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Entenda as razões da revolta dos agricultores na União Europeia

A mobilização dos agricultores franceses se intensificou nesta quarta-feira (25), com novos bloqueios de estradas para pressionar o governo e obter respostas rápidas a uma série de reivindicações do setor. A França prolonga a lista de países da União Europeia que enfrentam, há vários meses, movimentos sociais de agricultores.

Agricultores franceses bloqueiam a rodovia A62, no sudoeste da França, em protesto contra queda de remuneração da atividade.
Agricultores franceses bloqueiam a rodovia A62, no sudoeste da França, em protesto contra queda de remuneração da atividade. AFP - CHRISTOPHE ARCHAMBAULT
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Os motivos de insatisfação variam de um país a outro, mas a cinco meses das eleições para o Parlamento Europeu, partidos de extrema direita buscam se apropriar dos protestos e atacar a União Europeia (UE), apontada como a fonte de todos os males pelos nacionalistas. 

As mortes da agricultora francesa Alexandra Sonac, 36 anos, e de sua filha Camille, 12 anos, atropeladas na terça-feira (23) atrás de uma barricada de feno erguida na região da Occitânia, acentuam a revolta dos manifestantes. Para piorar a tragédia, o motorista e as duas passageiras do carro envolvido no acidente eram de nacionalidade armênia e tinham recebido ordem para deixar o território francês depois de terem seus pedidos de asilo negados pelas autoridades.  

A FNSEA, a principal entidade agrícola francesa, informou que irá divulgar uma lista com 40 "exigências" dos produtores franceses às autoridades. Há pelo menos três pontos em comum entre as reivindicações dos franceses e demais colegas europeus: o aumento do imposto cobrado no diesel usado em tratores (conhecido pela sigla GNR) no período de 2024 a 2030, os custos de adaptação às normas ambientais do pacto de transição ecológica da União Europeia e a concorrência desleal de produtos provenientes de outros países não submetidos a essas regras – Brasil e Ucrânia, entre outros.

No caso da França, o governo definiu um aumento gradual no imposto cobrado sobre o diesel consumido pelos agricultores. Neste ano, a tributação sobe para 0,67 centavos de euro por litro, quase 3 centavos a mais do que os produtores pagavam em 2023 (0,38 centavos de euro por litro).

Ao participar de uma pequena manifestação de agricultores franceses diante da sede do Parlamento Europeu em Bruxelas, a candidata de extrema direita às eleições europeias Marion Maréchal, que concorre pelo partido Reconquista na França, afirmou nesta quarta-feira que os produtores franceses irão enfrentar um "tsunami" de novas regras europeias em 2024, que irão "reduzir a produção sob pretextos ecológicos sempre caricaturais e excessivos".  

Mobilização começou na Holanda

A "bronca" dos agricultores europeus começou em 2022 na Holanda. A decisão do governo holandês, um grande exportador de produtos agrícolas, de reduzir em 50% as emissões de nitrogênio na agricultura até 2030, para cumprir as metas da UE, causou alvoroço entre os produtores locais. Essas emissões agravam as alterações climáticas e podem prejudicar a biodiversidade.

Um partido político pró-agricultura ganhou as eleições regionais de março de 2023, levando o Estado holandês a abandonar os seus objetivos climáticos, pelo menos por algum tempo. 

A revolta se espalha

No mesmo mês, os agricultores belgas das regiões de Flandres e Bruxelas começaram a seguir os passos dos vizinhos holandeses. O primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, disse, na época, que era necessário “evitar de sobrecarregar o barco acrescentando […] novas regras” de produção.

Alemanha engrossa protestos

No início de janeiro, os agricultores alemães iniciaram protestos na sequência da decisão do governo de Olaf Scholz de retirar a redução fiscal do diesel usado na agricultura a partir de 2026. Embora o combustível fóssil seja extremamente poluente, os produtores alegam que ainda não existe um motor elétrico alternativo para equipar o maquinário agrícola. O movimento social alemão foi comparado à revolta dos "coletes amarelos” franceses de 2018.

Em 15 de janeiro deste ano, a Associação Alemã de Agricultores organizou uma grande mobilização de tratores no Portão de Brandemburgo, em Berlim. A manifestação recebeu o apoio de artesãos e caminhoneiros contrários ao aumento de impostos no setor, previsto no orçamento alemão de 2024. Na avaliação dos manifestantes, as decisões do governo alemão colocam em risco a competitividade e a existência dos agricultores, assim como das médias empresas de transporte.

Polônia e Romênia contra cereais ucranianos

Na Polônia e na Romênia, os agricultores também têm saído às ruas. Mas a causa principal não se refere à transição ecológica proposta pela UE. Os produtores romenos e poloneses têm reclamado da concorrência do trigo importado da Ucrânia.

Com a queda das exportações ucranianas de cereais, provocadas pelo bloqueio russo aos cargueiros no Mar Negro, Kiev fechou acordos com países do bloco para absorver parte de sua produção de grãos.

Conjuntura econômica difícil

Após dois anos de forte alta da inflação, gerada pela crise energética decorrente da invasão russa na Ucrânia, os agricultores também são impactados pelo aumento do custo de vida. Em março de 2023, um ano depois do início da guerra na Ucrânia, os alimentos já estavam 20% mais caros, em média, na Europa. Alguns agricultores lucraram com o aumento de preços, mas não a maioria, num meio marcado por disparidades entre as propriedades rurais.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Estatísticas da França, a produção agrícola caiu 0,8% em volume no ano passado. Ao mesmo tempo, a agência europeia Eurostat indica que os preços dos produtos agrícolas recuaram 9% no bloco, no terceiro trimestre do ano passado. 

Partidos de extrema direita na manobra política

Essa crise provocada por múltiplos fatores preocupa os líderes europeus, a cinco meses das eleições para a renovação do Parlamento Europeu. Atualmente, o plenário é composto por 705 parlamentares, mas será ampliado para 720 eurodeputados no início de junho. Os partidos de extrema direita lideram as pesquisas de intenção de voto em vários países. Os populistas são particularmente críticos das políticas climáticas de Bruxelas e tiram partido delas para apoiar os agricultores. 

Parte dos agricultores alemães tem procurado se dissociar de grupos de extrema direita que tentam infiltrar os protestos. Neonazistas, monarquistas, nacionalistas e outros extremistas de direita decidiram "apoiar" o movimento que reivindica a manutenção das subvenções e melhores condições de trabalho.

Há vários anos, o primeiro-ministro da Hungria, o ultraconservador Viktor Orbán, e os ultranacionalistas do partido Lei e Justiça, na Polônia, derrotados nas eleições de dezembro passado, criticam as regulamentações da União Europeia. A soberania nacional é uma bandeira comum entre os partidos populistas de direita na Europa. 

O instituto húngaro Mathias Corvinus Collegium (MCC), generosamente financiado pelo governo de Viktor Orbán, tem promovido em Bruxelas uma conferência intitulada “Lutar contra a guerra da União Europeia contra a agricultura”. 

Executivo europeu propõe "diálogo estratégico com agricultores"

A Comissão Europeia está consciente da ameaça e irá detalhar nesta quinta-feira (25) um "diálogo estratégico" que pretende manter com os produtores do bloco, para "garantir um nível de vida justo aos agricultores e às comunidades rurais, apoiando a agricultura dentro dos limites do planeta", disse um porta-voz do Executivo europeu, Olof Gill.

O que prevê a PAC

Em novembro de 2021, o Parlamento Europeu aprovou a nova Política Agrícola Comum (PAC) com foco em transformar a agricultura europeia para ser mais ecológica e um orçamento de € 387 bilhões até 2027. Esta soma é dividida em diferentes partes. A primeira e principal inclui € 270 bilhões destinados a subvenções diretas aos agricultores europeus. A segunda apoia o desenvolvimento rural.

Com uma atribuição de € 66,2 bilhões – mais de 18% do total pré-concedido –, a França é de longe a primeira beneficiária da PAC, seguida da Espanha (12%) e da Alemanha (11%).

"Ecorregimes" e práticas ambientais

Como o principal objetivo dessa PAC é deixar a agricultura europeia mais ecológica e sustentável, o plano introduziu os “ecorregimes”, um mecanismo que visa encorajar boas práticas ambientais e subsídios aos agricultores que participarem. Os Estados também devem dedicar pelo menos 35% do orçamento do desenvolvimento rural a iniciativas ligadas ao meio ambiente e ao clima.

Entre as práticas que podem ser recompensadas por melhores condições de financiamento estão o cultivo de orgânicos; redução do uso pesticidas, fertilizantes químicos e antimicrobianos; gestão integrada de pragas; bem-estar animal; práticas de redução de carbono; técnicas de precisão; redução do uso de água; entre outras. 

 A PAC também conta com uma parte voltada às melhorias sociais. Ao menos 10% dos subsídios devem ser redistribuídos a pequenas e médias propriedades em cada país da Europa e 3% devem ser voltados para apoiar jovens agricultores. Uma “reserva de crise” permanente de ao menos € 450 milhões também deve ser instituída em caso de instabilidade dos preços.

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