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Brasil-África

Professor de cinema brasileiro no Egito recomenda filmes palestinos para entender conflito entre Israel e Hamas

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Com o início da guerra na Faixa de Gaza, alunos de cinema da Universidade Americana no Cairo, no Egito, organizaram uma mostra de filmes que podem ajudar a compreender a complexa relação entre autoridades israelenses e palestinas. A exibição é semanal.

Auditório quase lotado para ver o filme "O que Resta do Tempo", dirigido por Elia Suleiman.
Auditório quase lotado para ver o filme O que Resta do Tempo © Divulgação
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Vinícius Assis, correspondente da RFI no Egito

No chuvoso fim de tarde do último domingo (19), quase todos os 60 lugares do auditório da Universidade Americana no Cairo foram ocupados por quem quis ver “O que Resta do Tempo”, do consagrado diretor palestino Elia Suleiman.

O filme, aliás, também começa com uma cena chuvosa, onde o cineasta, que é personagem da obra, encara uma tempestade de raios. Lançado em 2009, este trabalho foi baseado em cartas dos pais do cineasta e retrata momentos importantes da vida da família de Suleiman e do povo palestino.

brasileiro Rodrigo Brum, professor de cinema
O brasileiro Rodrigo Brum, professor de cinema da Universidade Americana no Cairo. © Divulgação

Os alunos são orientados pelo brasileiro Rodrigo Brum, professor de cinema da universidade. Ele acredita na função educacional da sétima arte, o que considera uma ferramenta eficaz para contar histórias e estimular reflexões.

Durante a entrevista, Rodrigo recomendou filmes palestinos, alegando que são fundamentais para uma compreensão mais profunda da cultura e da realidade palestinas, assim como do momento atual. Segundo ele, o mundo “assiste em tempo real, sem necessariamente entender, por exemplo, porque dois milhões de pessoas vivem encarceradas na Faixa de Gaza, sem direito a passaporte, a visitar familiares na Cisjordânia”.

Além de "O que Resta do Tempo", o brasileiro também recomendou os filmes "Canada Park", da diretora Razan Alsalah, "Ghost Hunting", dirigido por Raed Andoni, e "Home Movies Gaza", da cineasta Basma Alsharif. “Acho que podem oferecer aos estudantes e professores de cinema um panorama muito mais complexo, não só das razões históricas do massacre que a gente está presenciando, mas também um panorama de um cinema altamente criativo, politizado feito por cineastas palestinos em Gaza, na Cisjordânia ou na diáspora”, disse.

Escolha dos filmes da mostra

Os filmes da mostra são escolhidos pelos alunos e apresentados ao professor. Nem todos foram feitos, necessariamente, por algum cineasta palestino. Recentemente os estudantes quiseram exibir "Aqui e em Qualquer Lugar", documentário de 1976 que tem o francês Jean-Luc Godard como um dos diretores.

Mas todos os filmes selecionados pelos estudantes nesta mostra lidam com a questão do povo palestino. “Eles têm toda a independência para decidir os filmes que vão exibir a cada semana. O que a gente faz é auxiliar. Às vezes eles têm uma dúvida ou querem uma sugestão e a gente está em contato com eles, mas a ideia, e foi uma decisão deles, é que, enquanto continuar o conflito, os filmes exibidos vão ter, de alguma forma, um diálogo com a questão Palestina”, destacou Rodrigo.

Tentando encontrar a melhor maneira de explorar as razões e os elementos trágicos do conflito, depois das exibições os participantes organizam discussões sobre os filmes. O brasileiro ressalta que às vezes essas conversas duram mais do que o tempo das obras exibidas e também são sobre a linguagem dos filmes e como o que foi exibido tocou cada um no auditório.

Plataforma para jovens cineastas

Nascido em Petrópolis (RJ), o brasileiro é formado em filosofia. Depois de um mestrado em Cinema, Vídeo, Novas Mídias e Animação em Chicago, nos Estados Unidos, ele veio para o Egito em 2018. Estava em Cabo Verde gravando um documentário quando recebeu o convite de uma amiga - com quem estudou nos Estados Unidos - para gravar um filme com ela no país árabe. Mas “complicações, em termos de execução”, inviabilizaram a produção.

Rodrigo continuou vivendo no Egito, onde hoje é professor e também tem uma produtora que se propõe a ajudar novos cineastas. “Na verdade é uma ‘ação entre amigos’, que funciona como uma espécie de plataforma para jovens cineastas e cineastas emergentes encontrarem as melhores condições de concluírem seus primeiros projetos, suas primeiras obras audiovisuais” disse.

O brasileiro já terminou o período de filmagens do documentário que foi fazer em Cabo Verde, um dos nove países onde também se fala português no planeta. Agora ele trabalha na montagem e edição do material, mas conciliando com outras atividades que desenvolve atualmente.

O filme é sobre um vilarejo supostamente abandonado no meio da Serra da Malagueta, na Ilha de Santiago, uma das 10 que formam o arquipélago de Cabo Verde. Segundo Rodrigo, duas pessoas seguem vivendo lá. O brasileiro foi várias vezes ao local gravar com os habitantes a realidade do vilarejo, que no filme tem um paralelo com outras duas histórias. Uma é a de um barco que fazia a conexão entre as ilhas e foi desmantelado, e a outra é sobre um professor que está tentando ensinar um livro, o, talvez, romance mais importante da literatura cabo-verdiana chamado "Chiquinho". “Imagino que em dois ou três anos, no máximo, o filme seja lançado”, disse.

Olhar ao continente africano

Rodrigo afirma que, “inclusive por razões históricas”, profissionais do cinema brasileiro deveriam olhar para o continente africano. De acordo com ele, o movimento chamado de "Terceiro Cinema", que emergiu nos anos 1960, com a ideia de se opor ao "primeiro cinema" - que seria Hollywood - e ao "segundo cinema" - que seria o cinema europeu - era uma ação transnacional de colaboração entre agentes da Ásia, da África e da América do Sul. “Infelizmente, isso se perdeu um pouco com o tempo”, lembra.

Rodrigo diz estar muito seguro de que a África tem muito mais relação com o tipo de cinema que se faz no Brasil e com questões enfrentadas no país do que o cinema norte-americano, por exemplo. “Seria muito importante que produtores brasileiros ou as próprias agências de fomento do Brasil tivessem um olhar especial para o continente africano porque eu acho que, por razões históricas, e também por afinidades de narrativa, teria muito espaço para colaboração”, afirmou.

Para ele é muito difícil falar de um cinema africano. “A África é um continente com países que têm suas especificidades de produção”, lembrou, destacando a Nigéria, a África do Sul e o Egito, que é um importantíssimo polo de produção cinematográfica do mundo árabe. “Países com realidades de produção muito distintas, mas que também têm muitas afinidades com o tipo de produção cinematográfica que a gente tem no continente sul-americano”, lembrou.

As limitações financeiras e técnicas eventualmente acabam aproximando profissionais desta área dos dois lados do Atlântico, principalmente em se tratando de jovens cineastas ou aqueles que estão fora dos grandes centros de produção. “Acho que existe uma afinidade muito grande e uma colaboração entre esses países seria fundamental, inclusive para redefinir padrões estéticos e de produção do cinema global”, concluiu.

O brasileiro lembra que “cinema também serve para gerar empatia, entendimento, reencontrar narrativas marginalizadas”, e a sétima arte não perde sua importância em tempos atuais. Ele lembra do diretor senegalês Ousmane Sembène, para quem o cinema é uma escola noturna. “Eu acredito que no escuro, diante de uma tela, seja de computador, em uma sala de cinema, o espectador acaba entrando em contato com realidades e pensamentos que eram, até então, impensáveis para ele”, finalizou.


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