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Planeta Verde

Cúpula Africana do Clima evidencia potenciais do continente e antigas barreiras para os avanços

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A realização da primeira Cúpula Africana do Clima nesta semana representou um passo histórico da mobilização do continente contra as mudanças climáticas. O evento buscou um entendimento comum sobre como os países podem ter mais força para exigir o cumprimento das promessas feitas pelos países ricos nas negociações internacionais sobre o tema, mas também estimulou o papel de protagonista que a África pode desempenhar.

Manifestantes protestam à margem da primeira Cúpula Africana do Clima, contra o uso de combustíveis fósseis na região e para exigir que governos e indústrias promovam a transição para as energias renováveis. Nairóbi, Quênia, em 4 de setembro de 2023.
Manifestantes protestam à margem da primeira Cúpula Africana do Clima, contra o uso de combustíveis fósseis na região e para exigir que governos e indústrias promovam a transição para as energias renováveis. Nairóbi, Quênia, em 4 de setembro de 2023. REUTERS - JOHN MUCHUCHA
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Na fronteira entre estes dois aspectos, está a questão crucial do financiamento climático – um compromisso assumido pelas nações desenvolvidas no Acordo de Paris, em 2015, e que até hoje não se concretizou plenamente. Sem recursos, nem acesso a financiamento justo, a África não consegue tirar do papel objetivos como dar acesso à energia limpa aos 600 milhões de africanos que sequer têm luz em casa.

“Os países africanos querem mudar um pouco o paradigma, exigindo um pouco mais daquilo que se refere aos próprios programas de ação dos países que fazem parte da Convenção-Quadro sobre as Mudanças Climáticas, portanto têm objetivos e compromissos”, alega Rafael Neto, secretário-geral da Rede Ambiental Maoimbe, de Angola, em entrevista à redação em português da RFI. “O objetivo central da cúpula passou necessariamente por essa discussão e por encontrar uma solução para o financiamento climático.”

Potencial desperdiçado

Cerca de 20 chefes de Estado africanos participaram do evento realizado em Nairóbi, no Quênia, além de lideranças mundiais convidadas, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, ou o enviado especial dos Estados Unidos para as questões climáticas, John Kerry.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, ressaltou que o continente – brindado com sol e ventos abundantes – tem o potencial de “se tornar uma superpotência das energias renováveis”. Mas, atualmente, apenas 2% dos investimentos globais no setor ocorrem na África.

Desde a assinatura do Acordo de Paris, o continente desenvolveu 56 gigawatts de capacidade instalada em renováveis, segundo a agência internacional do setor. A expectativa é multiplicar esse número por mais de cinco até o fim desta década.

‘Risco África’ atrasa projetos

O problema é que, hoje, os custos para a instalação de parques eólicos ou solares são financiados por meio de dívidas, que rapidamente sufocam ainda mais as economias africanas. Com frequência, as taxas de empréstimo são superiores ao crescimento econômico dos países beneficiados.

O “risco África”, alegado pelos países ricos e pelo sistema financeiro, inclusive o Fundo Monetário Internacional (FMI), acaba por atrasar o avanço dos países africanos rumo a um crescimento verde. Adia também o desejo dos africanos de não serem apenas vítima das consequências das mudanças do clima, mas também atores protagonistas da transição para um mundo mais sustentável.

“Quase todos os países da União Europeia assinaram e ratificaram o Acordo de Paris. O compromisso está, portanto, escrito. Falta comprometimento e ação prática. Devemos sair da teoria para a prática”, insiste Rafael Neto. “É basicamente isso que os países africanos estão a exigir. Há de ser possível um dia, afinal água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, brinca.

Na Declaração de Nairóbi, divulgada nesta quarta-feira (6) no final do evento na capital queniana, os líderes africanos lembraram a dívida de US$ 100 bilhões anuais que deveriam ser disponibilizados pelos países desenvolvidos para os mais pobres a partir de 2020, para o financiamento climático. Eles também pediram à comunidade internacional para “ajudá-los a alavancar o potencial do continente, com investimentos e uma reforma do sistema financeiro internacional, (...) incluindo a reestruturação e o alívio da dívida".

Especialista em adaptação climática e membro do IPCC, o painel da ONU sobre as mudanças do clima, Edmond Totin diz que o acesso aos recursos permanece muito mais difícil para a África do que para o resto dos países do mundo.  

“Os países da África subsaariana têm as taxas mais elevadas de rejeição de projetos para o Fundo Verde do Clima. Além disso, mais da metade dos fundos que são obtidos são realmente disponibilizados”, afirma. “São aspectos que tornam a questão toda complexa e expõem ainda mais os países africanos. Precisamos simplificar os mecanismos de acesso ao financiamento, aumentar a disponibilidade de recursos e reduzir os prazos envolvidos”, observa o professor da Universidade Nacional de Agricultura do Benim, à RFI.  

Promessas de US$ 23 bilhões

Embora a África contribua com apenas 2 a 3% das emissões mundiais de gases de efeito estufa despejados na atmosfera, o continente é o que mais sofre com os impactos do aquecimento global, já que as infraestruturas deficientes e a pobreza elevada tornam os episódios de seca e enchentes ainda mais dramáticos.

Durante os três dias de reuniões, um total de US$ 23 bilhões em investimento internacional foi prometido para a região, disse o presidente do Quênia, William Ruto. Neste valor, estão incluídos os US$ 4,5 bilhões oferecidos pela presidência da próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, que será realizada em dezembro em Dubai (Emirados Árabes Unidos).

A Cúpula Africana do Clima ocorreu a 100 dias da COP28. Até lá, os países africanos pretendem continuar as negociações com vistas a chegar à principal reunião sobre clima do ano com um posicionamento afinado, enquanto bloco, nas negociações comandadas pela ONU.

O consenso não tem sido fácil num continente onde 1,4 mil milhões de pessoas vivem em 54 países política e economicamente diversos, entre os quais alguns ainda fortemente dependentes dos combustíveis fósseis.

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