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Brasil-Mundo

Físico brasileiro entra para a história da computação quântica

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O mineiro Fernando Brandão, hoje professor do Caltech, na Califórnia, participou da equipe do Google que alcançou a supremacia quântica. Ele contou à RFI como é estar nessa linha de frente nas descobertas que vão traçar nosso futuro.

O mineiro Fernando Brandão, professor do Caltech, na Califórnia
O mineiro Fernando Brandão, professor do Caltech, na Califórnia KLOCK Cleide
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Cleide Klock, de Los Angeles

Quando pensamos em físicos famosos logo vêm à cabeça nomes como Einstein, Newton ou, mais recentemente, Stephen Hawking. Gênios que transformaram o nosso mundo com descobertas das quais desfrutamos no nosso dia-a-dia. Agora, um físico brasileiro, de apenas 36 anos, deixa sua marca em uma das mais novas especialidades: a computação quântica.
O mineiro Fernando Brandão foi o único latino-americano, dentre 76 pesquisadores, a participar da construção do primeiro processador quântico capaz de fazer em 200 segundos uma operação que levaria, nos supercomputadores da atualidade, 10 mil anos.

"Esse foi um projeto do Google e a pesquisa era construir um computador quântico, baseado nas leis da mecânica quântica, a física do mundo microscópico. Desde o final dos anos 80, já se sabia que, se um dia conseguíssemos construir um computador usando a física quântica, esse seria um computador muito mais poderoso para algumas tarefas", diz.

"O que o Google conseguiu fazer é uma prova de princípio: construir um computador quântico que tem 53 qubits, o análogo do bit na computação quântica. Eu já conhecia os pesquisadores da empresa e chegou o momento que eu poderia contribuir. Fiquei um ano trabalhando com eles nesse projeto", conta Brandão.

Ao processador foi dado o seguinte problema: ele teve que verificar padrões em um conjunto de números distribuídos aleatoriamente. Aos olhos de leigos é difícil mensurar o que isso pode afetar realmente na nossa vida, mas essa resolução 'aleatória' pode significar a descoberta de novos medicamentos, a cura de doenças e também o necessário desenvolvimento de sistemas mais seguros no futuro.

"A gente sabe que um dia o computador quântico pode resolver muitos problemas importantes para a sociedade, em inteligência artificial, em criptografia e ciências materiais. Mas construir esse computador é um grande desafio. Essa é a primeira evidência experimental de que a computação quântica tem esse poder de impactar o mundo, mas resultados concretos para a sociedade vão demorar alguns anos, talvez décadas", explica.

Tubo de vácuo

Quando o Google anunciou que havia alcançado a supremacia quântica, a IBM, que também possui um grupo de computação quântica trabalhando em pesquisas semelhantes, contestou a alegação. Para a IBM, a compreensão de supremacia quântica da rival está equivocada, pois considera que só é possível usar esse termo em operações que os supercomputadores convencionais não poderiam nem tentar.

Segundo Brandão, o marco é incontestável e comparado a outro feito na computação. Ele faz uma analogia aos tubos de vácuo dos primeiros computadores, uma grande descoberta que mostrava o potencial da computação. Mas, para que a tecnologia emergisse mais tarde, foram necessários os transistores de silício. No caso da computação quântica, falta descobrir um dispositivo essencial para viabilizar a invenção.

Um brasileiro dentre os melhores

Fernando Brandão acaba de ganhar um prêmio da APS, Sociedade Americana de Físicos, pelas realizações notáveis na teoria do entrelaçamento e na interseção da computação quântica. Ele é o único brasileiro professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia que está no topo das melhores universidades de engenharia e tecnologia.

A Caltech é uma das menores universidades do mundo em tamanho, mas uma gigante em inovação. Tem apenas 2 mil alunos e estudiosos de renome mundial. Da lista de ex-alunos, muitos hoje ainda colaboradores da instituição, 38 já ganharam o Prêmio Nobel. "Minha rotina aqui é basicamente tentar pensar o máximo possível sobre a área, ver se de vez em quando vem uma inspiração e tentar usar ela para ajudar a fazer progressos", detalha.

Nascido em Belo Horizonte, Brandão começou a fazer Engenharia de Controles de Automação na Universidade Federal de Minas Gerais por gostar de matemática e física no Ensino Médio. Mas, quando começaram as matérias mais ligadas à engenharia, descobriu que não havia nascido para isso e queria ter uma ligação mais direta com as ciências fundamentais.

Ele se matriculou no curso de Física também na UFMG, onde, em seguida, fez um mestrado. Logo conseguiu bolsa para doutorado e pós-doutorado no Imperial College de Londres. Nesses 12 anos de profissão, traz ainda no currículo os cargos de professor na UFMG, do University College of London, de pesquisador na Suíça, da Microsoft, do Google e agora da Amazon, além de estar há três anos e meio no Caltech

Filho de professores universitários, ele lamenta o caminho que a universidade pública hoje segue no Brasil.

"Infelizmente o Brasil não valoriza a ciência e menos ainda agora no governo atual, o que é uma pena. No momento está cortando bolsas da Capes e do CNPQ. Essa guerra contra a academia, ciência e cultura vai ter um efeito ainda mais negativo que é difícil prever qual será. Muito talentos são desperdiçados, muita gente vai embora do país e faz pesquisas em outros países. É um problema sério do Brasil que tem que ser resolvido o mais rápido possível."

Voltar ao nosso país não está nos planos do físico. Ele acha que seria impossível crescer nas pesquisas sem apoio do governo. Brandão cita que nos Estados Unidos apesar das instituições de ensino serem privadas, é ainda a participação do governo que financia a maior parte das pesquisas.

"É muito positivo se a iniciativa privada quer ajudar a ciência com doações, não existe essa cultura no Brasil como existe nos Estados Unidos. Não é uma coisa que vai mudar do dia para noite, é um trabalho de conscientização de empresários e de quem tem recursos no Brasil de que eles deveriam colaborar com isso. Mas essa não é a única maneira. Mesmo aqui no Caltech, que é uma instituição privada, que recebe muitas doações, a maior parte do financiamento vem do governo. Então é uma falácia dizer que o modelo americano é privatizado para a pesquisa. No Brasil hoje a gente não tem nenhum dos dois e deveria ser uma combinação dos dois."

Exemplos a seguir

Brandão diz que o Brasil deveria pegar como exemplo a Coreia do Sul, já que é impossível hoje fazer uma comparação com a Europa ou Estados Unidos, que têm uma história longa e dedicada à pesquisa. "A Coreia do Sul era subdesenvolvida há cerca de 40 anos e fez um esforço muito centrado em educação e pesquisa, investiu muito, deixou a ideologia de lado, deixou a disputa política de lado durante 20 anos e investiu seriamente. Hoje em dia tem pesquisas de ponta sendo feitas lá".

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