Demissão de premiê libanês é recado da Arábia Saudita para região
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A situação é absolutamente inédita. Um estado soberano, membro importante da comunidade internacional, obrigou um primeiro-ministro de outro estado soberano – que estava de visita – a pedir demissão do cargo, ao vivo, na televisão do país hóspede. Esse disparate foi o que aconteceu quando o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed Bin Salman, torceu o braço do primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri. Benvindos ao chamado “Oriente complicado”!
Hoje, Salman é quem manda no reino vaabita. O jovem príncipe é tão poderoso que nos últimos dias mandou prender e expropriar dezenas de outros príncipes, ministros e homens de negócio, sob pretexto de lutar contra a corrupção. Pretexto que tira do caminho potenciais rivais, todos engaiolados num hotel de luxo em Riad. Quanto à renúncia do líder libanês, ela é claramente uma iniciativa do Estado saudita.
Na leitura monocórdica de seu pedido de demissão, Saad Hariri denunciou diretamente a presença tentacular do Irã e seus aliados xiitas do Hezbollah libanês, não só no Líbano mas também no Oriente-Médio em geral, particularmente na Síria e no Iraque. Esse avanço da República islâmica iraniana na região representa um pesadelo intolerável para o regime saudita.
Regime saudita encurralado pelo inimigo
A região do Golfo sempre viveu com essa rivalidade permanente entre os dois países. Um confronto geopolítico clássico, acirrado por um velho conflito religioso: xiismo contra sunismo. Mas o tempo começou a fechar seriamente quando foi descoberto o programa nuclear iraniano.
Um Irã, dono da bomba atômica e de uma verdadeira capacidade de produzir mísseis balísticos, poderia dispor de um sério guarda-chuva estratégico. Sem medo de represálias diretas, Teerã poderia continuar tranquilamente a consolidar a sua vasta rede de apoios e sua presença militar permanente, da costa libanesa à fronteira com o Iraque. Basta utilizar a sua tropa de elite – a Guarda Revolucionária – e seus aliados regionais – os poderosos contingentes militares do Hezbollah, as milícias xiitas iraquianas e o que sobra do exército sírio de Bashar El-Assad. O regime saudita só pode é se sentir encurralado pelo inimigo de sempre.
O acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano congelou as ambições atômicas do Iran por alguns anos, sem mexer na questão dos mísseis balísticos. Só que agora chegou a hora da onça beber água. A guerra convencional contra o grupo terrorista “Estado Islâmico” está chegando ao fim.
Todo mundo está preocupado com o que vem depois. O governo de Damasco não tem condições de controlar todo o território nacional. Para sobreviver, vai continuar dependendo inteiramente da aviação russa e dos combatentes do Irã e do Hezbollah.
Estratégia iraniana para consolidar influência
Os iranianos estão aproveitando a situação para instalar um poderoso corredor militar permanente no sul da Síria, com vistas a consolidar o seu poder na região e continuar abastecendo a milícia xiita libanesa.
Uma perspectiva inaceitável para os sauditas. E não só: Israel também não está a fim de tolerar uma presença do inimigo figadal iraniano na sua fronteira norte. E já declarou que seu objetivo é acabar com a influência militar iraniana na região – o Estado judeu já bombardeou várias vezes as rotas de abastecimento do Irã para o Hezbollah, e vai perseverar.
Donald Trump declarou que não “certifica” mais o acordo nuclear e denuncia as manobras de Teerã. Um eixo informal Arábia Saudita-Israel-Estados Unidos está aparecendo contra o eixo Irã-Rússia na Síria. Criar uma grave crise política em Beirute com a demissão de Saad Hariri é jogar o Líbano na fogueira. O príncipe Salman quis dar um recado: o próximo campo de batalha entre os países sunitas do Golfo e o Irã xiita será o Líbano e o sul da Síria.
De duas uma. Ou bem a ameaça de um novo conflito, bem mais perigoso do que a luta contra Daesh, pode induzir os russos a convencer o Irã de que vai ter que voltar para a casa. Ou então, não há dúvida de que vem mais bala por aí!
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