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Reportagem

Jogos Rio-2016: No meio do caminho, uma crise política e financeira

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Enquanto o Rio de Janeiro se preparava para receber atletas de todos os continentes, o Brasil entrava num turbilhão político. Uma nação em crise, com manifestações contra o governo e o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) marcaram o período que antecedeu os Jogos. Ao mesmo tempo, o estado do Rio de Janeiro vivia uma calamidade financeira e o governador, Luiz Fernando Pezão, estava afastado para se tratar de um câncer. Para completar, o zika vírus rondava o país, gerando pânico.   

Manifestação contra a presidente Dilma Rousseff, em São Paulo, em 13 de março de 2016.
Manifestação contra a presidente Dilma Rousseff, em São Paulo, em 13 de março de 2016. REUTERS/Nacho Doce
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Maria Paula Carvalho, da RFI 

“Quando o Brasil conquistou os Jogos, estávamos numa fase boa em termos políticos. Já quando foi sediar a Olimpíada, foi uma fase muito confusa e turbulenta”, contextualiza o sociólogo Ronaldo Helal. “No campo político, estava realmente muito conturbado. Havia uma cisão muito grande no Brasil. E essa polarização foi se acirrando cada vez mais depois de 2014 e 2016, e ficou insuportável”, diz. “Até hoje temos uma nação fraturada e instituições democráticas tentando resguardar a democracia”, analisa o professor da UERJ.  

Num caso sem precedentes na história dos Jogos Olímpicos, o Brasil que recebeu o esporte mundial tinha dois chefes de Estado. Quem apareceu para o Brasil e o mundo foi o presidente em exercício, Michel Temer, enquanto a presidente Dilma Rousseff sofria um processo de impeachment. "É claro que isso prejudica muito a organização, o dia a dia, a interlocução, os atores que trabalhavam ali, e é uma imagem de preocupação”, avalia Leonardo Espíndola, ex-chefe da Casa Civil do Rio de Janeiro. 

Dilma Rousseff passou 13 horas dando explicações, respondendo aos senadores e se defendendo de duas acusações na origem do pedido de impeachment contra ela.
Dilma Rousseff passou 13 horas dando explicações, respondendo aos senadores e se defendendo de duas acusações na origem do pedido de impeachment contra ela. REUTERS/Ueslei Marcelino

Se as coisas estavam complicadas em nível nacional, o estado que acolheria o mundo também sofria com sérios problemas internos. “O Rio de Janeiro passava por um momento de calamidade financeira muito grave. Os policiais e bombeiros ameaçavam entrar em greve, ou seja, a segurança do estado que sediaria as olimpíadas estava em xeque, com ampla repercussão internacional”, acrescenta Espíndola.  

A conjunção de problemas teve um impacto para o próprio Comitê OIímpico Internacional, ofuscando algumas novidades, como lembra Thierry Terret. "Esses Jogos que acontecem no contexto de uma crise econômica e de instabilidade política tiveram que enfrentar, também, uma crise sanitária, já que alguns meses antes o Brasil foi atingido por uma epidemia de zika que afetou 1,5 milhão de pessoas no Brasil", observa o historiador do Esporte especialista em Jogos Olímpicos.

"Uma crise amplamente divulgada na mídia do mundo inteiro, criando uma angústia generalizada entre espectadores potenciais e atletas e dezenas deles renunciam, finalmente, de ir ao Rio de Janeiro por medo de serem contaminados e de contaminar suas famílias", destaca.

Para Terret, com vastas incertezas políticas, econômicas e sanitárias, as inovações geopolíticas do Comitê Olímpico Internacional passaram despercebidas. "O que é uma pena, especialmente a participação de uma equipe de atletas olímpicos refugiados pela primeira vez na história dos Jogos, composta de sudaneses, etíopes, sírios e congoleses, que testemunha o reconhecimento por parte das autoridades olímpicas de uma situação política e humanitária extremamente particular", conclui.   

A equipe de atletas refugiados nos Jogos Olímpicos Rio-2016, durante a cerimônia de abertura, em 5 de agosto de 2016.
A equipe de atletas refugiados nos Jogos Olímpicos Rio-2016, durante a cerimônia de abertura, em 5 de agosto de 2016. AFP/Archives

Para Mário Andrada, diretor-executivo de Comunicação e engajamento dos Jogos Olímpicos Rio-2016, a transição de governo por conta do impeachment não foi tão complexa quanto se imaginava. "O novo governo do presidente [Michel] Temer fez uma transição bastante tranquila. O que foi complicado para os Jogos e para o Comitê Organizador foi a questão financeira", explica, "tornando mais lenta a passagem de recursos públicos para o universo privado dos Jogos", completa. "Então, a gente teve uma pressão muito grande nos Jogos Paralímpicos. O orçamento ficou prejudicado, mas o governo reagiu imediatamente com recursos dos bancos públicos, que nos permitiram realizar ótimos Jogos Paralímpicos", avalia.  

Com um orçamento estimado em R$ 40 bilhões e dentro de um contexto político e econômico instável, a equação financeira foi um desafio imenso. "Veio todo o dinheiro que estava prometido? Não", revela ainda o executivo. "Faltou um pouco e, no final, a gente teve que fazer um aperto e a realização dos Jogos deixou algumas dívidas, algumas sendo negociadas até hoje", admite Mário Andrada. Porém, "o orçamento dos Jogos foi feito quatro anos antes e em moeda estrangeira. E no final, a dívida era de menos de 2% – o que é mínimo, talvez o menor da história dos Jogos", desafia.  

Mário Andrada, diretor-executivo de Comunicação e engajamento dos Jogos Olímpicos Rio-2016.
Mário Andrada, diretor-executivo de Comunicação e engajamento dos Jogos Olímpicos Rio-2016. © arquivo pessoal

"Bombeiro de crises" 

Como porta-voz dos Jogos Rio-2016 e responsável por apagar crises, Mário Andrada começou a ter bastante trabalho bem antes da chegada da tocha olímpica. Discussões em torno da despoluição da Baía de Guanabara, sede das competições de vela; da lagoa Rodrigo de Freitas, para a canoagem; algas que esverdearam as piscinas do Parque Aquático, atraso nas obras da Vila Olímpica e balas perdidas no Complexo Esportivo de Deodoro são alguns dos contratempos de última hora, além de outros imprevistos, como a falsa comunicação de assalto por parte de nadadores americanos, causando danos à reputação da cidade. 

"A gente precisava tomar sempre cuidado com a imagem dos Jogos, pois quando eles começam a ficar 'malditos’ porque têm atrasos ou crises, essa percepção negativa acaba atrapalhando a venda de ingressos, o retorno dos patrocinadores", explica Andrada.

"O caso da Baía de Guanabara era uma promessa do então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, de despoluir a maior parte dela. A gente não podia desmentir o governador e nem tapar o sol com a peneira”, diz. "A gente tinha que tomar ações de mitigação da poluição, escolhendo espaços que não estavam muito sujos para as competições. Foi uma aventura, porque você tem que arrumar soluções para crises com o avião andando", compara. "No fim, as águas estavam aptas para as competições, que aconteceram em segurança para os atletas", comemora. 

A francesa Charline Picon durante uma regata de windsurf na Baía de Guanabara,  em 8 de agosto de 2016 nas Olimpíadas do Rio
A francesa Charline Picon durante uma regata de windsurf na Baía de Guanabara, em 8 de agosto de 2016 nas Olimpíadas do Rio AFP

Rio e Paris: "majestades urbanas" 

Receber os Jogos Olímpicos é construir um projeto para o mundo se encontrar e costuma ser uma oportunidade única para o país-sede. O diretor-executivo de Comunicação da Rio 2016 celebra a volta dos Jogos Olímpicos “para uma casa poderosa”, em 2024. 

Rio e Paris: duas cidades especiais no mundo. Para Mário Andrada, “as mais lindas, majestades urbanas que têm afinidade e cuja fama se sobressai a qualquer evento”. Com a experiência de quem atuou nos primeiros Jogos Olímpicos da América do Sul, ele declara sua admiração:  "Não existem outras duas cidades no mundo como Paris e Rio, por tudo que elas representam. Paris é a Cidade Luz e talvez o Rio seja a 'cidade festa' do mundo. Quando os Jogos chegam nesse tipo de palco, é mais fácil, já que não tem o que embelezar no Rio e não tem como tornar Paris mais icônica. Então você percebe que os Jogos se adaptam à cidade", diz Andrada. 

"A atmosfera que você vive dentro dos Jogos é impressionante. São muitas pessoas, culturas diferentes, línguas diferentes, e todo mundo com um propósito que são os Jogos”, acrescenta Luiz Gustavo Brum, executivo da organização da Rio-2016. “A gente conseguiu, numa cidade com nível de mobilidade urbana que a gente tem, com o tráfego que a gente tem, fazer essas 27 instalações funcionarem ao mesmo tempo. Cada uma em um canto, com bloqueio de ruas e todos os requerimentos internacionais atendidos, tanto a parte técnica quando operacional”, celebra.  

Durante 16 dias, os cariocas tiveram a chance de ver de perto aqueles que parecem super-homens, mas são humanos extraordinários, como o “homem-raio” Usan Bolt. O atleta jamaicano entrou para a história do esporte não "apenas" como o recordista mundial dos 100m, 200m e do revezamento 4 x 100m. Depois de conquistar o ouro nas três provas nas Olimpíadas de Pequim 2008 e Londres 2012, Bolt fechou no Rio de Janeiro a "tríplice coroa", tornando-se o primeiro a faturar a medalha dourada nas três disputas em três edições olímpicas. E o fato de ter feito isso em três Jogos consecutivos torna o feito ainda mais louvável. 

O jamaicano Usain Bolt compete nos Jogos Olímpicos Rio-2016. (19 de agosto de 2016)
O jamaicano Usain Bolt compete nos Jogos Olímpicos Rio-2016. (19 de agosto de 2016) Eric FEFERBERG / AFP

Igualmente impressionante foi o desempenho do nadador americano Michael Phelps. Ele se despediu das piscinas olímpicas no Rio, onde subiu ao pódio seis vezes, totalizando 28 medalhas olímpicas na carreira, sendo 23 de ouro.  

O nadador Michael Phelps após vencer a final dos 200m medley nos Jogos Olímpicos Rio-2016.
O nadador Michael Phelps após vencer a final dos 200m medley nos Jogos Olímpicos Rio-2016. AFP

Durante duas semanas, atletas desse nível trouxeram ao Brasil o que de melhor o esporte congrega: excelência, empatia, superação, solidariedade e alegria – valores simbolizados pelo fogo olímpico, que “ilumina” os corações do público.  

“Existe uma coisa que a gente chama de legado intangível que é os Jogos tocarem a população, celebrarem a união, a solidariedade entre os povos, e acho que isso ficou muito forte no Rio de Janeiro”, destaca Leonardo Espíndola, procurador de Justiça que fez questão de participar do revezamento da tocha olímpica. “Essa chama olímpica, representada pela tocha, que passou por diversas cidades do Brasil e também do mundo, simboliza esse espírito olímpico que a gente tem de manter vivo”, subllinha. “É claro que existe uma grande engrenagem comercial e empresarial por trás dos Jogos, mas aquele sentimento, aquela pureza, é algo que não pode se perder."  

Leonardo Espíndola, procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Leonardo Espíndola, procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. © arquivo pessoal

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