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Chile elege moderação e juventude nas primárias e rejeita velha política

Em eleições primárias, os chilenos optaram por um jovem ex-líder estudantil em vez de um ultracomunista para representar a esquerda nas próximas eleições de 21 de novembro. Os votantes também preferiram um jovem ex-diretor de banco a um ultraconservador para representar a direita.

Gabriel Boric venceu as primárias de esquerda no Chile em 18 de julho de 2021.
Gabriel Boric venceu as primárias de esquerda no Chile em 18 de julho de 2021. AFP - JAVIER TORRES
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Contra todas as previsões, os chilenos elegeram opções mais ao centro e menos extremistas, além de candidatos fora dos partidos tradicionais, nas primárias abertas realizadas neste domingo (18). As escolhas também vão na contramão da tendência atual, em uma região marcada pela polarização política.

Nas próximas eleições gerais de 21 de novembro, a esquerda terá como candidato à presidência o ex-líder estudantil Gabriel Boric, de apenas 35 anos. À direita, o concorrente será o ex-ministro e ex-diretor de banco Sebastián Sichel, de 43 anos, sem partido.

"Agora, todos os setores políticos terão que fazer um movimento ao centro, fortalecendo as posições moderadas tanto durante a campanha eleitoral quanto durante as discussões na Assembleia Constituinte, que vai elaborar uma nova Constituição em paralelo à disputa pela presidência", indica à RFI o economista, cientista político e diplomata chileno Fernando Ayala.

"O resultado marca uma mudança geracional no Chile e representa um duro golpe para os extremistas tanto da esquerda quanto da direita", sintetiza o sociólogo e analista político Axel Callís.

Perfis de moderação e diálogo

Por ampla margem de diferença, os dois derrotaram pesos pesados da política chilena num movimento que nenhuma sondagem previu. Gabriel Boric (60,4%) venceu o extremista Daniel Jadue (39,6%), do Partido Comunista, a sigla mais à esquerda da coligação "Apruebo Dignidad".

Sebastián Sichel (49,1%) derrotou o ultraconservador Joaquín Lavín (31,3%), da União Democrata Independente, o partido mais à direita da coligação "Chile Vamos", além de outros dois pré-candidatos. Lavín tentava a sua terceira candidatura à presidência.

Daniel Jadue e Joaquín Lavín permaneceram como favoritos ao longo dos últimos meses, segundo todas as sondagens.

Sebastián Sichel foi ministro do Desenvolvimento Social de 2018 a 2019, na atual presidência de Sebastián Piñera. Ele dirigiu o Banco del Estado de Chile até dezembro passado. Sichel se autointitula um candidato de centro numa coligação de direita.

"Adeus à velha política que divide o mundo em dois", celebrou Sebastián Sichel.

Gabriel Boric, da Frente Ampla, surgiu na política durante as mega manifestações estudantis de 2011 contra o modelo neoliberal de educação privada que domina o Chile. Foi eleito deputado nas eleições de 2013.

Com um tom conciliador e com foco nos movimentos ambientalistas e feministas, Boric conseguiu mais de um milhão de votos numa eleição primária, façanha que não acontecia desde a vitória da socialista Michelle Bachelet no seu segundo mandato (2014-2018).

"Não tenham medo da juventude para mudar este país. Se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será o seu túmulo", afirmou Gabriel Boric.

O seu rival na coligação, Daniel Jadue, um comunista admirador do chavismo venezuelano e do modelo cubano, declarou que não existia antecedentes de violações aos direitos humanos em Cuba. Boric, pelo contrário, defendeu a posição dos manifestantes contra o regime criado por Fidel Castro.

Impacto do resultado na Constituinte

A vitória de um candidato com o perfil de Gabriel Boric complica o panorama da centro-esquerda, que não participou das primárias e tem até 23 de agosto para inscrever como sua candidata à presidência da República ou a atual presidente do Senado, Yasna Provoste, ou a ex-porta-voz de Bachelet, Paula Narvaez.

O próximo presidente assumirá o desafio de retirar o Chile da sua crise social, institucional, econômica e sanitária, além de promulgar a nova Constituição e governar sob regras que serão definidas após a eleição presidencial.

Depois de 40 anos de uma Constituição imposta pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), que fez do Chile um dos principais laboratórios neoliberais do mundo, os chilenos elegeram, em maio passado, uma maioria de representantes da esquerda e da centro-esquerda para a Constituinte.

A direita não obteve o mínimo de um terço dos votos para poder influir, muito menos vetar, as decisões de uma ampla maioria decidida a enterrar o último vestígio do legado de Pinochet. Os conservadores conseguiram apenas 37 dos 155 eleitos.

"O setor majoritário será o da centro-esquerda, mas vejo esse setor com uma posição moderada", aponta Fernando Ayala, também membro do Departamento de Desenvolvimento Estratégico da Universidade do Chile e assessor externo da FAO.

Os constituintes começaram os trabalhos em 4 de julho passado e terão até um ano para redigir uma nova Constituição. Nesse período, vão conviver com as campanhas eleitorais para presidente e legisladores. A Assembleia Constituinte deve influenciar todas as campanhas e as eleições, por sua vez, devem ter influência no trabalho dos constituintes.

"O desenvolvimento da Constituinte vai influir no resultado eleitoral. Durante as discussões, os setores de direita serão minoria e ficarão isolados. Com isso, esses setores devem fazer um movimento ao centro. A direita chilena está obrigada a fazer esse movimento ao centro. Se ficar na sua posição, ficará isolada sem poder influir em nada", antecipa Fernando Ayala.

"O mesmo vale para a esquerda. Acredito que esse movimento vai favorecer para que tenhamos uma Constituição bem de centro", conclui.

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