Vantagem da oposição sobre militares em eleições na Tailândia não garante passagem à democracia
A população da Tailândia acorda nesta segunda-feira (15) com a possibilidade de ver o fim da era dos generais que dominam o país há quase uma década, mas o caminho para a oposição pró-democracia ainda é incerto. Os resultados preliminares das eleições parlamentares do domingo (14) deram vantagem ao partido progressista Move Forward, que se encontra em uma posição de força para formar a próxima coalizão governamental. Mas especialistas ouvidos pela RFI dizem que nada está garantido.
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Essas são as primeiras eleições após grandes manifestações pró-democracia no país. Foram convocadas após dissolução da Assembleia, em março. Contudo, o resultado das urnas não é garantia de alternância de poder na Tailândia, na opinião de Cristine Cabasset, doutora em geografia e pesquisadora do Centro Ásia do Sudeste. "A história política contemporânea da Tailândia é pontilhada de intervenções militares e judiciais, deixando uma constante ameaça de instabilidade", explica. "A grande questão dessas eleições é se elas vão ser um sinal de avanço democrático ou não", completa.
Segundo todas as pesquisas, os partidos de oposição podem ganhar. "Podemos pensar que se o partido da oposição ganhar, ele assume o poder. Pois bem, na Tailândia não é bem assim. Em 2019, a oposição chegou na frente, mas quem assumiu o governo foi uma aliança governamental conservadora", observa a pesquisadora.
Novas alianças
O líder do partido Move Forward, Pita Limjaroenrat, afirmou nesta segunda-feira que estava trabalhando em torno de uma aliança de seis partidos, que incluía a outra força da oposição, Pheu Thai, que ficou em segundo lugar na votação. Dessa forma, ele pretende contar com uma base de 309 deputados, dos 500 da Câmara, o que pode ainda não ser suficiente.
As regras eleitorais, elaboradas pelo Exército em benefício próprio, obrigam a oposição a obter uma ampla maioria para eleger o primeiro-ministro. Mais precisamente, serão necessários 376 deputados, para contrabalançar o voto dos 250 senadores indicados pelos generais, a quem eles são considerados leais.
O partido Move Forward precisa, então, expandir sua coalizão. Um acordo com um partido do antigo governo pró-Exército, como Bhumjaithai (71 lugares) do ministro da Saúde Anutin Charnvirakul, aberto a todas as propostas, poderia evitar esse impasse. Pita Limjaroenrat também corre o risco de um confronto com o Pheu Thai.
O Exército pode permanecer no poder?
O apoio de 250 senadores dá ao Exército uma chance de se manter no poder, por meio de um governo minoritário. Os principais protagonistas do governo anterior, Bhumjaithai, Palang Pracharat e o partido United Thai Nation (UTN) só precisam de 126 deputados para nomear um primeiro-ministro.
Um governo minoritário, exposto a moções de censura no Parlamento, ou à ira das ruas, seria um "resultado estranho", acredita Greg Raymond, professor da Australian National University, especialista em Sudeste Asiático.
"Não se sabe se caso percam os militares passarão o poder. Essa é a grande questão", reforça Cristine Cabasset. "Contudo, o comandante do Exército declarou que queria banir a palavra golpe do vocabulário", acrescenta. "Os últimos 20 anos, entretanto, mostram que a democracia não está garantida, pois o Exército e os monarquistas nunca deixaram o poder".
A maioria dos observadores, contudo, descarta a hipótese de um novo golpe militar, em um país que já experimentou uma dezena deles, desde 1932. "Acho que seria a última opção", diz Titipol Phakdeewanich, analista político da Universidade de Ubon Ratchathani.
"Uma década perdida"
Nesta segunda-feira, o líder do partido Move Forward se apresentou aos repórteres como futuro governante: "Eu sou Pita Limjaroenrat, o próximo primeiro-ministro da Tailândia", disse.
O avanço histórico de seu partido, que se tornou a primeira força política do reino, o coloca na frente. Formado em Harvard, Pita fez campanha denunciando uma "década perdida" sob o comando dos generais.
Seu discurso questiona o alinhamento entre a monarquia, o Exército e certos círculos empresariais, com promessas de abertura do mercado e reforma da legislação quanto ao crime de lesa-majestade, que é o crime de traição contra o rei. Porém, suas posições consideradas radicais podem criar atritos com as elites militar e monarquistas que detêm influência nas instituições.
Pita continua sob ameaça de desclassificação, sendo acusado de deter ações de uma empresa de comunicação durante a campanha, o que é proibido pelo código eleitoral. O candidato nega irregularidades.
O mesmo cenário levou ao afastamento da vida política do carismático adversário Thanathorn Juangroongruangkit, e à dissolução em 2020 do partido “Future Forward”, o antepassado do Move Forward.
Essas acusações são um trunfo na manga dos militares, mas segundo observadores internacionais elas poderiam provocar grandes manifestações em Bangkok.
Os tribunais tailandeses já contribuíram para o afastamento de dois chefes de governo e a dissolução de vários partidos ligados ao ex-primeiro-ministro no exílio, Thaksin Shinawatra.
(Com informações da RFI e da AFP)
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