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Linha Direta

Bélgica questiona passado colonial no Congo e homenagens a rei genocida

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Um século depois da morte de milhões de pessoas no antigo Congo, o passado colonial da Bélgica é colocado em questão. Homenagens a Leopoldo II, o antigo monarca belga que reinou com mãos de ferro no país africano, começam a ser questionadas. O movimento, capitaneado por grupos de direitos humanos, recebe reforço com o recente anúncio de que Ben Affleck fará um filme sobre os crimes coloniais belgas.

Leopoldo II foi o segundo Rei dos Belgas, responsável pela morte de milhões no antigo Congo
Leopoldo II foi o segundo Rei dos Belgas, responsável pela morte de milhões no antigo Congo Wikipédia
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Correspondente da RFI em Bruxelas

O debate sobre o domínio colonial sangrento da Bélgica no Congo foi reacendido após pressão de grupos defensores de direitos humanos para que o país confronte o seu passado. Setores mais conservadores da sociedade belga vivem ainda um estado de negação sobre o período colonial, mas há quem queira ver este assunto discutido mais abertamente. Museus estão começando a mostrar fatos anteriormente ignorados, livros de história nas escolas estão sendo mudados, uma atitude impensável até pouco tempo, cidades estão alterando placas de ruas que homenageam Leopoldo II e denunciam abertamente seu legado.

A Corte de Kortrijk, no oeste de Flandres, região norte da Bélgica, decidiu mudar o nome da avenida Leopoldo II na cidade, argumentando que o monarca era um assassino em massa. Outra cidade ao norte de Bruxelas também pretende alterar o nome de uma rua que faz tributo ao antigo soberano belga para evitar vergonha entre os moradores. As cidades de Bruges e Gand devem seguir o exemplo.

Monarca sanguinário

Leopoldo II da Bélgica foi um dos reis mais sanguinários da história europeia, mas permanece ainda hoje um dos genocidas menos falados. Entre 1885 e 1908, ele fez do então Estado Livre do Congo   hoje República Democrática do Congo   sua propriedade particular. Para explorar borracha e marfim, escravizou os congoleses e deixou um legado de miséria no país. O monarca cruel instituiu punições severas para quem não coletasse borracha suficiente, entre elas, decepou mãos e braços de milhares de pessoas.

Para manter seu reinado, mandou torturar, mutilar e matou, segundo acadêmicos, entre 8 e 10 milhões de congoleses, sem nunca ter colocado o pé na colônia africana. Durante os 23 anos de terror, ele acumulou riquezas e realizou projetos faraônicos em Bruxelas. Em 1908, após pressão internacional, o parlamento belga retirou de Leopoldo II o controle do Congo.

Protestos

Nos últimos anos, grupos têm realizado diversos protestos contra o uso da imagem de Leopoldo II. Uma das mãos de uma estátua em homenagem ao soberano em Ostende foi cortada, em protesto contra sua política colonial e às mutilações praticadas. Em Bruxelas, em frente ao Palácio Real, o monumento do rei montado em um cavalo foi pintado de vermelho em três ocasiões. Ainda na capital, o busto do segundo rei da Bélgica foi removido de um parque.

Em Flandres, nas cidades de Gand, Ostende e Hal, há placas explicativas ao lado das estátuas informando que "o comércio de borracha e marfim, que estava em grande parte nas mãos do rei, custou a vida do povo congolês" e ainda que "o poder de Leopoldo II e as ações dos colonos belgas sob seu regime no Congo foram brutais com a população local e sua exploração desumana".

Ironicamente, Flandres também é o reduto da extrema-direita belga, com o Vlaams Belang e o N-VA, de Bart De Wever, a favor da divisão gradual da Bélgica. Nas últimas eleições, em maio passado, 19% dos eleitores flamengos votaram na extrema direita, conquistando 18 dos 150 assentos no Parlamento Federal.

Crimes coloniais no cinema

A discussão sobre a memória colonial ganha reforço do cinema. As atrocidades cometidas pelos belgas no Congo vão ser transportadas para as telonas no ano que vem. O filme, protagonizado pelo ator americano Ben Affleck e produzido por Martin Scorcese, será baseado no livro "O Fantasma do rei Leopoldo II", do jornalista Adam Hochschild.

No longa-metragem, os personagens principais denunciam os abusos do monarca belga, constituindo assim, a base de um dos primeiros movimentos em defesa dos direitos humanos da história.

Segundo Hochschild, os massacres em massa realizados no Congo durante o reinado de Leopoldo II são "um holocausto esquecido de 10 milhões de mortes". Uma história de terror, voracidade e heroísmo.

Não é a primeira vez que artistas denunciam esses crimes. No final do século XIX, o escritor polonês, Joseph Conrad, publicou o pungente "O Coração das Trevas", um manifesto contra a colonização belga. Conrad dizia que "a colonização do Congo foi a mais infame corrida aos rendimentos, tendo desfigurado, para sempre, a história da consciência humana".

Tintim no Congo foi tirado das livrarias britânicas

O mais famoso personagem de histórias em quadrinhos da Bélgica, Tintim e seu cão Milu, também estão envolvidos em aventuras polêmicas. Tintim no Congo, segundo álbum criado pelo cartunista belga Hergé, no início dos anos 30, é até hoje criticado pelo conteúdo racista e culturalmente ofensivo.

O próprio Hergé confessou, em uma entrevista, que ao escrever e desenhar a trama foi influenciado pelos preconceitos da sociedade burguesa da época. Hergé nunca havia pisado no Congo e tudo que colocava no papel era esteriótipos.

No livro, Hergé mostra congoleses como selvagens preguiçosos que se parecem com macacos e falam francês errado. Em 2010, o congolês Bienvenu Mbutu Mondondo iniciou um processo judicial contra o cartunista, mas a Justiça belga inocentou Hergé argumentando que “face ao contexto da época, não havia intenção discriminatória da parte do autor”. No entanto, "Tintim no Congo" foi retirado de circulação na Grã-Bretanha, e o livro saiu das prateleiras infantis na Suécia e Estados Unidos.

 

Crianças mutilada,s vítimas das atrocidades dos belgas no Congo, junto a um missionário (ca. 1890-1910)
Crianças mutilada,s vítimas das atrocidades dos belgas no Congo, junto a um missionário (ca. 1890-1910) wikipédia

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