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Talibã no poder: "Me sinto numa prisão e meu crime é ser mulher", afirma ativista afegã

A retomada do poder pelos talibãs no Afeganistão, em 15 de agosto de 2021, privou as mulheres do direito básico à educação. Khatera Amine, ativista em Cabul, não pode mais estudar e, por isso, criou uma escola clandestina para meninas nas áreas rurais do país. Em entrevista à RFI, ela afirma continuar lutando por seus direitos e pelo das afegãs.

Desde a volta dos talibãs ao poder, as mulheres foram proibidas de frequentar escolas e universidades. Na foto, uma afegã tece um tapete tradicional em Cabul, em 06 de março de 2023.
Desde a volta dos talibãs ao poder, as mulheres foram proibidas de frequentar escolas e universidades. Na foto, uma afegã tece um tapete tradicional em Cabul, em 06 de março de 2023. © Ebrahim Noroozi / AP
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Khatera Amine descreve a data de retomada do poder pelos talibãs como um dia negro para todas as mulheres, que foram banidas das escolas, das universidades, dos salões de beleza e, desde então, estão proibidas de trabalhar.

“Estamos proibidas de tudo. Minha vida realmente mudou quando o Talibã voltou ao poder, porque como líder, eu tinha grandes sonhos para minha sociedade, tinha muitos projetos para mudar a situação das mulheres afegãs, sempre lutei pela liberdade e igualdade. Todos nós queremos experimentar uma sociedade verdadeiramente democrática. Portanto, é muito difícil para mim não participar de atividades políticas, ver e observar como as mulheres são tratadas. É muito difícil que o regime atual me diga o que fazer e o que vestir. Não temos direitos, porque o Talibã sempre tratou as mulheres afegãs como cidadãs de segunda classe, sendo nosso crime ser mulher. Eu me sinto numa prisão e alguém veio me dizer que eu estava sendo punida por ser mulher”.

Amine conta que hoje passa o tempo todo em casa e não participa de atividades pelo futuro do país. Segundo ela, os problemas de saúde mental são bastante comuns entre as mulheres.

"Testemunhei o fato de que algumas pessoas cometeram suicídio porque perderam toda a esperança e sentiram que não tinham outra escolha. Muitas mulheres acham que não podem mais viver numa sociedade onde são banidas de tudo, literalmente não podem mais fazer nada. O regime vigente nos diz o que fazer e como fazer, para onde ir, com quem, a que distância, quanto tempo podemos ficar em algum lugar e quando casar. O atual regime interfere em todas as atividades das mulheres afegãs", detalhou.

Juventude afegã

A ativista afirma que a juventude do país está desapontada. “Como jovem líder, quando visito mulheres em diferentes partes do Afeganistão, vejo que não há esperança entre elas, nem entre as meninas, nem mesmo entre as crianças. Porque entendem e aceitam que o atual regime não permite que todas as mulheres se envolvam na vida pública ou participem de atividades civis e atuem como seres humanos e como afegãs em sua própria sociedade”, afirmou.

Mas quando perguntada se vale continuar lutando por direitos, Amine afirma que é dever de todos, como defensores dos direitos humanos e dos direitos das mulheres, proteger as mulheres que sofrem. “Faço campanha pelos direitos humanos e pelos direitos das mulheres porque queremos um Afeganistão livre, queremos uma sociedade livre, onde façamos nossas próprias escolhas. O sonho de toda mulher no Afeganistão é ser livre e viver livre sem quaisquer restrições impostas pelo governo, grupos armados ou suas famílias. Nós queremos paz”.

A ativista ainda se disse feliz por poder fazer algo pelas mulheres do país. “Pelo menos agora posso fazer algo pelas meninas no Afeganistão. Ainda tenho esperança, há pessoas que nos ouvem e que podem compreender o nosso sofrimento. Tudo o que peço é ouvir as mulheres afegãs: mostre sua solidariedade às mulheres afegãs, mostre sabedoria às mulheres afegãs, precisamos do seu apoio”, pediu.

Para especialista, balanço dos últimos dois anos é mais que negativo

A professora emérita da Universidade Livre de Bruxelas, especialista em Sudoeste Asiático e autora do livro “Afeganistão”, Firouzeh Nahavandi, conversou com a RFI sobre a situação no país. “Do ponto de vista econômico, a situação é absolutamente catastrófica, com dois terços da população sofrendo com problemas relacionados à pobreza, como a desnutrição. Já os direitos humanos foram totalmente desprezados, o que afeta especialmente as mulheres. A liberdade de expressão não existe mais e muitos jornalistas foram presos e impedidos de trabalhar, e a promessa de controlar o terrorismo, que era a base do acordo com os americanos, não foi cumprido. Todos os dias há mortes no Afeganistão”, afirmou a acadêmica.

Perguntada sobre a situação das mulheres, Nahavandi afirma que elas deveriam receber mais apoio, especialmente internacional, mas que a única solução para elas é fugir do país, “o que também é muito difícil porque elas não podem viajar desacompanhadas. Lembrando que quase 4% da população partiu do Afeganistão e a maioria está em países vizinhos como o Irã e o Paquistão”.

Pobreza extrema

Dois anos após a retomada do poder pelos talibãs, a já precária economia do Afeganistão se deteriorou ainda mais. Com um produto interno bruto per capita anual de 368 dólares (cerca de R$ 1.800), segundo dados do Banco Mundial, o Afeganistão é um dos países mais pobres do mundo. Em sua tentativa de manter as finanças do país funcionando, o governo Talibã pede ao Banco Mundial que retome projetos inacabados no país, já que dois terços da população lutam para atender às suas necessidades mais básicas.

Firouzeh Nahavandi lembra que 85% dos afegãos estão em situação de pobreza, mas acredita ser difícil a retomada do apoio financeiro internacional.

“O país vai muito mal com o fim das ajudas internacionais, que foram paralisadas especialmente porque a comunidade internacional não reconhece o regime Talibã. Os afegãos têm dificuldade para sobreviver, mas o grande problema da ONU é oferecer ajuda humanitária a um país que não respeita nada. O dilema é que a partir do momento em que a organização começa a prestar ajuda, acaba sendo uma espécie de reconhecimento do regime Talibã, que, por outro lado, pode confiscar esse dinheiro para uso próprio”, destacou.

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