Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Argentina condena ataques de Israel em Gaza e posição pode ter impacto em eleição presidencial

Publicado em:

A Argentina condenou a represália israelense contra o Hamas em Gaza, somando-se a uma lista de países latino-americanos como Chile, Colômbia e Bolívia para os quais a resposta de Israel é “desproporcional e viola o direito internacional”. A Argentina é o país latino-americano com mais reféns nas mãos do Hamas, assim como de vítimas no ataque de 7 de outubro

Soldados israelenses se deslocam com suas unidades de artilharia em direção à fronteira com a Faixa de Gaza, em 3 de novembro de 2023.
Soldados israelenses se deslocam com suas unidades de artilharia em direção à fronteira com a Faixa de Gaza, em 3 de novembro de 2023. © AMIR COHEN / Reuters
Publicidade

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

“Daqui da América do Sul, o único que podemos fazer é sentir o derramamento de sangue e pedir pela paz, pondo-nos à disposição para ajudas humanitárias. Esse é um conflito que nos excede e que não deveria ser usado pelos governos para falarem às suas clientelas locais nem para pretenderem alguma vantagem política”, disse à RFI o ex-embaixador argentino no Brasil, nos Estados Unidos, na União Europeia e na China, Diego Guelar.

O motivo oficial que leva a Argentina a condenar Israel pelos ataques em Gaza são as mortes de civis. Porém, o analista internacional, Fabián Calle, especialista em Defesa e Segurança, vê uma motivação política por parte da vice-presidente, Cristina Kirchner.

“Cristina Kirchner e o seu movimento político, o kirchnerismo, têm essa matriz pró-Irã, pró-Rússia, pró-China e anti-imperialista, leia-se, Estados Unidos. Essa corrente política sente-se confortável com a linha boliviana, cubana e venezuelana da esquerda latino-americana”, avalia Fabián Calle em entrevista à RFI.

Para a esquerda regional, a causa palestina é uma bandeira. Além disso, Israel é um país amigo do maior inimigo ideológico da esquerda latino-americana: os Estados Unidos. Na região, Venezuela, Nicarágua, Bolívia e Cuba são aliados do Irã, maior inimigo de Israel. Parte do atual governo argentino sintoniza com essa visão.

A nota da diplomacia argentina recorda que “no passado 7 de outubro, o país condenou os ataques terroristas do Hamas e reconheceu o direito de Israel à legítima defesa”, porém, alega a nota, “nada justifica a violação do direito internacional humanitário e a obrigação de proteger a população civil nos conflitos armados”.

“Faltou o governo argentino pedir ao Hamas que não use civis como escudos, uma tática terrorista. A nota da Chancelaria argentina deveria condenar os líderes do Hamas por se esconderem em lugares repletos de civis”, aponta Fabián Calle.

A Argentina é o país latino-americano com mais mortos no ataque do Hamas a Israel: foram nove vítimas fatais. Neste momento, 10% dos reféns que o Hamas mantém são argentinos. São 21, incluindo um bebê de nove meses.

Com 180 mil israelenses no país — o dobro do Brasil —, a Argentina tem a maior comunidade judaica da América Latina e a sétima no mundo.

O analista Fabián Calle sugere que esse deveria ser o foco da Argentina, aproveitando o seu canal com o Irã para persuadir o Hamas a libertar os reféns.

“Já que este governo tem bons vínculos com o Irã, deveria ativar esses canais para pedir que libertem reféns. Não descarto que o Hamas liberte algum refém argentino antes do dia 19 de novembro para ajudar o candidato governista nas eleições. Acho que Teerã pode usar esse marketing com outros países da esquerda regional, libertando também algum brasileiro”, considera Fabián Calle.

O governo argentino estaria negociando através do Catar e do Egito, países em diálogo com o Hamas.

Impacto na corrida eleitoral

A Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA) condenou as críticas do governo argentino, advertindo que “esta é a hora para se diferenciar das posições covardes”.

A oposição acusou o governo de ficar do lado dos terroristas, lembrando que a Argentina é o único país da América Latina que sofreu dois atentados terroristas atribuídos ao Hezbollah, como executor, e ao Irã, como autor intelectual. Em 1992, contra a Embaixada de Israel, e em 1994, contra a Associação Mutual Israelita Argentina, deixando 114 mortos e centenas de feridos. Foram os maiores ataques terroristas no mundo até o 11 de setembro, nos Estados Unidos.

A Argentina está a duas semanas do segundo turno entre dois candidatos à Presidência com propostas bem diferentes em matéria de política externa.

O ultraliberal Javier Milei avisa que será um aliado incondicional dos Estados Unidos e de Israel, inclusive, levando a embaixada argentina de Tel Aviv a Jerusalém, como desejava o ex-presidente Jair Bolsonaro. Milei também está se convertendo do catolicismo ao judaísmo.

Já o candidato governista Sergio Massa tem uma postura mais ao centro, mas garante que, se eleito, vai declarar o Hamas como grupo terrorista. 

As duas posições serão avaliadas no debate televisivo do próximo dia 12, quando a política exterior será um dos pontos abordados.

Mas a atual postura ambígua do governo argentino obrigou o candidato governista, Sergio Massa, a um equilíbrio. Ele não criticou abertamente o comunicado nem o defendeu.

“O governo argentino deixou em uma situação difícil seu candidato que se apresenta como um moderado, democrático, aberto ao mundo. Se ele não estivesse de acordo com algo tão grave, usaria seu poder para alinhar a postura do governo à sua campanha”, afirma Calle.

Esquerda regional contra Israel

O primeiro país a tomar uma posição crítica à ofensiva de Israel em Gaza foi o Chile. O governo de Gabriel Boric condenou o que chamou de “punição coletiva da população civil palestina em Gaza” e de “desrespeito das normas fundamentais do direito internacional”. Num gesto diplomático de repúdio, o Chile chamou de volta o seu embaixador em Israel.

Minutos depois, o governo da Colômbia tomou a mesma decisão, chamando a sua embaixadora em Israel pelo que considerou “um massacre do povo palestino”.

O presidente Gustavo Petro deu sinais de que pode romper com Israel ao advertir que, “se Israel não detiver o massacre do povo palestino, a Colômbia não pode continuar em Israel”.

A Bolívia nem advertiu e rompeu relações diplomáticas com Israel pela resposta “agressiva e desproporcional” em Gaza. Uma posição que não surpreende, já que em 2009, o então presidente Evo Morales tomou a mesma decisão depois de um ataque israelense em Gaza.

“A Bolívia tem uma sólida aliança com o Irã que implica muita presença iraniana no país”, sublinha Fabián Calle.

As relações Bolívia-Israel foram reatadas em 2019 durante o breve governo opositor da presidente Jeanine Yañez. O atual presidente Luis Arce vinha sendo pressionado por Evo Morales, a romper novamente com Israel.

Evo Morales agora quer que a Bolívia declare o Estado de Israel como terrorista e que apresente uma denúncia na Corte Penal Internacional de Haia.

Para o analista Fabián Calle, essas posturas são ideológicas. “Não houve nenhuma nota de repúdio aos bombardeios russos contra civis na Ucrânia. Algum desses países convocou o seu embaixador na Rússia no ano passado? Um civil ucraniano é inferior a um palestino? Os direitos humanos só geram preocupação quando são compatíveis com a política interna?”, questiona Fabián Calle.  

Razões políticas internas

Depois dos ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro, todos os países latino-americanos condenaram o Hamas e apoiaram o legítimo direito de Israel de se defender, a exceção da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua, que justificaram os ataques do Hamas pela ocupação de territórios palestinos por parte de Israel. O México optou pela neutralidade.

As mortes de milhares de civis estão mudando as posições, especialmente nos países governados pela esquerda, mas existem razões de política interna no Chile, na Colômbia e na Bolívia, países nos quais os presidentes têm baixa popularidade e estão sob pressão das suas bases de apoio mais radicais.

Para a visão ideológica dessas bases, o imperialismo norte-americano tem em Israel o seu representante no Oriente Médio. No domingo passado (29), o presidente Gustavo Petro sofreu uma dura derrota nas eleições de governadores, prefeitos e legisladores.

“O presidente colombiano, Gustavo Petro, precisa desviar o foco das notícias. Já o presidente chileno, Gabriel Boric, além da baixa popularidade, tem a maior comunidade palestina com referentes de muito poder econômico e político”, observa Fabian Calle em entrevista à RFI.

Cerca de 500 mil palestinos vivem no território chileno numa imigração que começou ainda no final do século XIX, para fugirem do Império Otomano, e que aumentou com a ocupação israelense. É a maior comunidade palestina no mundo fora do Oriente Médio.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.