Uma pedra no sapato de Bolsonaro: o peronismo volta ao poder na Argentina
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O peronista Alberto Fernández, ex-chefe de gabinete de Cristina Kirchner, é o novo presidente eleito da Argentina. Ele terá como vice-presidente a própria Cristina Kirchner. Mas sua vitória não foi de lavada como se esperava. O presidente Mauricio Macri conseguiu diminuir pela metade a diferença que os separava. O crescimento de Macri consolidou um bloco opositor que pode permitir um equilíbrio de forças no Congresso.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Começa uma transição que pode ser turbulenta na Argentina. Por isso, o governo Macri implementará nesta segunda-feira, dia 28, uma forte restrição para a compra de dólares por particulares. No seu discurso de vitória, Alberto Fernández pediu a liberdade de Lula, um ponto de colisão com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Com mais de 97% das urnas apuradas, Fernández obteve 48,1% dos votos, contra 40,4% para Mauricio Macri. Esse seria um cenário de segundo turno em outros países, mas na Argentina se ganha com 45% dos votos. Essa diferença menor a 8 pontos significa que o atual presidente conseguiu recortar pela metade a diferença de 16 pontos registrada nas eleições primárias em 11 de agosto.
O governo ganhou a eleição para governador no distrito federal de Buenos Aires, mas perdeu para governador na província de Buenos Aires, a mais importante do país. De qualquer forma, Mauricio Macri ficou bem posicionado para liderar a oposição, porque é o opositor mais votado dos últimos 36 anos de democracia e conseguiu ampliar a sua força no Congresso.
As eleições renovaram metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. A coligação de Macri conseguiu ampliar a quantidade de legisladores, a de Alberto Fernández também, mas em detrimento de outras forças políticas. Assim, a Câmara de Deputados ficou equilibrada, com 120 deputados para Fernández e 119 para Macri. Para se conseguir o quórum de 129 deputados, ambos vão precisar de aliados.
No Senado, Alberto Fernández leva vantagem, com 36 senadores, apenas um a menos que a maioria de 37 da casa. A coligação de Macri conseguiu eleger 29 senadores.
Os analistas coincidem em afirmar que esse equilíbrio será fundamental para evitar o controle hegemônico que o kirchnerismo tinha durante o governo de Cristina Kirchner. Aliás, Cristina será a presidente do Senado, porque, na Argentina, é o vice-presidente comanda a casa.
A transição agora será um ponto crucial, uma vez que os mercados veem com desconfiança o kirchnerismo de Alberto Fernández, que representa a ala mais radical do peronismo. Até o dia 10 de dezembro, quando ele vai assumir, será um período em que os mercados vão querer ver um plano econômico e o nome de quem vai conduzir a economia.
Para evitar turbulências, como já tinha acontecido quando Fernández ganhou as eleições primárias, o Banco Central anunciou no começo da madrugada que vai implementar um plano de restrição cambial. As pessoas físicas não vão poder comprar mais do que US$ 200 por mês. O objetivo da medida é estancar a veloz queda das reservas do Banco Central, que caíram 35% desde o dia 12 de agosto, após as primárias.
Nesse ritmo, as reservas não chegariam até 10 de dezembro e, como o país está sem crédito, poderia haver risco até de hiperinflação. Por isso, a medida era o que Alberto Fernández queria. A questão é se o anúncio não vai assustar os correntistas que, para evitarem novas surpresas, podem retirar os seus depósitos em dólar.
Rusga com Bolsonaro
A relação da Argentina de Alberto Fernández com o Brasil de Jair Bolsonaro, no entanto, pode ser complicada. Para começar, o presidente recém-eleito vai viajar ao México - e não ao Brasil - em sua primeira viagem ao exterior como presidente. Bolsonaro fez campanha contra Fernández, alertando para o risco de a Argentina se tornar uma nova Venezuela. Fernández, por sua vez, acusou Bolsonaro de racista, misógino e violento.
O presidente brasileiro também advertiu que Fernández pode colocar em risco o futuro do Mercosul, se quiser tomar medidas protecionistas em vez de continuar com a abertura comercial, quando o argentino já avisou que vai rever o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. E, para completar, o que mais irrita Bolsonaro, Alberto Fernández pede a liberdade de Lula.
Em seu discurso de vitória, ele disse que Lula estava injustamente preso e pediu sua liberdade, gritando “Lula Livre”. A multidão repetiu “Lula Livre” em coro e Alberto Fernández pediu que o mundo escutasse esse grito.
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