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Após novos feminicídios, Libération denuncia falhas no sistema francês de proteção das vítimas de violência

As falhas no sistema judiciário francês, que não tem conseguido proteger as mulheres vítimas de violência doméstica, são tema de uma reportagem de capa nesta quarta-feira (2) do jornal Libération. Dois feminicídios recentes, de mulheres que tinham prestado queixa na polícia contra seus companheiros violentos, foram a gota d'água para o jornal investigar as insuficiências da Polícia e da Justiça no combate a esses crimes.

Ativista carrega cartaz com os nomes de mulheres assassinadas por seus ex-maridos e ex-companheiros na França.
Ativista carrega cartaz com os nomes de mulheres assassinadas por seus ex-maridos e ex-companheiros na França. AFP
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Há um ano e meio, o governo francês promoveu um grande debate sobre a violência contra a mulher no país e anunciou uma série de medidas para evitar agressões repetitivas e mortes. Uma das garantias dadas pelas autoridades na época foi acelerar a distribuição de tornozeleiras eletrônicas para dissuadir os agressores de se aproximar de suas ex-mulheres. No entanto, o Libération constata que das 1.000 tornozeleiras eletrônicas disponibilizadas aos tribunais, apenas 78 foram atribuídas, um número irrisório diante das queixas e três anos após a aprovação desse dispositivo. 

Em 2020, 90 mulheres foram assassinadas na França por seus ex-companheiros. Mas por que a sociedade francesa falha tanto na proteção dessas vítimas, questiona o Libération. A resposta é simples, segundo o jornal: por falta de meios, de estabelecer prioridades no acompanhamento dos casos e de noção de urgência. Paradoxalmente, dez anos atrás, a França foi um dos primeiros países a assinar a Convenção de Istambul, de combate e prevenção à violência doméstica, proposta pelo Conselho da Europa. 

O diário recorda que homens que matam suas mulheres não acordam uma manhã com essa ideia na cabeça. "Eles pensam sobre isso durante anos e deixam indícios de suas intenções, por meio de ameaças, agressões físicas e declarações premonitórias: 'Eu vou te matar'", ressalta o editorial. 

Denúncias arquivadas sem investigação aprofundada

Um relatório da Inspeção-Geral de Justiça, publicado em novembro de 2019, já demonstrou como os alertas ficam muitas vezes sem resposta. Com base no estudo de 88 homicídios conjugais julgados em 2015 e 2016, este estudo demonstrou que dois terços das vítimas sofreram violência antes de serem assassinadas. Em 41% dos casos, elas chegaram a denunciar as agressões à polícia. Porém, 80% das reclamações foram arquivadas.

Para Anne-Cécile Mailfert, presidente da Fundação das Mulheres, a França ainda aborda essa questão com uma cultura de repressão, ao invés de proteção. Segundo ela, os dispositivos existentes, como o aparelho de telefone com um número de emergência que toca diretamente na delegacia, caso a mulher esteja em situação de perigo, ou a ordem judicial de proteção das denunciantes são subutilizados. A especialista também ressalta a falta de vagas de acomodação de urgência.

Com pressa em reagir, o governo anunciou a criação de um cadastro nacional de prevenção da violência doméstica, que poderia ser consultado para identificar todos os episódios de violência de um indivíduo e "melhorar a resposta da polícia e a proteção das vítimas”. O projeto é bem-vindo, mas ainda está em fase de elaboração. 

Para o Libération, está mais do que na hora de autoridades governamentais, policiais e poder Judiciário garantirem plenamente a segurança das mulheres que têm medo de seus cônjuges. "Essa abordagem requer uma resposta orçamentária adequada à escala da tragédia", insiste o jornal.

Prevenção começa na escola

É fundamental ensinar as meninas, começando no ensino médio, a reconhecer os sinais de alerta de um relacionamento abusivo. É preciso treinar policiais para considerar que as queixas apresentadas são o anúncio de um crime que será cometido. As mulheres que registram os boletins de ocorrência devem ser tratadas com respeito, e cabe à Polícia salvar essas reclamantes do que provavelmente lhes acontecerá por causa da imprudência. 

O Libération assinala que o número de abrigos, centros de ajuda e apartamentos reservados para alojar as vítimas de violência, no momento em que elas dão o sinal de alarme, é insuficiente em quase todas as regiões francesas. Na avaliação do jornal, os homens que matam suas esposas não são uma calamidade da natureza; eles são um sinal do fracasso das instituições, que deve ser combatido.

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