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Entre revolta e indiferença, vítimas dos atentados de Paris encontram algozes no tribunal

Quase seis anos depois daquela noite de terror em Paris, como encarar os acusados por promover os piores atentados terroristas já ocorridos na França? Na abertura do processo contra 20 suspeitos de participar direta ou indiretamente dos ataques, que mataram 130 pessoas em 13 de novembro de 2015, sobreviventes e familiares das vítimas viram, pela primeira vez, os algozes de perto.

Arthur Denouveaux, presidente da associação francesa Life for Paris, conversa com jornalistas em frente ao tribunal.
Arthur Denouveaux, presidente da associação francesa Life for Paris, conversa com jornalistas em frente ao tribunal. REUTERS - GONZALO FUENTES
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Uns, como Arthur Dénouveaux, sobrevivente do massacre na casa noturna Bataclan, se esforçaram para ouvir com indiferença as palavras do principal acusado, Salah Abdeslam. Ele preferiu saudar a postura firme do magistrado Jean-Louis Périès, presidente da sessão, que não deu chance para o terrorista transformar a audiência em uma palco para propaganda extremista. “A verdadeira mensagem democrática que temos de guardar hoje é essa, senão passaremos nove meses [duração prevista do processo] a comentar as frases meia-boca desses indivíduos não muito lúcidos”, disse Dénouveaux à RFI.

Na mesma linha, Dominique Kielemones, mãe de um jovem de 24 anos assassinada no restaurante La Belle Équipe, minimizou os comentários de Abdeslam, que chegou a reclamar das condições de detenção. “Perigosos ou não, nós temos direitos. Faz seis anos que somos tratados como cachorros”, declarou o acusado, pouco depois de dizer que “abandonou qualquer profissão para se tornar um combatente do Estado Islâmico”.

“Esperávamos essa reação de provocação. Não sabemos se ele pensa isso realmente, ou se ele precisa ficar nesse papel, senão todo o roteiro dele se desmorona. É a maneira dele de se manter de pé, senão os crimes viram apenas crimes, sem qualquer tipo de justificativa”, analisou Kielemones. “Não esperamos nada dessas pessoas que estão no banco dos acusados. Eles terão certamente falas diferentes, já vimos isso pelas atitudes deles. Mas do principal acusado, não esperamos nada – e não queremos esperar nada. Foi ele quem nos feriu, nos matou.”

Raiva, medo, revolta

Outros, como Patrick Jardin, cuja filha Nathalie foi morta no Bataclan, não conseguem esconder a irritação e a revolta com o que o poderá ser o resultado deste processo. “O que é ser um ‘processo digno’? Trinta anos de prisão, é digno?”, questiona-se, em referência à pena máxima prevista no Código Penal francês. “Eu estarei na prisão para o resto da minha vida”, compara.

Croquis do momento em que Salah Abdeslam se pronunciou na audiência de abertura do processo, em 8 de setembro de 2021, em Paris.
Croquis do momento em que Salah Abdeslam se pronunciou na audiência de abertura do processo, em 8 de setembro de 2021, em Paris. AFP - BENOIT PEYRUCQ

Catherine Orsenne, atingida pelas explosões no Stade de France, no ataque que iniciou a série de atentados naquela noite, compartilha esse sentimento de indignação. Abdeslam, diz ela, “falou rápido como um trovão para causar esse estrondo”, mas o que ele evocou não a surpreendeu.

“É exatamente o que se espera do personagem”, minimizou, dizendo-se satisfeita por ter visto e ouvido a voz daquele que é o único terrorista ativo a não ter se suicidado durante os atentados. Por isso, é também o que concentra o foco das atenções e do ressentimento dos sobreviventes e familiares das vítimas. Os demais acusados são suspeitos de terem dado algum tipo de apoio para os ataques, mas não empunharam armas como Abdeslam, que disparou contra restaurantes parisienses antes de abandonar o cinturão de explosivos que trazia colado ao corpo e fugir.

À emissora France 2, o sobrevivente Gaetan Honoré falou sobre a mistura de sentimentos que a audiência lhe provocou. “Fui, olhei-os no banco dos acusados, mas ao mesmo tempo isso me deu medo. Foi um sentimento muito estranho para o qual eu não estava necessariamente preparado”, afirmou.  

"É perfeito que ele seja tratado como um cachorro"

Dezenas de vítimas preferiram não comparecer ao tribunal e serem apenas representadas por advogados. É o caso de Patricia Medeiros, ex-gerente do bar Comptoir Voltaire, um dos alvos dos ataques. Na última hora, ela desistiu de encarar presencialmente os acusados. “Eu comecei a ter pesadelos e mudei de ideia. Achei que não valeria a pena voltar a sofrer por causa desses monstros”, relatou, à redação lusófona da RFI.  

Já Patricia Correia, que perdeu a filha nos atentados, demonstrou firmeza na emissora BFMTV. “Nada que esse indivíduo possa dizer vai me atingir. Eu passo por cima. O que eu quero é que a memória daqueles que sofreram seja respeitada e dure no tempo. Mas ele pode dizer o que ele quiser, isso não me interessa”, indicou. “É bom, é perfeito que ele seja tratado como um cachorro e que continue assim. Esse sujeito é como um robô que foi teleguiado à distância para fazer esse massacre. Eu tenho a sorte de não ser atingida pelo que ele diz.”

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