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Pelé morre aos 82 anos e entra para galeria de lendas que personificaram o Brasil para o mundo

Pelé morreu nesta quinta-feira (29), aos 82 anos, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde estava recebendo um tratamento contra um câncer. A informação foi confirmada pela família do craque nas redes sociais. Jogador brasileiro emblemático das décadas de 1950 a 1970, ele foi aclamado como o “Rei do futebol”. Após a sua aposentadoria, a sua figura ultrapassou os limites do gramado e ele personificou para o mundo os clichês sobre o Brasil. Sua trajetória, marcada por polêmicas, não apagou a lenda brasileira “Pelé”, que tanto encantou o planeta. 

Pelé, em 1961, durante um jogo em Colombes, na cidade parisiense
Pelé, em 1961, durante um jogo em Colombes, na cidade parisiense © - AFP/Archives
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Não é apenas o “Rei Pelé” que morreu nesta quinta-feira. Com ele morreu também Edson Arantes do Nascimento, mineiro, ambidestro, garoto tímido nascido das classes populares brasileiras no começo dos anos 1940. Recusado por vários times de futebol no começo de sua carreira no esporte, o jovem Pelé teve seu talento reconhecido por Waldemar de Brito, que o convocou a assumir seu papel na história do esporte mundial e do Santos Futebol Clube. 

Nascido em 23 de outubro de 1940 em uma modesta casa em Três Corações, Pelé cresceu com um pai jogador de futebol. Com o Santos, time no qual ingressou aos 15 anos, foi onze vezes campeão do Brasil e arrematou duas Libertadores (1962,1963) e duas Copas Intercontinentais (1962,1963), torneios que deram origem ao Mundial de Clubes.  

Jogador profissional precoce, Pelé fez seu primeiro gol oficial aos 15 anos durante um amistoso do “Peixe”, apelido dado ao time da Baixada Santista, contra o Corinthians de Santo André em 1956.

No ano seguinte, a seleção brasileira convoca aquele menino de jogo dinâmico e imprevisível. O Pelé entra em campo defendendo o Brasil pela primeira vez no dia 7 de julho de 1957, contra a seleção argentina. 

Com atuações notáveis pelo Santos, Pelé conquistou o posto de artilheiro do Campeonato Paulista em 1957 e 1958, o que garantiu sua convocação para a Copa do Mundo de 1958 na Suécia.

Durante o Mundial de 1958, ele marcou nada menos que seis gols pela seleção canarinha, tornando-se, aos 17 anos e 8 meses, o mais jovem campeão mundial da história. Em 1962 e 1970, ele voltou a erguer o troféu de campeão da Copa do Mundo, consagrando-se como o único jogador na história do futebol a ser tricampeão mundial. 

Em março de 1971, Pelé desfila na Champs Elysées, cercado de fãs de futebol, e com o Arco do Triunfo ao fundo. O jogador tricampeão mundial já era chamado de rei do futebol na França
Em março de 1971, Pelé desfila na Champs Elysées, cercado de fãs de futebol, e com o Arco do Triunfo ao fundo. O jogador tricampeão mundial já era chamado de rei do futebol na França AP - Jean-Jacques Levy

“Tesouro nacional não exportável” 

Nos anos seguintes, Pelé foi cortejado por diversos clubes mundiais, entre eles o PSG, mas o Brasil o declarou “tesouro nacional não exportável”.

O Santos de Pelé viaja o mundo, participando de torneios e amistosos para mostrar seu futebol extasiante. Com o craque participando de um número impressionante de jogos, as lesões foram se acumulando ao longo dos anos. 

Pelé encerrou sua carreira de clube no Cosmos de Nova York, onde jogou de 1975 a 1977, antes de pendurar suas chuteiras. Ele tinha então 37 anos.  

Pelé é carregado nos ombros após o Brasil ganhar a final da Copa do Mundo de 1970 no Estádio Azteca, na Cidade do México. A seleção brasileira ganhou da Itália de 4 a 1 e se sagrou tricampeã do mundo no dia 21 de junho de 1970
Pelé é carregado nos ombros após o Brasil ganhar a final da Copa do Mundo de 1970 no Estádio Azteca, na Cidade do México. A seleção brasileira ganhou da Itália de 4 a 1 e se sagrou tricampeã do mundo no dia 21 de junho de 1970 © AP Photo file

 

Virtuosismo técnico 

Atacante espetacular, Pelé se destacou por seus movimentos de virtuosismo técnico que o tornaram um verdadeiro artista da bola. Um virtuosismo trabalhado duramente em seu início profissional, quando se impunha longos treinos para melhorar seus pontos fracos, ou durante as aulas de caratê para aprender a “driblar sem nunca cair”. Artilheiro insaciável, ele marcou 1.281 gols em 1.363 partidas. 

Pelé fez história nos gramados com gols e lances impressionantes que só o argentino Diego Maradona conseguiria reproduzir. A ponto de um dia despertar admiração de seus próprios adversários. Por exemplo, na final da Copa do Mundo de 1958, o goleiro sueco Sigge Parling confessou querer aplaudi-lo após vê-lo marcar um gol na sequência de um drible genial, seguido de um voleio.  

Em 1961, os torcedores do Fluminense abraçaram o gênio, que havia marcado contra seu time após um sprint de 70 metros em que driblou sete adversários.

Mesmo quando não marcava, Pelé impressionava. Na Copa do Mundo de 1970, seu chute de 50 metros roçando a trave da Tchecoslováquia e seu drible de corpo no goleiro uruguaio, sem ter tocado na bola, surpreenderam o mundo inteiro e entraram para a antologia do futebol. 

Eleito o melhor atleta do século 20 pelo jornal esportivo francês L'Equipe, pela Fifa e pelo Comitê Olímpico Internacional, Pelé continuou sendo uma lenda, sempre aclamado em cada uma de suas inúmeras aparições públicas. 

Os sete filhos do rei

Na vida privada, Pelé se casou em 1966 com Rosemeri dos Reis Cholbi que lhe deu três filhos, Kelly Cristina, Jennifer e Edinho. Em seguida, conheceu Assíria Lemos Seixas, com quem se casou em abril de 1994. Em setembro de 1996, nasceram os gêmeos Joshua e Céleste.

O Rei do Futebol casou-se ainda uma terceira vez com a empresária japonesa, Marcia Cibele Aoki, 25 anos mais jovem. 

Ele teve também duas outras filhas fora dos casamentos, Sandra e Flávia. 

Pelé e polêmicas 

Mas Pelé nem sempre foi sinônimo de consenso, como demonstra o episódio com sua filha Sandra do Nascimento, morta em 2006 de câncer de mama. Uma polêmica que maculou a imagem pública do rei Pelé na década de 1990.  

Sandra Nascimento, ex-vereadora da cidade de Santos, entrou na Justiça para ser reconhecida como filha do ex-jogador em 1996. Ela faleceu em 2006, vítima do câncer, após ser reconhecida legalmente pelo pai. O que chamou a atenção do público foi que o ex-jogador santista não visitou a filha, mesmo após pedidos da mesma em seu leito de morte, e não compareceu ao funeral. 

Língua solta, Pelé entrou em polêmicas em outros episódios, como quando criticou o próprio filho, Edinho, ao optar pela carreira de goleiro: “Cá entre nós, essa ideia de o Edinho jogar no gol só pode ser praga dos goleiros que sofreram com os meus gols”, ou quando ironizou Romário: “Igual a Pelé não tem nem vai ter. Minha mãe me fez e fechou a fábrica”, disparou. 

Além das polêmicas citadas acima, algumas de suas posições políticas também foram criticadas no Brasil. Ele evitou debates sobre racismo, irritando alguns ativistas negros ao argumentar que o racismo poderia ser superado por meio da educação, do trabalho e do profissionalismo. O que valeu ao jogador Romário a seguinte réplica: “Pelé é poeta quando se cala. E quando ele joga futebol, nem é preciso dizer”, retrucou. 

Com Maradona, o imbróglio também era garantido. Uma votação feita pela FIFA para a escolha do melhor jogador do mundo foi vencida por Maradona, mas a organização determinou que a honra fosse compartilhada, diante de outra votação feita por especialistas de futebol. "As pessoas votaram em mim e querem que eu divida o prêmio com Pelé. Não divido", disse o argentino. 

Maradona sempre se referiu de maneira pouco cordial ao brasileiro. "Pelé deveria voltar ao museu", disse certa vez o argentino, acrescentando que o ex-santista deveria tomar uma "pílula adequada" para não dizer "besteiras". 

Pelé respondeu fazendo referência ao passado "negativo" de Maradona e seus problemas com drogas e álcool. 

Apenas um rim 

Em 2014, a internação do rei Pelé no hospital Albert Einstein, em São Paulo, com um quadro de infecção renal, chamou a atenção para a situação de pessoas que vivem com apenas um rim. O craque retirou nos anos 1970 o rim direito, que estava afetado por um tumor. 

Na ocasião, Pelé, com então 74 anos, agradeceu a equipe médica e “Deus”, mas também os fãs de várias partes do mundo, que acompanharam sua hospitalização. “Tive mensagens da China, do Paquistão, de quase todos os países da Europa. Eu realmente não sabia que todo mundo estava atento”, comentou o “Rei do futebol”. Mas o tricampeão mundial não esqueceu seus compatriotas, “aqueles brasileiros que sempre me apoiaram”. 

 

Pelé durante encontro com Kylian Mbappé em Paris.
Pelé durante encontro com Kylian Mbappé em Paris. REUTERS/Christian Hartmann

 

Outro episódio de hospitalização voltou a se repetir, dessa vez em Paris, em 2019, quando ficou internado por seis dias para tratamento de uma infecção urinária, após encontrar com o francês Kylian Mbappé.  

Na conversa, eles trocaram elogios, e o Rei sugeriu um desafio ao prodígio do futebol francês: bater o recorde de seu pai, que marcou cinco gols de cabeça em uma só partida. Pelé se referiu a Mbappé na ocasião como “um jogador veloz” e destacou sua grande capacidade de movimentação.

Lembrando que Mbappé se tornou, na Copa da Rússia, o segundo jogador com menos de 20 anos a marcar na decisão de um Mundial e levantar um troféu de campeão, Pelé disse sorrindo: “Ele é invejoso”. 

No dia 8 de abril, foi a vez de Neymar visitar o ex-craque, dessa vez no Hospital Americano de Paris. A foto postada por Neymar nas redes sociais alcançou mais de um milhão de curtidas em apenas uma hora, com fãs celebrando o encontro de dois nomes do esporte. 

 

Imagem luminosa projetada em um prédio de Doha com mensagem de apoio a Pelé.
Imagem luminosa projetada em um prédio de Doha com mensagem de apoio a Pelé. AFP - NELSON ALMEIDA

 

Homenagens durante Copa do Catar

O rei do futebol foi hospitalizado no final de novembro em decorrência de um câncer de cólon. Com o agravamento de seu quadro durante a Copa do Mundo do Catar, o jogador brasileiro recebeu diversas homenagens no Mundial.

Diversos prédios de Doha foram iluminados na ocasião com imagens de Pelé e mensagens de apoio. As torres gêmeas Al Jaber estamparam duas fotos clássicas do ídolo: a imagem de Pelé comemorando o primeiro gol da vitória contra a Itália na final da Copa de 1970, apoiado no ex-ponta-direita Jairzinho; e a camisa 10 do jogador na seleção brasileira. 

Após a vitória do Brasil contra a Coreia do Sul, os jogadores canarinhos também entraram em campo com uma bandeira em homenagem ao grande ídolo do futebol brasileiro.

O Santos, clube que Pelé defendeu por quase toda sua carreira no futebol, pôs uma coroa no topo do escudo da camisa que o time usará na próxima temporada.

O velório do craque será realizado na Vila Belmiro, em Santos, onde Pelé será enterrado, no Memorial Necrópole Ecumênica.

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