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Argentina/Economia

Analistas consideram pacote econômico anunciado por Macri tardio

O presidente argentino assume responsabilidade pela derrota eleitoral, pede desculpas à população e tenta acordo de cooperação com opositor. Mercados voltam a castigar a Argentina. Analistas consideram medidas anunciadas por Mauricio Macri nesta quarta-feira (14) tardias e veem vazio de poder.

O presidente argentino Mauricio Macri anunciou medidas econômicas de caráter fiscal para aumentar o poder aquisitivo da população.
O presidente argentino Mauricio Macri anunciou medidas econômicas de caráter fiscal para aumentar o poder aquisitivo da população. REUTERS/Luisa González
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Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

Numa tentativa de aliviar o impacto da desvalorização da moeda argentina com a inflação e de tentar recuperar eleitores da classe média, o presidente Mauricio Macri anunciou medidas econômicas de caráter fiscal para aumentar o poder aquisitivo da população.

"São medidas de alívio para 17 milhões de trabalhadores, para as suas famílias e para todas as pequenas e médias empresas que, eu sei, estão passando por um momento de muita incerteza. Haverá melhoras para todos, tanto trabalhadores informais quanto formais, estatais e privados, com vínculo empregatício ou como pessoa jurídica", anunciou Macri.

O presidente também assumiu a responsabilidade pela derrota nas eleições primárias e pediu desculpas pelas declarações pós-eleições, quando se mostrou contrariado com os eleitores que preferiram votar na oposição e jogou a culpa pela hecatombe financeira dos mercados à falta de credibilidade do kirchnerismo.

"Quero pedir-lhes desculpas pelo que disse na coletiva de segunda-feira. Ainda estava muito afetado pelo resultado de domingo. Além disso, estava sem dormir e triste pelas consequências na economia", argumentou o presidente, garantindo que entendeu a mensagem das urnas.

"Respeito profundamente os argentinos que votaram em outras alternativas e os que votaram em nós em 2015, mas decidiram não nos acompanhar. Que isso tenha acontecido é pura e exclusivamente responsabilidade minha e da minha equipe de governo", admitiu.

No seu diagnóstico, Macri também reconheceu que exigiu demais da população desde abril do ano passado, quando o país sofreu uma violenta desvalorização da moeda, que provocou um quadro de recessão combinado com uma inflação galopante.

"Fazendo uma autocrítica, sou consciente de que o dia-a-dia terminou sendo uma exigência esgotadora para muitos. Foi como escalar o Aconcágua e agora estão esgotados. Sei que muitas famílias não sabem mais onde cortar os seus gastos", disse o presidente.

Medidas de alívio

As medidas anunciadas baseiam-se num alívio fiscal que pretende traduzir-se em mais dinheiro no bolso para enfrentar o aumento da inflação que se projeta com a nova desvalorização do peso, que já chega a 34% em três dias. A remarcação de preços já começou.

A base de isenção fiscal para o imposto de renda aumentará em 20%. Trabalhadores privados e estatais receberão um bônus. Os autônomos também terão um alívio fiscal nos próximos meses. Também haverá bonificação extra para os trabalhadores informais e para os desempregados através de aumento de subsídios.

Os preços dos combustíveis ficarão congelados por 90 dias. Bolsas de estudo terão aumentos de 40%. Pequenos e médios empresários terão até 10 anos para pagar as suas dívidas com a Receita Federal. O salário mínimo vai aumentar.

O custo do pacote fiscal para o Estado será de 40 bilhões de pesos, equivalentes a US$ 670 milhões. A aposta é também recuperar parte dos chamados "desencantados", aqueles eleitores de Macri que abandonaram o presidente nas eleições primárias.

As medidas são de curto prazo para transitar até as eleições em 27 de outubro e até o final do mandato em 10 de dezembro.

Risco de ingovernabilidade

"Agora a minha tarefa como presidente é trabalhar sempre para cuidar da governabilidade. Sempre sustentei com absoluta convicção que o diálogo é o único caminho", disse Macri, anunciando que tentará dialogar com todos os candidatos da oposição. A declaração é um sinal a todos os analistas que alertam para o risco de ingovernabilidade.

O destinatário da iniciativa de diálogo é o vitorioso nas eleições primárias, Alberto Fernández, candidato da ex-presidente Cristina Kirchner.

"Francamente, não tem sentido nos reunimos. Não chegaremos a um acordo porque eu concebo outro país. Além disso, não quero ser partícipe das decisões do presidente. Eu não penso como o presidente. Acho que tardiamente, desesperadamente, ele toma essas medidas", respondeu Alberto Fernández, que, no entanto, disse que "vai ajudar o presidente a governar até o último dia".

Analistas coincidem em apontar a necessidade de se encontrar uma difícil fórmula de cooperação entre o presidente e o candidato Alberto Fernández para garantir a governabilidade do país, sacudido pelos mercados financeiros e pela inflação.

O dilema de Macri é convocar Alberto Fernández a uma transição ordenada sem parecer que está renunciando a disputar as eleições. Seria como admitir que já perdeu e que acabou o seu governo.

Já o dilema de Alberto Fernández é cooperar, sem se comprometer em mostrar o seu programa econômico que deveria ser de compromisso fiscal e de ajuste econômico, o contrário do que esperam militantes e eleitores.

"As medidas anunciadas dificilmente vão reconstruir a confiança e esta é uma crise de confiança. Se não houver um acordo entre Macri e Fernández, não haverá possibilidade de reconstruir confiança", garante o analista Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos União para a Nova Maioria.

Fim de governo

"Macri está num governo fraco que está terminando, enquanto o outro está num governo de expectativas que gera dúvidas", comparou Fraga, um dos mais consultados pelo establishment

"As medidas parecem pouco e chegam tarde demais para reverter a eleição. Temos uma situação de virtual vazio de poder porque o presidente tem chances muito limitadas de ganhar, mas não há um novo presidente eleito. Ou seja: o antigo formalmente existe, mas não tem muita influência e o novo ainda não existe", explica o analista político Sergio Berensztein, uma referência no país.

"Perante essa anomalia, os mercados revelaram essa situação de vazio de autoridade", resume Berensztein.

As medidas de Macri foram para aliviar o bolso dos argentinos, mas não para o mercado financeiro, que voltou a castigar a Argentina. O peso voltou a perder 6,6% do seu valor, a bolsa caiu 1,8% e o risco-país manteve-se num nível que revela a desconfiança dos investidores sobre a capacidade de pagamento do próximo governo.

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