlos Wagner. Na operação "Cadernos", Wagner confessou o esquema que ajudou a montar a pedido do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e que Cristina Kirchner (2007-2015) manteve. As licitações de todas as obras públicas eram decididas pelos empresários que deviam devolver aos Kirchner entre 10% e 20% do custo. O esquema era pactado com o então ministro do Planejamento, Julio de Vido, com o conhecimento de Cristina Kirchner.

Outro delator premiado na "Cadernos" é Jorge Neira da Electroingeniería, empresa aliada dos Kirchner. A Odebrecht também teve uma obra com a Electroingeniería.

A Odebrecht confessou ter pago US$ 35 milhões em subornos na Argentina, entre 2007 e 2014, durante o governo de Cristina Kirchner. O montante real, no entanto, poderia ser entre três e cinco vezes maior.

Além de envolver diretamente o governo anterior, as delações podem revelar que a empreiteira brasileira financiou, ilegalmente, as campanhas políticas de outros candidatos, inclusive a vitoriosa do atual presidente Mauricio Macri.

"As delações do Brasil têm um valor de prova mais rigoroso porque já há condenados. Têm um grau de certeza muito maior do que as delações argentinas que estão ainda numa fase inicial", compara Federico Delgado, promotor de um dos processos que envolvem a Odebrecht. "Parece-me que estamos diante de um processo no qual vão aparecer muitas coisas que suspeitamos", confia.

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