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Brasil-América Latina

Brasileira da Opus Dei ajuda população carente em Caracas

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A aposentada Telma Guimarães fez um caminho que poucas pessoas tiveram a coragem de fazer nos últimos anos: se mudar para a Venezuela. Convidada pela Opus Dei – organização da Igreja Católica presente nos cinco continentes – ela diz que não pensou duas vezes em poder ajudar em um país tão marcado pela crise.

Telma Guimarães foi convidada pela Opus Dei para ir à Venezuela
Telma Guimarães foi convidada pela Opus Dei para ir à Venezuela E. Jorge
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Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas.

Na contramão dos mais de quatro milhões de venezuelanos que abandonaram o país, a dentista aposentada Telma Guimarães despediu-se de São Paulo e desde julho do ano passado mora em Caracas. Ela conta o que faz neste país castigado por uma profunda crise: “Vim aqui ajudar muita gente amiga que, com toda essa situação, está passando por algumas dificuldades, mais do que econômica - que essa não tem jeito, todo mundo passa. Mas para ajudar a levantar o ânimo das pessoas. ”

Opus Dei, na tradução livre do latim, significa “Obra de Deus”. Este é um braço da Igreja Católica que difunde o cristianismo mundo afora reforçando a importância da família e do trabalho. Criado há 90 anos e com sede em Roma, o prelado está desde o início da década de 1950 na Venezuela.

Atualmente a Opus Dei está presente em 70 países, nos cinco continentes, e conta com mais de 92 mil integrantes. Deste número, pouco mais de dois mil são sacerdotes.

Telma explica que na Opus Dei o desafio é alcançar a santificação através dos atos cotidianos e não de dentro de um claustro: “Essa é a grande novidade da Opus Dei. As pessoas não compreendem muito. A grande maioria dos membros da Opus Dei são casados. São pessoas que têm um trabalho profissional e se santificam através de sua vida diária, normal. Não é gente que sai do mundo”.

Parafraseando o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), a brasileira detalha que “é uma luta ser santo, e isso é o bonito da situação. Não somos pessoas extraordinárias. Se os católicos vivessem tudo o que foi ensinado por Jesus Cristo, o mundo seria perfeito. E olha que Gandhi não tem nada a ver com os católicos”.

Telma chegou a Opus Dei quando tinha apenas 18 anos. Naquela época, ela buscava respostas para questões sobre a vida. “Normalmente na Opus Dei existe uma direção no país. O prelado da Opus Dei delega algumas pessoas, homens de um lado e as mulheres do outro, para dirigir a Obra em cada sessão”.

Sinônimo de hermetismo

Para muitos, este braço da Igreja Católica é sinônimo de hermetismo. As críticas a Opus Dei recaem sobre a rigidez das regras para os integrantes da organização, o suposto elitismo e misoginia além do apoio ou participação em governos autoritários, especialmente o governo franquista da Espanha até 1978.

Mas Telma relativiza as críticas: “Todos os Papas sempre tiveram imenso carinho pela Obra. Sempre foram muito acolhedores e trabalhando em perfeita sintonia com a Opus Dei. As críticas sempre vão existir. Jesus Cristo, que é Deus, não foi compreendido nem pela gente do seu tempo, mesmo diante dos milagres impressionantes que ele fazia. E nem é compreendido no mundo atual através das patentes extraordinárias que nós conhecemos através da ciência”.

Ela explica que “em cada centro, onde é dada a formação, existem três ou quatro pessoas que têm um pequeno cargo que é o de direção das atividades apostólicas. Eu não tenho nenhum cargo. O bom é você fazer o que tem que fazer”.

Telma tem uma longa experiência dentro da Opus Dei, além de talento para administrar. Ela mora em um dos centros da Obra. No edifício localizado em um agradável bairro da capital venezuelana, vivem pelo menos vinte pessoas, todas mulheres. 

“São poucas as pessoas que estão para isso, que são as numerárias, como a gente chama. Elas são pessoas que vivem no centro da Obra para poder dar a formação para os demais Eu também sou uma numerária”, conta Telma.

Moeda pulverizada

As particularidades da Venezuela chamam a atenção de Telma. Entre elas está o preço da gasolina, que é praticamente grátis. Além disso, a desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana, tem gerado um fenômeno: alguns pagamentos estão sendo feitos com mercadorias e não com dinheiro em espécie.

“A nota mínima aqui é a de 50 bolívares, e a gasolina custa 0,00000 qualquer coisa. Então eu sempre levo um pacote de macarrão, de harina pan(a marca da farinha de milho que é usada para fazer as arepas, o prato nacional). Se eu tenho banana, dou banana. Eles (os frentistas) ficam supercontentes. Eu costumo ir ao mesmo posto de gasolina e (quando pago com mercadorias) eles falam: está mais que pago! ”

A reconversão monetária, instaurada em agosto do ano passado, mais a hiperinflação (que deve chegar a mais de 10 milhões por cento este ano de acordo com o Fundo Monetário Internacional) pulverizaram o valor da moeda nacional. Não é raro ver as notas de bolívar desprezadas em lixeiras ou mesmo jogadas nas ruas.

O país já foi um dos mais prósperos do continente. Hoje em dia a Venezuela produz apenas 734 mil barris de petróleo por dia, número aquém dos quase dois milhões extraídos em 2017. Esses números impactam o governo, mas sobretudo a população. 

Um país à deriva

A paulista observa com cautela a situação do país. Em janeiro deste ano aconteceu uma reviravolta política com a posse, em praça pública, do líder opositor Juan Guaidó. Além disso, entre março e abril, os megas apagões evidenciaram que na Venezuela as empresas de serviços básicos não estão com a manutenção em dia. “A PDVSA (a estatal Petróleos da Venezuela) não funciona. A eletricidade não funciona, a água não funciona, nada funciona! É um país onde até as leis não funcionam. A única lei que existe é a arma, e isso não é lei”.  

Em algumas regiões do país falta gasolina. Os cortes de energia elétrica são constantes no interior e muitas vezes a capital venezuelana também fica às escuras. O fornecimento de água é restrito a apenas algumas horas por dia. Embora a violência tenha diminuído também por causa da crise, o país ainda lidera a lista de lugares mais violentos do mundo. 

Apesar da tensão no ambiente, Telma, sempre com um sorriso nos lábios, busca elevar o ânimo daqueles com quem convive, seja na rua ou na Obra. Nas horas livres com as amigas, todas venezuelanas, ela compartilha um pouco do Brasil: “Ensinei elas a fazer caipirinha. Elas adoram caipirinha. Aqui todo mundo adora caipirinha! Faço doce de abóbora. Aqui elas só comem “auyama” (como a abóbora é chamada na Venezuela) na sopa. Eu fiz doce de abóbora com coco, que fica bem brasileiro. Elas adoraram”, finaliza Telma.

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