Acessar o conteúdo principal
Blogueiro Africano no Brasil

“Usar a questão racial nas manifestações é manipulação”

Serge Katembera é um jornalista do Congo que estuda na Universidade Federal da Paraíba. Desde 2013, ele revela suas impressões como um estrangeiro vivendo no Brasil para o projeto da RFI Mondo Blog, que reúne blogueiros do mundo todo escrevendo em francês. Alguns de seus artigos estão sendo publicados em português, aqui no site da RFI Brasil. (Leia os posts anteriores).

Wikimedia Commons
Publicidade

Quando um milhão de pessoas foram às ruas no dia 15 de março para protestar contra o governo Dilma Rousseff (ou contra a corrupção, não ficou muito claro), a questão racial surgiu. Em queda livre, a esquerda no poder aproveitou a celeuma midiática para instrumentalizar os afro-brasileiros. Na falta de um madato positivo, o partido no poder quer transformar os negros em reféns políticos.

A classe média brasileira diz não ao pacto nacional

O Brasil tremeu forte no 15 de março de 2015. Centenas de milhares de manifestantes se reuniram nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte com uma única motivação: “exigir a renúncia da presidente Dilma Rousseff” ou “uma intervenção de quem tem o poder para fazê-lo, ou seja, o Parlamento... ou o exército”. Sim, acreditem. Ainda existem milhões a pedir o retorno da ditadura militar.

Contra o Partidos dos Trabalhadores, é tudo ou nada. Ou melhor, é nada ou as forças armadas. Bom, não vou perder meu tempo tentando entender homens e mulheres (ricos) e brancos que reclamam dos pobres estarem enfim desfrutando da democracia brasileira.

Ok, meu objetivo é um pouco redutor, mas a análise mantém o foco. Existe de fato um ódio de classes no Brasil, como escreve um editorialista do site de esquerda Carta Capital: “Devorados pela ignorância política propagada pela mídia, os manifestantes da classe média vociferam seu ódio contra o PT, contra os partidos políticos e contra a política. Eles não apresentam nenhuma proposição concreta”.

Em resumo, um comportamento bonapartista.

O uso da questão racial

Classe média branca. Foi ela que esteve na rua no 15 de março. Foi a situação sonhada pelo PT para utilizar a questão racial de uma maneira bastante abjeta e cuja perversidade não me escapou.

Foi um “retuite” feito pela conta do Twitter oficial da presidente Dilma Rousseff que atraiu a minha atenção. Constatando que a maioria dos manifestantes era branca, a conta @dilmabr retuitou uma foto (e depois apagou) dos manifestantes, acompanhada do seguinte comentário: “ganha um prêmio quem achar um negro nesta foto”.

Nem preciso dizer que este comentário me chocou. Eu explico. Os militantes de esquerda, encorajados pelos partidos políticos no poder, tentaram deslocar o debate político da questão do impeachment (e da corrupção) de Dilma Rousseff para a questão racial. Como uma manifestação contra a corrupção na cúpula do Estado, assim como na das grandes empresas, foi transformada de repente em um debate sobre o racismo no Brasil?

Ninguém mais quis saber qual partido político foi corrompido, menos ainda se um processo de impeachment seria legítimo neste contexto, ou ainda a legitimidade da manifestação.

Não. A questão se limitou, a partir dali, a saber qual partido representava melhor os interesses dos negros. E por isso uma foto circulou, onde vemos homens e mulheres brancos se manifestando enquanto uma família negra fica à margem da rua e observa impassível o espetáculo de “ódio de classe”...

Ao diabo! Trata-se infelizmente de uma obscura manipulação. Os partidos de esquerda, seus militantes e os políticos no poder tentaram vergonhosamente usar a questão racial e torná-la um cavalo de batalha. É escandaloso!

Que eles saibam, portanto, que os negros não pertencem a nenhum partido político. Os negros não devem nada a ninguém. Não é porque o governo do PT implementou as políticas de cotas que os negros devem apoiá-lo indefinidamente e sem vacilar.

Um pensamento deste tipo é detestável sobretudo porque tende a transformar as pessoas em fantoches ideológicos. Além de infantilizar os afro-brasileiros.

Quem é o Barack Obama brasileiro?

Mas já que falamos dessa famosa questão racial no Brasil, vamos além. Depois de quase 16 anos no poder, que político negro emergiu do PT se impondo como uma alternativa política em plano nacional? Nenhum! Quem é o Barack Obama brasileiro? Ninguém. Não apenas o partido não renova seus quadros, mas, ainda por cima, abre raros espaços para os negros.

É verdade que o PT implementou políticas de cotas que aumentaram consideravelmente o número de negros nas universidade federais; também aumentaram o número de negros na administração pública, mas, politicamente – ou seja, simbolicamente –, o saldo é ruim. Afinal, são os símbolos que importam.

John Ford disse bem no filme O Homem que Matou o Facínora: “Se a lenda é mais forte que a realidade, imprima-se a lenda”.

Joaquim Barbosa foi eleito presidente do Supremo Tribunal Federal, mas ele nunca teve a chance de ser candidato à presidência da república. Nem a mídia, nem as classes médias o aceitariam. O Brasil não é a América de Obama.

O PT deveria investir nos símbolos e promover um negro, quem sabe à presidência do partido ou para liderar o grupo parlamentar da presidência. Pena que nenhum outro partido político faça este esforço. Além disso, continuam a brigar para saber quem é o legítimo defensor dos afro-brasileiros. Uma verdadeira política de sarjeta...

>> Leia todos os posts de Serge Katembera em português.

>> Acesse o blog de Serge Katembera em francês.

>> Siga o blogueiro no Twitter: @sk_serge

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.