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Brasil-Mundo

Coproduzido por Txai Suruí, "O Território" leva luta dos uru-eu-wau-wau aos cinemas americanos

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Às vezes tão perto e outras tão longe: é assim que podemos sentir as dores da Amazônia. Mas quando as mazelas enfrentadas por um povo como o uru-eu-wau-wau são escancaradas no telão, é impossível não compartilhar a angústia das populações indígenas ameaçadas.

"O Território" é sobre a luta pela sobrevivência, mas acima de tudo sobre a coragem da comunidade - que vive diante de ameaças e mortes - e as maneiras encontradas para proteger a floresta tropical.
"O Território" é sobre a luta pela sobrevivência, mas acima de tudo sobre a coragem da comunidade - que vive diante de ameaças e mortes - e as maneiras encontradas para proteger a floresta tropical. © National Geographic Documentary Films e O2 Play
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Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles.

O documentário "O Território", que entrou em cartaz nos Estados Unidos na última sexta (19) e chega aos cinemas brasileiros no dia 8 de setembro, leva o espectador a esse pedacinho de terra onde o povo indígena agoniza – cercado de fazendas – e trava uma luta incansável contra queimadas, exploração e desmatamento feitos por posseiros, grileiros, garimpeiros, colonos e tantos outros invasores de terras protegidas na Amazônia brasileira. O filme ganhou o Prêmio do Público e o Prêmio Especial do Júri no Festival Sundance de Cinema de 2022.

Dirigido pelo americano Alex Pritz, o filme foi coproduzido pelos uru-eu-wau-wau. São eles quem contam a própria história e assumem o controle da narrativa, em muitos momentos com o equipamento nas próprias mãos. Alex Pritz lembra que leu reportagens sobre Neidinha Bandeira, o que o inspirou a querer saber mais sobre a luta da ativista para preservar o que é da comunidade.

O resultado foram três anos de filmagens. Alex foi oito vezes ao Brasil neste período para registrar de perto a luta de Neidinha e do povo, e ficou na Amazônia por meses a fio.

Cenas do documentário o Território
Cenas do documentário o Território © National Geographic Documentary Films e O2 Play

"O tipo de documentário que eu gosto de fazer são os que revelam o que está acontecendo no momento, sem roteiro, simplesmente mostrando o que ocorre quando estamos lá. Um filme feito no presente, não para contar para a audiência o que houve na semana passada, mas mostrar o que estamos presenciando. Não dá para colocar isso em um roteiro; somente estando lá e captando o que está acontecendo", conta Pritz.

Nas cenas, o documentário revela que na esperança de buscar justiça, a comunidade também se arrisca para montar sua própria equipe de mídia capturando com drones e câmeras ações ilegais na floresta.
Nas cenas, o documentário revela que na esperança de buscar justiça, a comunidade também se arrisca para montar sua própria equipe de mídia capturando com drones e câmeras ações ilegais na floresta. © National Geographic Documentary Films e O2 Play

O filme começa na primeira visita do diretor à Amazônia, em 2018, logo após as eleições presidenciais que elegeram Jair Bolsonaro, um momento que o cineasta sabia que poderia ser impactante para a comunidade em termos de falta de assistência ao povo e de apoio a invasores.

A trama real

O documentário mostra de perto as disputas e tensões entre indígenas e brancos: de um lado estão a ativista Neidinha Bandeira, o jovem líder Bitaté e os poucos indígenas que restaram na comunidade (hoje são cerca de 200); e, do outro, os invasores, que no filme também explicam seus pontos de vista.

Gabriel Ushida, fotógrafo brasileiro vive na Amazônia há seis anos, foi um dos produtores locais. "A gente queria ouvir todos os lados possíveis. Mais do que um ou dois lados, a gente queria ouvir todos os envolvido na história para entender, para aprender. Estando perto da Neidinha e dos uru-eu-wau-wau, a cada momento, acontece uma coisa, toda semana uma guerra", relata conta Gabriel Ushida. "A gente lembra quando o Bolsonaro tomou posse, a gente estava numa aldeia e poucos dias depois já houve uma invasão imensa com centenas de pessoas em uma aldeia uru-eu-wau-wau. São várias urgências. Toda semana tem uma urgência."

"O Território" é sobre a luta pela sobrevivência, mas acima de tudo sobre a coragem da comunidade – que vive diante de ameaças e mortes – e as maneiras encontradas para proteger a floresta tropical.

"A gente só tinha que estar pronto para filmar e para correr de um lado para o outro. A gente queria respeitar esse momento, a vida, o processo de cada. Por isso, a gente usava uma equipe muito pequena: às vezes, eram apenas duas pessoas na equipe acompanhando, porque a gente queria interferir o mínimo possível e ser muito observacional", frisa. 

O documentário revela que, na esperança de buscar justiça, a comunidade também se arrisca para montar sua própria equipe de mídia, capturando com drones e câmeras ações ilegais na floresta.

Estreia na produção executiva

O cineasta indicado ao Oscar Darren Aronofsky ("Cisne Negro") é um dos hollywoodianos de renome que assinam a produção. Mas quem conhece de perto a luta é Txai Suruí, filha de Neidinha e que ficou mundialmente conhecida quando participou da abertura da COP 26, em Glasgow. Ela é a produtora-executiva do documentário, esteve em Los Angeles para a estreia em circuito americano, e leva a voz da aldeia também para o mundo.

Estreia em Los Angeles
Estreia em Los Angeles © Cleide Klock

"A gente quer que o filme seja um instrumento de transformação e de mudança, não só no Brasil mas no mundo inteiro. A gente está usando o filme para abrir diálogos com outros governos, por exemplo, sobre supply chain (cadeia de abastecimento), estamos falando sobre as leis que estão sendo discutidas aqui no Estados Unidos sobre as mudanças climáticas, leis que estão sendo discutidas na União Europeia sobre desmatamento zero", contextualiza a jovem, à RFI.

"O filme é mais do que contar a nossa história: é um instrumento de movimentação, de ação. Qualquer um que a gente chega e pergunta: 'você sabe que a Amazônia está sendo desmatada?', a pessoa fala 'sim, eu sei'. Mas ela realmente não tem noção do que está acontecendo lá ou então ela não tem noção do papel dela, o que ela pode fazer em relação a isso", afirmou. "O filme para mim não acabou, está apenas começando", disse Txai.

Txai
Txai © Cleide Klock

A produtora-executiva também compartilhou com a RFI como tem sido esses últimos quatro anos para o povo uru-eu-wau-wau. Ela ressalta que o Brasil "nunca foi um país bom" para os povos indígenas, mas os estragos chegaram a níveis inéditos sob o governo Bolsonaro. 

"Ele não só se omite: ele incentiva a invasão dos nossos territórios. E Bolsonaro nunca mentiu. Antes mesmo de ser eleito, falou que não iria demarcar um centímetro de terra para indígena ou quilombola – isso está no filme também", aponta Txai. "O que a gente viu durante esses quatro anos foi o enfraquecimento das nossas leis ambientais, enfraquecimento dos nossos órgãos ambientais, de fiscalização, do Ibama, do ICMBio, da Funai. O que a gente viu foi mais do que a omissão, mas um incentivo à ilegalidade, um incentivo para destruir a Amazônia, um ataque inclusive por via do Legislativo para colocar a mineração dentro dos nossos territórios, para diminuir os nossos territórios. Ainda que esse governo mude, a gente vai ter um trabalho imenso, um caminho imenso a percorrer não para avançar, mas para retornar tudo aquilo que a gente já tinha conquistado e perdeu", sublinha.

O filme é uma coprodução Brasil, Dinamarca e Estados Unidos e está sendo lançado pelo National Geographic Documentary Films e O2 Play.

Cartaz do documentário O Território
Cartaz do documentário O Território © Divulgação

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