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Disputa pelo poder transforma Sudão em campo de batalha; pelo menos 97 pessoas morreram em Cartum

Os combates continuam entre as forças armadas sudanesas lideradas por Abdel Fattah al-Burhan e um grupo de paramilitares. Intensos combates sacudiram Cartum, a capital do Sudão, neste domingo (16), no segundo dia de confrontos entre o exército e um grupo de paramilitares, que deixaram ao menos 97 mortos, incluindo três trabalhadores humanitários da ONU.

Fumaça sobe de um bairro central de Cartum, no domingo (16). Dezenas de pessoas já morreram nos confrontos sangrentos.
Fumaça sobe de um bairro central de Cartum, no domingo (16). Dezenas de pessoas já morreram nos confrontos sangrentos. AP - Marwan Ali
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Com o enviado especial a Cartum, Eliott Brachet, e agências

Em Cartum, o conflito se transformou em guerrilha urbana. Apesar dos apelos à desescalada da violência que se intensificam no exterior, os dois campos continuam a guerra fratricida que deixou pelo menos 97 mortos, segundo um relatório divulgado na manhã desta segunda-feira (17) por um coletivo de médicos. Sem água nem eletricidade em alguns bairros, civis vivem no meio do fogo cruzado.

A disputa de poder entre os dois generais que protagonizaram o golpe de Estado de 2021 - o comandante do Exército, Abdel Fatah al-Burhan, e o chefe das Forças de Apoio Rápido (FAR), general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como "Hemedti" - geraram alerta internacional e levaram os vizinhos Chade e Egito a fecharem as fronteiras.

As trocas de tiros eram contínuas na cidade nesta segunda-feira, apesar do anúncio de uma trégua humanitária de 3 horas para permitir que deixassem as zonas de combate. Em meio ao caos, alguns moradores se aventuraram nas ruas para se abastecer nos poucos estabelecimentos ainda abertos.

No interior das lojas, as pessoas se acotovelam. Algumas, como Kamal, estão sem comida há dois dias: “Isso ultrapassa tudo o que eu poderia imaginar. Estou em choque. Se as duas partes não negociarem, o país vai se fragmentar. Infelizmente, esperávamos isso.

Apesar do risco de balas perdidas, os homens da cidade estenderam um tapete no chão para compartilhar o iftar, a quebra do jejum neste mês sagrado do Ramadã. É uma guerra entre dois exércitos, mas são os cidadãos que derramam seu sangue. Não está claro quem vencerá, ambas as forças são fortes, mas os civis se encontram no meio do fogo cruzado. São dias difíceis, não sabemos o que o amanhã trará”, diz outro morador.

Explosões ensurdecedoras e intensas trocas de tiros no domingo sacudiram edifícios nos subúrbios norte e sul de Cartum, densamento povoados, relataram testemunhas.

Os combates prosseguiram pela madrugada, enquanto os sudaneses se refugiavam em suas casas, temendo um conflito prolongado que poderia mergulhar o Sudão em um caos mais profundo, frustrando as expectativas de uma transição para uma democracia chefiada por civis.

Conflito esperado

Enquanto os médicos contam os feridos às centenas desde o início dos confrontos, no sábado a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que "vários dos nove hospitais em Cartum, que recebem civis feridos, ficaram sem sangue, equipamentos de transfusão, fluidos intravenosos e outros suprimentos vitais".

O Programa Mundial de Alimentos (PMA), subordinado às Nações Unidas, informou que após as mortes de três de seus funcionários, vai suspender suas operações no país africano.

O conflito se desenhava há semanas, impedindo um acordo político em um dos países mais pobres do mundo. Desde a revolta popular que depôs Omar al-Bashir, em 2019, o Sudão tenta realizar suas primeiras eleições livres após 30 anos de ditadura.

Durante o golpe de Estado que pôs fim à transição democrática, em outubro de 2021, o chefe do Exército, Abdel Fatah al Burhan, e o líder das FAR, general Mohamed Hamdan Daglo, juntaram forças para expulsar os civis do poder.

Mas a rivalidade entre os dois generais levou à violência no sábado.

As FAR, comandadas por Daglo, dizem ter ocupado o aeroporto internacional de Cartum, o palácio presidencial e outros locais estratégicos, mas o exército garante que continua controlando ambos.

Também há confrontos na região oeste de Darfur e no estado fronteiriço de Kassala (leste).

A ONU diz que seus funcionários do PMA morreram no sábado em confrontos no norte de Darfur. Após sua morte e a de outros civis, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu "justiça sem demora".

Segundo as Nações Unidas, um terço da população do Sudão precisa de ajuda humanitária.

Guerra fraticida

Criadas em 2013, as FAR surgiram da milícia Janjawid, que o então presidente Omar al-Bashir havia criado contra as milícias étnicas não árabes em Darfur uma década antes, gerando acusações de crimes de guerra.

A integração planejada das FAR no exército regular foi um elemento-chave dos diálogos para concluir um acordo que se esperava que restaurasse a transição civil do Sudão e pusesse um fim à crise político-econômica provocada pelo golpe militar de 2021 de al-Burhan e Daglo.

Os apelos para pôr fim aos combates vieram de toda a região e do mundo, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, China, União Europeia e Rússia, enquanto o papa Francisco pediu a retomada do diálogo.

Após uma reunião sobre o Sudão, a União Europeia disse que um alto funcionário viajará "imediatamente" ao país para orientar ambas as partes no sentido de um cessar-fogo, enquanto a Liga Árabe celebrou uma reunião de emergência no Cairo.

Por enquanto, porém, nenhum dos dois generais parece disposto a conversar, chamando um ao outro de criminoso.

Al-Burhan, um soldado que ascendeu na carreira durante o governo do agora preso general islamita al-Bashir, assegurou que o golpe de 2021 foi "necessário" para incluir mais facções na política.

Daglo, por sua vez, qualificou o golpe de um "erro" porque não conseguiu produzir mudanças e reativou alguns elementos do regime de al-Bashir, deposto pelo exército, em 2019, após protestos maciços.

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