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Linha Direta

Entenda o significado da nomeação de 20 novos cardeais pelo papa, em meio a rumores de renúncia

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Neste sábado (27), na Basílica de São Pedro, no Vaticano, 20 novos cardeais tomarão posse durante o consistório. Destes, 16 são eleitores e poderão votar no conclave para eleger o sucessor de Francisco, por terem menos de 80 anos. Entre os eleitores, estão dois brasileiros: Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília, e Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus.

Amanhã 27 de agosto na Basílica de São Pedro ocorrerá o consistório, no qual tomarão posse 21 novos cardeais, dos quais 16 são eleitores porque tem menos de 80 anos e podem votar em um conclave. Foto de arquivo
Amanhã 27 de agosto na Basílica de São Pedro ocorrerá o consistório, no qual tomarão posse 21 novos cardeais, dos quais 16 são eleitores porque tem menos de 80 anos e podem votar em um conclave. Foto de arquivo AP
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Gina Marques, correspondente da RFI na Itália

Paulo Cezar Costa tem 55 anos e é considerado jovem para o padrão dos cardeais. Ele nasceu em Valença, no estado do Rio de Janeiro, e está há dois anos em Brasília. Em 2013, como bispo auxiliar, foi diretor-administrativo da Jornada Mundial da Juventude, evento no Rio de Janeiro que recebeu a primeira viagem internacional do papa Francisco.

No Vaticano, ele também é membro da Pontifícia Comissão para América Latina e do Pontifício Conselho para Unidade dos Cristãos.

Já o franciscano Leonardo Steiner nasceu em Forquilhinha, no estado de Santa Catarina e pertence à Ordem dos Frades Menores. Ele é o primeiro cardeal da Amazônia brasileira, o que destaca a preocupação de Francisco com a questão ambiental. Em 2019, o pontífice realizou no Vaticano o Sínodo da Amazônia e, em 2015, Francisco escreveu a encíclica Laudado si', na qual faz um apelo à mudança e à unificação global para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas.

A periferia de Francisco

Na sacada central da Basílica de São Pedro, logo após ter sido eleito Sumo Pontífice em 13 de março de 2013, Jorge Mario Bergoglio disse: “parece que meus irmãos cardeais foram buscar o papa no fim do mundo”, em uma referência à sua Argentina natal.

Nesta nova lista de cardeais, Francisco aprofundou ainda mais o modelo que se tornou característico de seus nove anos de pontificado: nomes pouco conhecidos, vindos de regiões antes consideradas “periféricas” como o salesiano Virgílio do Carmo da Silva, arcebispo de Díli, capital de Timor-Leste.

Além dele, também integra o grupo o missionário italiano Giorgio Marengo, prefeito apostólico de Ulan Bator, capital da Mongólia, país que conta com apenas com 1,5 mil fiéis católicos. Ele tem 48 anos e será o mais jovem do Colégio Cardinalício.

O Paraguai terá seu primeiro cardeal na Igreja Católica, Adalberto Martínez Flores, arcebispo de Assunção. Mantendo sua linha de combate à “globalização da indiferença”, à pobreza e ao lado dos esquecidos, Francisco escolheu dois africanos e cinco asiáticos, incluindo dois indianos, confirmando o avanço do continente na Igreja.

Três futuros cardeais ocupam cargos na Cúria, o 'governo central da Igreja': o britânico Arthur Roche, o coreano Lazzaro You Heung-sik e o espanhol Fernando Vérgez Alzaga, presidente do governo do Estado da Cidade do Vaticano.

Entre as nomeações de destaque está a do americano Robert McElroy, arcebispo de San Diego, na Califórnia, considerado um progressista por suas posições sobre os católicos homossexuais e o direito ao aborto.

Chama a atenção também a ausência de arcebispos de grandes cidades da Europa, como Paris e Veneza, que antes eram quase automaticamente nomeados cardeais.

Inicialmente, a lista de novos cardeais anunciada em maio passado, era composta por 21 nomes. No entanto, em junho o salesiano belga Lucas Van Looy, 80 anos, bispo emérito de Ghent, pediu ao papa para dar dar um passo atrás, recusando o título. Ele explicou que sua escolha foi devido à consciência “de não ter sido firme e determinado no combate à pedofilia no clero quando era chefe da diocese de Ghent”. Francisco aceitou sua rejeição à púrpura.

Composição do Colégio Cardinalício

Com estas recentes nomeações, o Brasil terá oito cardeais, dos quais seis podem votar para eleger o sucessor de Francisco. No total, o Colégio Cardinalício será composto por 226 cardeais, dos quais 132 são eleitores.

Entre estes, 83 foram nomeados por Francisco, 38 por Bento XVI e 11 por João Paulo II. Isso aparentemente indicaria que a maioria dos cardeais poderia dar continuidade à linha progressista do seu pontificado, depois que ele não for mais o papa reinante. No entanto, esta continuidade nunca está garantida. No próximo conclave, os “príncipes da Igreja” poderão eleger um sumo pontífice tradicionalista, ao contrário do jesuíta Francisco.

Por mais que o papa argentino tenha nomeado diversos cardeais de países considerados periféricos, esvaziando o eurocentrismo da Igreja, o Colégio Cardinalício ainda é composto por uma maioria europeia. A Itália é o país com mais purpurados do continente.

Depois da Europa, a segunda área geográfica mais representada é a América do Norte.

Mas é preciso ressaltar que a Igreja Católica não é como as Nações Unidas: em um conclave, os cardeais não votam em blocos ligados a interesses geopolíticos.

Rumores sobre a renúncia de Francisco

Na trilha do anúncio dos novos cardeais, mais uma vez surgiram rumores que ele estaria preparando a renúncia, seguindo os passos do antecessor, o papa emérito Bento XVI.

Pela primeira vez, o consistório é realizado em agosto, pico do verão na Itália.

O papa também convocou uma reunião com cardeais do mundo no dia 29 para falar da reforma na Cúria Romana. Alguns observadores interpretaram essas importantes reuniões em agosto, mês de férias na Itália, como indícios de que Francisco poderia comunicar sua renúncia aos cardeais. Segundo eles, a decisão indicaria que o pontífice teria pressa.

Para aquecer as especulações sobre a renúncia, no dia 28 de agosto, entre os dois eventos, Francisco irá à cidade italiana de L’Aquila, para visitar o túmulo de Celestino V (1215-1296), que renunciou ao papado em 1294. Em recentes entrevistas, Francisco declarou que, por enquanto, não abdicaria – porém não desconsiderou a possibilidade de renunciar no futuro por motivos de saúde.

“Mudar de papa não seria uma catástrofe”, declarou aos jornalistas que acompanharam sua viagem ao Canadá. “Não pensei nesta possibilidade, mas isto não quer dizer que depois de amanhã não vou pensar. A porta está aberta”, acrescentou

Porém, em Roma, muitos descartam a renúncia de Francisco, pelo menos neste momento, por um motivo bastante pragmático: com o emérito Bento XVI, a Igreja Católica teria três papas vivos.

Reforma da Cúria

Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa em fevereiro de 2013 com a missão de reformar a Cúria Romana. Esta necessidade surgiu durante as Congregações Gerais de Cardeais, antes do conclave convocado em fevereiro de 2013 após a renúncia-surpresa de Bento XVI. As reuniões entre cardeais do mundo inteiro foram particularmente animadas – nos últimos meses do pontificado do papa alemão, a Cúria havia se tornado protagonista de diversos escândalos financeiros, sexuais e de lutas de poder, que resultaram na publicação de documentos confidenciais conhecidos como "Vatileaks".

Foram nove anos de debates para realizar a Constituição Apostólica "Praedicate evangelium" (“Anunciai o evangelho”) sobre a Cúria Romana. A nova Carta Magna entrou em vigor no último 5 de junho e substitui a “Pastor Bonus” promulgada por João Paulo II em 1989.

O documento de 250 páginas é considerado revolucionário porque apresenta mudanças radicais no governo central da Igreja Católica. Uma delas é que leigos, e também mulheres, podem “assumir papéis de responsabilidade e de governo” até dentro de dicastérios, ou seja, nos ministérios. Antes, só os clérigos podiam ocupar estes cargos.

A nova constituição apostólica propõe uma Cúria mais atenta à vida da Igreja Católica no mundo e à sociedade, rejeitando uma atenção exclusiva à gestão interna dos assuntos do Vaticano. Agora o papel do “governo central”, concentrado em Roma, é se ocupar de questões que possam interferir na doutrina, disciplina e comunhão na Igreja.

Além disso, estabelece a descentralização do poder da Cúria Romana. Na prática, os bispos passam a ter autonomia nas dioceses.

Outra novidade é o fim da distinção entre Congregações e Conselhos Pontifícios, passando os vários “ministérios” da Santa Sé a assumir a denominação de Dicastérios.

“A Cúria Romana é composta pela Secretaria de Estado, pelos Dicastérios e pelos Organismos, todos juridicamente iguais entre si”, sublinhou o papa.

Como clássico jesuíta, Francisco quer debater essas mudanças com todos os cardeais em 29 e 30 de agosto. Mexer no governo central dessa estrutura milenar provoca reações. Francisco enfrenta severos opositores dentro do Vaticano, entre eles alguns dos “príncipes da Igreja”.

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