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Rendez-vous cultural

Museu d’Orsay de Paris reúne dois artistas "inclassificáveis": Manet e Degas

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Os dois pintores foram contemporâneos, frequentaram os mesmos círculos artísticos, mas seguiram caminhos diferentes, sempre mantendo uma certa rivalidade artística. Para compreender melhor essa atração e repulsão entre dois grandes nomes da pintura, o Museu d’Orsay, em Paris, apresenta uma exposição conjunta inédita de Edouard Manet e Edgard Degas.

Visitante observa nus de Degas, à esquerda, e Manet, à direita, reunidos no Museu d'Orsay, em Paris. 27/04/2023
Visitante observa nus de Degas, à esquerda, e Manet, à direita, reunidos no Museu d'Orsay, em Paris. 27/04/2023 © Patricia Moribe
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Patrícia Moribe, da RFI

São 51 quadros, dois pastéis, dez desenhos, 16 gravuras e algumas cartas de Edouard Manet (1832-1883) junto a 40 telas, sete pastéis, 17 desenhos, dois monotipos, dois cadernos de desenhos e missivas de Edgard Degas (1834-1917). Manet formou-se com Thomas Couture, que tinha uma pincelada mais romântica. Já Degas se deixou inspirar por Ingrès, na atenção pelo desenho e pelo traço.

O visitante poderá admirar os então escandalosos "Almoço sobre a relva", que mostra uma mulher nua em um piquenique com dois homens vestidos com trajes da época, e "Olympia", no qual uma prostituta nua aparece deitada em um divã, com a mucama negra. Ambos são de Édouard Manet. De Edgard Degas, estão expostas cenas de bar, como em "O Absinto", ou as eternas bailarinas, que também estão na exposição "Pastéis", na ala seguinte. 

Visitante tira foto do quadro "Olympia", de Édouard Manet, no Museu d'Orsay, em Paris (28/04/23).
Visitante tira foto do quadro "Olympia", de Édouard Manet, no Museu d'Orsay, em Paris (28/04/23). © Patricia Moribe

“Tanto Manet quanto Degas têm um percurso parecido em certo sentido, porque nenhum deles pode ser classificado de maneira fácil, não são artistas que se enquadram em um movimento”, explica Felipe Martinez, pesquisador de pós-doutorado da USP e da Universidade de Amsterdã.

“Não dá para a gente chamar, por exemplo, o Degas de impressionista, do mesmo jeito que a gente faz com o [Claude] Monet; é um artista que tem ali uma poética própria, um caminho próprio, embora ele tenha exposto com os impressionistas várias vezes”, diz Martinez. “Manet também expôs com os impressionistas, mas ele era uma espécie de mestre, um guia, da geração anterior; é um artista que ficou no meio do caminho entre a tradição e as pinturas impressionistas”, observa o brasileiro.

Público faz fila para entrar na ala reservada à exposição Manet Degas, no Museu d'Orsay. Paris, 28/04/23.
Público faz fila para entrar na ala reservada à exposição Manet Degas, no Museu d'Orsay. Paris, 28/04/23. © Patricia Moribe

Burguesia

Os dois artistas são do mesmo extrato social, filhos da burguesia. O pai de Manet foi um alto funcionário e o de Degas, banqueiro. Dessa forma, ambos puderam pintar e experimentar, sem a necessidade de vender quadros para viver. Apesar de suas carreiras correrem em paralelo, eles se frequentam, às vezes com algumas rusgas. Degas tinha uma clara admiração por Manet, tendo retratado o colega várias vezes. Já Manet nunca pintou o colega. Degas também foi um ávido colecionador de Manet, chegando a possuir mais de 80 obras de Édouard – das quais 31 estão na exposição.

Em 1868 ou 1869, Degas retratou o casal Manet num momento de tranquilidade, ele esparramado no sofá e madame ao piano. Mas Manet achou que Degas não fez jus à beleza de sua querida Suzanne e simplesmente mutilou a obra, cortando a mulher pelo perfil. Furioso, Degas retomou-lhe o quadro e ainda devolveu outro que lhe fora dado por Manet como presente. A pintura sem o rosto de madame Manet, hoje propriedade do Museu de Arte de Kitakyushu, no Japão, está na exposição de Paris.

Visitante observa "Nana", quadro de Édouard Manet, no Museu d'Orsay, em Paris (28/04/23).
Visitante observa "Nana", quadro de Édouard Manet, no Museu d'Orsay, em Paris (28/04/23). © Patricia Moribe

Retratos do tempo

Manet e Degas são ávidos observadores do tempo em que vivem, lembra Felipe Martinez. “É o mundo moderno, das cidades, do mercado financeiro, da indústria”, explica. “Manet retrata as cartolas, a roupa preta, a fumaça das indústrias, as pessoas no parque, enquanto Degas, ao incorporar as bailarinas, tem uma visão mais naturalista, influenciada pelas teorias de determinismo social daquele momento.”

“Degas pinta vários quadros relacionados com a Guerra Civil Americana e expressa claramente seu apoio à causa antiescravagista”, conta a curadora Isolde Pludermacher, à RFI. “Ele próprio viu de perto a escravidão em uma viagem que fez ao Brasil em 1948 e isso o revoltou. Já Degas tinha família em Nova Orleans, que vivia do comércio de algodão. Havia inclusive escravos no dote da mãe do artista. Ou seja, há também aspectos políticos que os diferenciam.”

Visitante tira foto de "O Absinto", de Edgard Degas, no Museu d'Orsay, em Paris (28/04/23).
Visitante tira foto de "O Absinto", de Edgard Degas, no Museu d'Orsay, em Paris (28/04/23). © Patricia Moribe

Viagem aos trópicos

Aos 16 anos, Manet tentou a carreira naval, embarcando em um navio-escola em direção ao Brasil. “Ele desenhou os marinheiros, o talento estava ali”, relata Felipe Martinez. “Mas em termos de cores, de luz, não acho que o Brasil tenha tido influência. Embora ele tenha visto a natureza brasileira e a paisagem exuberante do Rio de Janeiro, em nenhum momento Manet faz uma consideração de um pintor, de alguém que está olhando com os olhos de um pintor aquela paisagem”, opina. “Ele faz, sim, considerações muito interessantes sobre a sociedade brasileira, sobre como viviam as pessoas escravizadas, sobre como aquela sociedade funcionava, mas pela pintura dele não dá para gente dizer que ela foi influenciada, digamos, tecnicamente, pela passagem dele pelo Brasil", diz o pesquisador brasileiro.

A exposição "Manet/Degas" fica em cartaz no Museu d'Orsay, em Paris, até 23 de julho. 

Cartaz da exposição "Manet/Degas", em cartaz no Museu d'Orsay até 23 de julho.
Cartaz da exposição "Manet/Degas", em cartaz no Museu d'Orsay até 23 de julho. © Musée d'Orsay

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