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Rendez-vous cultural

Exposição parisiense promove diálogo entre obras de Krajcberg e Villa-Lobos

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Frans Krajcberg, o pioneiro na expressão das artes visuais como arma em defesa do meio ambiente. Heitor Villa-Lobos, o compositor que levou o ecletismo da cultura popular à erudição. Em comum, mais do que artistas autodidatas, plurais e autores de obras extremamente intensas, ambos traduzem em suas produções a paixão por um Brasil muitas vezes não visitado nem mesmo pelos próprios brasileiros.

Queimadas (Incendies), Brésil, circ. 1980. Collection Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris
Queimadas (Incendies), Brésil, circ. 1980. Collection Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris © ©Frans Krajcberg
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Por Andréia Gomes Durão, da RFI

No ano em que se celebra o centenário da primeira viagem de Villa-Lobos a Paris, o Espaço Frans Krajcberg, no 15° distrito da capital francesa, promove o diálogo entre estes dois artistas que exaltaram em suas obras uma fascinação incansável pelo Brasil.

“Essa data de 1923 marcou realmente o início da carreira dele como compositor. Claro, Villa-Lobos já tinha recebido um primeiro reconhecimento no Brasil, com a participação na Semana de Arte Moderna de 1922. Mas antes da viagem para a França, ele continuava muito pouco conhecido no próprio país. Foi realmente a conquista de Paris, a conquista da cidade luz, que deu asas a Villa-Lobos como compositor e como artista completo”, explica a historiadora Anaïs Fléchet, professora da Universidade Paris-Saclay.

Autora de livros sobre Villa-Lobos e sobre a música brasileira, ela acredita que “a obra de Krajcberg, com suas ressonâncias amazônicas, tem toda uma relação com a paisagem musical de Villa-Lobos”.

A exposição “Frans Krajcberg, o Militante” exibe o lado fotográfico deste artista que também transita entre pinturas, instalações e impressões. Mais que isso, reunindo obras de 1960 a 2000, a seleção trilha sua relação com o Brasil, do arrebatamento pela natureza ao engajamento para preservá-la. Imagens que denunciam, criticam e clamam por proteção, como um “grito” a que Krajcberg se empenhava em dar forma em suas obras.

Queimadas (Brasil, 1980) Coleção da Associação dos Amigos de Frans Krajcberg, em Paris
Queimadas (Brasil, 1980) Coleção da Associação dos Amigos de Frans Krajcberg, em Paris © Frans Krajcberg

Filmes e arquivos ampliam a experiência em torno deste guardião artístico da natureza brasileira, exuberante e indefesa sob a ameaça desastrosa dos homens. A mostra revela tanto sua revolta quanto seu combate. Uma arte comprometida em sensibilizar o público à causa que norteou toda sua vida.

Villa-Lobos e a rua

Já o filme “Heitor Villa-Lobos, l’âme de Rio” (Heitor Villa-Lobos, a alma do Rio) mergulha o público no universo popular que formou este compositor único e absolutamente genial.

“O filme é como um looping na verdade, por meio de choros e de conjuntos de rua. Começa pelos grupos de rua porque Villa-Lobos, quando criança, andava pelas ruas ouvindo esse tipo de música, e o filme também acaba nas ruas, na Feirinha de Laranjeiras, uma feira em uma praça do Rio de Janeiro”, descreve o diretor do documentário, Eric Darmon, que também é secretário-geral da Associação dos Amigos de Frans Krajcberg.

O compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos.
O compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos. Museu Villa-Lobos/ Domínio Público

Enquanto Villa-Lobos reinventa a música brasileira, à revelia de escolas tradicionais, Krajcberg vê no Brasil o país que ele escolheu, onde este artista “nasceu de novo”, em suas próprias palavras. Diferentes trajetórias movidas por um mesmo interesse.

“É mais o Brasil na verdade. O amor pelo Brasil. Porque, para Krajcberg, o Brasil foi onde ele nasceu pela segunda vez. Depois do Holocausto, depois de todos os horrores que ele viu e viveu durante a Segunda Guerra Mundial, foi o Brasil que lhe deu de novo gosto pela vida. E Villa-Lobos em seu discurso também. Ele é muito brasileiro, muito apaixonado pelo Brasil, pelo coração do Brasil”, compara o diretor do filme.

“Mas, ao final, a paleta de Krajcberg era a natureza, e Villa-Lobos, sua paleta era a rua”, continua Darmon.

Queimadas (Incendies), Brésil, circ. 1980. Collection Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris
Queimadas (Incendies), Brésil, circ. 1980. Collection Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris © Frans Krajcberg

Militância

Ambos eram apaixonados pelo Brasil e militantes. Villa-Lobos vive o embate pelo reconhecimento de sua própria carreira, brilhante mas trilhada à margem das renomadas academias. Krajcberg denuncia em suas imagens a urgência de salvar das chamas o país que ele ama.

“Porque por meio da violência de suas fotos, da violência de sua obra, da violência de seus totens, há, enfim, uma poesia trágica, uma tragédia e, ao mesmo tempo, a beleza da tragédia. Isso é Krajcberg. E Villa-Lobos também, porque também há sofrimento. Villa-Lobos sofreu. Ele sofreu porque não era reconhecido. Estranhamente, é um homem que lutou muito, até os anos 1930, para ser reconhecido”, conclui o cineasta.

Tanto empenho garantiu um reconhecimento inquestionável do compositor no cenário musical em todo o mundo. O quinteto Concert Impromptu, que preenche de música este grande encontro entre os dois artistas brasileiros, acaba de lançar o álbum Opus 2, sua segunda antologia em torno das obras de Villa-Lobos para instrumentos de sopro.

O quinteto Concert Impromptu.
O quinteto Concert Impromptu. Benoit Courti

“Villa-Lobos é a figura carismática da liberdade e da música, da essência musical que tanto amamos. Ele sozinho representa um músico sem igual. Autodidata, ele é também o sincretismo, a mistura de toda essa rica cultura brasileira”, revela Violaine Dufes, diretora artística do grupo.

“Krajcberg também é uma figura do Brasil, muito especial na arte contemporânea, que transmite uma mensagem universal e humanista, como Villa-Lobos”, completa Violaine.

A exposição “Frans Krajcberg, o Militante” pode ser visitada até 22 de abril. O Espaço Frans Krajcberg Centre D'Art Contemporain Art & Nature fica no Chemin du Montparnasse, 21 avenue du Maine. A entrada é gratuita.

Queimadas (Incendies), Brésil, circ. 1980. Collection Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris
Queimadas (Incendies), Brésil, circ. 1980. Collection Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris © Frans Krajcberg

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