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EUA: Impasse sobre medida contra migração provoca caos na fronteira com o México

O Supremo Tribunal norte-americano confirmou nesta segunda-feira (19) uma medida implementada em março de 2020 pelas autoridades locais que permitia a deportação de candidatos à imigração, mesmo potenciais requerentes de asilo. A medida, adotada inicialmente em nome da luta contra a pandemia de Covid-19, agora leva incerteza a milhares de pessoas na fronteira.

Imigrantes venezuelanos expulsos dos Estados Unidos e enviados de volta ao México chegam em Ciudad Juárez, em 13 de outubro de 2022.
Imigrantes venezuelanos expulsos dos Estados Unidos e enviados de volta ao México chegam em Ciudad Juárez, em 13 de outubro de 2022. REUTERS - JOSE LUIS GONZALEZ
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Uma ordem assinada pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts, suspendeu o fim programado para quarta-feira (21) da medida "Título 42". Em março de 2020, o governo do então presidente Donald Trump acionou esse recurso para poder expulsar sem demora os candidatos à imigração retidos nas fronteiras terrestres. A medida foi instantânea, não permitia recurso judicial e não previa o retorno automático ao país de origem.

O dispositivo "Título 42" estava originalmente programado para terminar em 23 de maio, mas um juiz da Louisiana bloqueou sua suspensão. Em contrapartida, um juiz federal em Washington exigiu, em 15 de novembro, que o presidente Joe Biden colocasse fim às expulsões previstas por este dispositivo, e a suspensão do "Título 42" foi agendada para segunda-feira antes da meia-noite.

Mas 20 estados conservadores apresentaram um recurso de emergência à Suprema Corte na segunda-feira, pedindo o bloqueio da decisão do juiz federal.

O mais alto tribunal americano manteve a medida enquanto se aguarda uma decisão sobre o caso. "A ordem de saúde pública do Título 42 permanecerá em vigor por enquanto e as pessoas que tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos continuarão a ser deportadas para o México", informou o Departamento de Segurança Interna na segunda-feira, se comprometendo em continuar as providências para receber os migrantes da melhor maneira possível quando a medida for suspensa.

Impasse sobre medida gera caos na fronteira

Esta indecisão, no entanto, deixa em suspense milhares de migrantes. Kirley chegou a Matamoros, no México, com os ferimentos sofridos ao pular de um trem de carga usado por migrantes para alcançar a fronteira com os Estados Unidos. Como tantas outras pessoas, ela espera uma oportunidade para dar o último passo que a separa de seu sonho americano.

Há duas semanas que esta venezuelana de 19 anos e seu namorado, Jenderson, dormem nas ruas de Matamoros, atingidos pelo "Título 42". A espera do jovem casal, como de outros milhares de venezuelanos que chegaram a esta cidade do estado de Tamaulipas, é marcada pela falta de informação e pelo medo de fracassar na tentativa de fugir da escassez que viviam em seu país.

O "Título 42" os impede de buscar asilo nos portões dos Estados Unidos e permite a deportação de migrantes que não tenham documentos. Mas mesmo que esse dispositivo tivesse sido suspenso, não havia garantia de que Kirley e Jenderson receberiam proteção do governo dos EUA, objetivo do casal venezuelano quando decidiu arriscar suas vidas em uma jornada de quatro meses.

Em Matamoros, advogados especializados em migração atendem cerca de 5 mil pedidos, a maioria de venezuelanos e haitianos, que enfrentam temperaturas abaixo de zero. Na cidade vizinha de Reynosa, milhares de migrantes vivem em abrigos superlotados.

"Entramos em Torreon e, indo de Torreon para Monterrey em um trem de carga, tivemos que nos jogar do teto do trem porque pessoas armadas subiram e levaram diversos passageiros", contou Kirley à AFP perto da ponte internacional que leva à cidade norte-americana de Brownsville, Texas.

Ela lembra que entre os detidos estavam crianças e que a prisão resultou na amputação do braço de uma delas. Ela mesma, jogando-se do trem, machucou a cabeça, sendo socorrida, em seguida, por um homem que a levou para a Cruz Vermelha. Este ferimento "é algo que me fez me arrepender de ter vindo".

Desinformação

Os migrantes também devem lutar contra a desinformação. Há uma semana, em seus celulares, um boato dizia que a fronteira seria aberta pelas autoridades por algumas horas. Como consequência, eles deixaram os albergues em que estavam, e seus lugares foram rapidamente ocupados por outros. “Ficamos sem lugar para dormir”, conta Almao, um venezuelano de 23 anos.

Desde a introdução do "Título 42", em março de 2020, até o final de setembro, 2,3 milhões de migrantes da América Latina e do Caribe tiveram asilo negado na fronteira sul dos Estados Unidos, de acordo com dados oficiais dos departamentos americanos.

Cerca de 600 migrantes dormem nas ruas de Matamoros em pequenas barracas de campanha ou cobertos com plástico. Diante da falta de abrigo, as autoridades locais adaptaram um centro de lazer para 200 pessoas, atualmente ocupado por 700, revelou Alejandro Cerezo, prefeito da cidade. Outros migrantes ocupam casas abandonadas. “É uma situação que nos leva ao desespero, principalmente entre os moradores”, ele observa.

Durante uma visita a Washington na última sexta-feira (16), o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, se contentou em dizer que o governo se prepara para o fim do "Título 42".

“Desumano”

O “Título 42” é uma medida de saúde pública originalmente adotada em 1893 para proteger os Estados Unidos das numerosas epidemias de cólera e febre amarela que ocorriam na época. Só muito raramente foi implementada desde então.

De acordo com ativistas e especialistas em direitos humanos, o dispositivo é uma violação do direito internacional. Eles consideram especialmente "desumano" impedir que um candidato a asilo em potencial formule seu pedido.

Para eles, o sistema atual apenas encoraja os migrantes a cruzarem a fronteira ilegalmente e a assumirem riscos cada vez maiores para fazer isso. Um total de 557 mortes foram registradas na fronteira com o México em 2021, de longe o ano mais mortal desde que as estatísticas começaram em 1998.

(Com informações da AFP)

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