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Índia: Sobrecarregados após desastre de trens, médicos têm que decidir entre ‘quem vive e quem morre’

O Hospital Estadual de Balasore, o mais próximo ao local do pior desastre ferroviário da Índia em décadas, ocorrido na noite de sexta-feira (2), foi palco de duras decisões por parte da equipe médica, que se viu obrigada a decidir “quem iria viver ou quem iria morrer” entre as vítimas que socorreram. Governo considera a possibilidade de sabotagem entre as possíveis causas do acidente.

Equipes de resgate trabalham no local onde trens de passageiros descarrilaram no distrito de Balasore, no estado de Odisha, no leste da Índia, em 2 de junho de 2023.
Equipes de resgate trabalham no local onde trens de passageiros descarrilaram no distrito de Balasore, no estado de Odisha, no leste da Índia, em 2 de junho de 2023. © Press Trust of India via AP
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Sébastien Farcis, correspondente da RFI em Nova Delhi

A cada minuto, uma sirene de ambulância anunciava a chegada de um novo grupo de pessoas gravemente feridas ao Fakir Mohan Medical College and Hospital, no estado de Odisha, no leste do país. Os médicos tiveram de fazer diagnósticos com urgência, reduzidos à dura escolha de tentar salvar alguns feridos e de renunciar a atender outros.

Era "uma situação de guerra, com um fluxo incessante", conta à AFP o médico Sibanand Ratha, três dias após a tragédia. "Todos os pacientes tiveram traumas graves, com ferimentos na cabeça, membros amputados, lesões no peito e dificuldades respiratórias", descreve o médico de 35 anos. Salvar vidas, claro, sempre é a prioridade, "mas havia muita pressa [em tomar decisões e agir]", ele lamenta.

As equipes "tiveram que decidir a quem dar a maior prioridade", admite o médico, o que significa aqueles que tinham a maior chance de sobrevivência. "Não devemos dizer isso, mas, como médicos, sabemos quando um paciente não vai sobreviver", admite.

"Ambulâncias não paravam de chegar"

A sexta-feira corria normalmente até que toda a equipe médica recebeu uma mensagem sendo requisitada, convocando até mesmo pessoas de licença, para irem imediatamente ao hospital. O médico já sabia que se tratava de um acidente de trem, mas não esperava esta magnitude. "Não podia imaginar”, disse ele, que "trabalhou incansavelmente enquanto a noite se transformava em madrugada e depois no dia seguinte também".

As equipes médicas atenderam "de 400 a 500 pessoas" na noite de sexta-feira, estima. "Ainda que não tenhamos contado, as ambulâncias não paravam de chegar".

 

Corpos das vítimas do acidente de trem em Balasore, na Índia, em 3 de junho de 2023.
Corpos das vítimas do acidente de trem em Balasore, na Índia, em 3 de junho de 2023. © DIBYANGSHU SARKAR / AFP

"Estabilizávamos os pacientes e os encaminhávamos para os cuidados intensivos. Os casos menos críticos eram transferidos para a ortopedia", descreve. "Qualquer pessoa com lesões na cabeça ou no peito era encaminhada para cirurgia".

As doações de sangue de cidadãos que se organizaram em plena madrugada "foram uma ajuda importantíssima", continua o médico, assim como o serviço de abastecimento que trabalhou durante toda a noite para garantir que todos os medicamentos necessários estivessem disponíveis.

"Ainda estou procurando o terceiro corpo"

A equipe médica local continua trabalhando em horas extras desde a colisão e ainda levará mais alguns dias para que a situação se estabilize.

Pelo menos 275 pessoas morreram no acidente, e dos 1.175 feridos, 382 ainda estavam sendo tratados em diversos hospitais da região nesta segunda-feira (5). Aqueles em estado crítico foram transferidos para hospitais maiores e mais bem equipados na capital do estado, Bhubaneswar, mas muitos seguem internados no hospital de Balasore.

Nesta segunda-feira, o hospital ainda se encontrava repleto tanto de sobreviventes quanto de parentes em busca de seus familiares ainda não localizados.

Anil Marandi, 29, vindo do estado de Jharkhand, mostra aos funcionários do hospital fotos de seu irmão, seu cunhado e de um amigo, que viajavam em um dos trens. "Eu só encontrei dois corpos até agora", diz ele em lágrimas. "Ainda estou procurando o terceiro."

Sabotagem

Após a tragédia, autoridades defendem que um erro de sinalização e comutação, conduzindo o primeiro trem de passageiros para uma via secundária onde estava parado um trem de mercadorias, teria sido a causa do acidente. Uma investigação criminal, no entanto, foi aberta, uma vez que a possibilidade de uma sabotagem também é considerada.

Para o governo, o sistema de encaminhamento eletrônico é muito confiável e incorpora diversas camadas de segurança que reduzem o risco de incidentes. O erro de comutação da noite de sexta-feira, seria então incompreensível.

Com isso, o ministro do Sistema Ferroviário considera a possibilidade de intervenção humana e cogita duas versões: em uma primeira, operários que trabalhavam em uma obra que ocorria no local horas antes do acidente podem ter, acidentalmente, danificado algum cabo, por exemplo.

Uma segunda versão, bem mais preocupante, considera a possibilidade de sabotagem do sistema eletrônico. Uma operação que exigiria grande conhecimento dos sistemas informatizados.

Governo procura culpados

Para a oposição, estas versões denunciariam a intenção do governo de encontrar culpados em vez de reconhecer suas responsabilidades. Inclusive porque um problema semelhante de sinalização e comutação já havia sido relatado em fevereiro passado e quase causou outro acidente grave.

"Falhas simplesmente operacionais não são incomuns nas ferrovias indianas", afirma à AFP Subodh Jain, ex-funcionário sênior da ferrovia.

(Com informações da AFP)

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