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Reportagem

19° Festival Brasil em Movimento traz luta ambiental, indígena e antirracista às telas parisienses

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Começa nesta quinta-feira (28) em Paris o Festival Brésil em Mouvements, ou Brasil em Movimento. Criado em 2005 pela Associação Autres Brésils, o evento é um dos principais na Europa dedicado exclusivamente a documentários e exibe há quase vinte anos filmes engajados sobre temas que ajudam o público francês a entender o Brasil de hoje.

A 19ª edição do Brasil em Movimento acontecerá de 28 de setembro a 1º de outubro de 2023.
A 19ª edição do Brasil em Movimento acontecerá de 28 de setembro a 1º de outubro de 2023. © Captura de tela
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Treze documentários, entre longas e curtas-metragens foram selecionados para o 19° Festival Brésil en Mouvements que acontece no cinema Les 7 Parnassiens, no bairro parisiense de Montparnasse. "A propriedade e a exploração da terra, assim como os direitos dos povos originários", são os principais eixos temáticos desta edição 2023, diz o comunicado do evento cofundado por Erika Campelo.

A convidada de honra este ano é a antropóloga e militante indígena Braulina Baniwa. Vários diretores de documentários selecionados estarão em Paris para apresentar seus filmes, que estreiam na França, e conversar com o público. O longa da estreia “A Invenção do Outro”, de Bruno Jorge, dá o tom desta edição.

O documentário acompanha uma expedição de contato com povos isolados, coordenada pelo indigenista Bruno Pereira, assassinado posteriormente em uma emboscada durante uma outra jornada pelo mesmo Vale do Javari em 2022, ao lado do jornalista britânico Dom Philips. Uma carta enviada pela viúva de Bruno Pereira será lida na abertura do evento.

Barbara Pettres é codiretora da “Vãnh gõ tõ Laklãnõ” (ou “Resistência Laklãnõ”), em parceria com Flávia Person e Walderes Coctá Priprá, que é a primeira arqueóloga indígena do sul do país e uma das personagens do filme. O longa aborda o movimento de resgate da história do povo indígena de Santa Catarina que está no centro da ação que derrubou a tese do Marco Temporal no STF. “É uma vitória. Foram 7 votos a 2 contra o Marco temporal no Supremo Tribunal Federal, mas essa tese ainda está avançando no Senado e essa luta continua e ainda tem vários capítulos pela frente”, adverte Barbara Pettres. 

Os Laklãnõ-Xokleng quase foram extintos e hoje, “muitas pessoas do estado e do país não sabem que eles existem”, informa a diretora. “O primeiro contato foi em 1914; foram um pouco mais de 100 anos de contato com os não-indígenas e foi um massacre. Sobraram 106 pessoas. E então, lentamente, depois dessa quase extinção, eles foram se recuperando e, a partir dos anos 80, foram retomando a língua e as tradições”, conta Barbara Pettres.

O movimento é liderado pela juventude Xokleng-Laklãnõ, mas conta também com a participação dos mais velhos. “É um grande momento de reviver a cultura. É um movimento muito forte, muito organizado e que está muito vivo”, diz.

“Protagonismo feminino”

O protagonismo feminino indígena fica evidente no premiado “Vento na Fronteira”, sobre os Guarani do Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai. O documentário, codirigido por Marina Weis e Laura Faerman, resgata a história, a luta pelos direitos indígenas e pela demarcação da comunidade de Ñande Ru Marangatu, no município de Antônio João, que foi uma das primeiras a fazer uma ação de retomada das terras ancestrais, no final dos anos 1980.

O longa opõe duas visões de Brasil que parecem irreconciliáveis, a do agronegócio e a dos povos originários. “A gente optou por uma abordagem um pouco diferente do que é comumente visto nos documentários de temática socioambiental e justiça ambiental e que focam somente nas populações vítimas da violência, vítimas da injustiça, que é um modo clássico. Para a gente era importante tentar olhar também para outra faceta que é a dos proprietários rurais, sem deixar, obviamente, de ter o olhar da comunidade indígena”, detalha Marina Weis, que é uma das cineastas convidadas este ano.

Para dar essas duas visões, mostrar esse choque de culturas e aprofundar a análise, “Vento na Fronteira” mostra paralelamente os pontos de vista de duas personagens: a professora indígena Lenir e Luana Ruiz, advogada próxima da família Bolsonaro e herdeira da fazenda “Fronteira”.

“A gente achou que esses olhares, quando colocados lado a lado, poderiam ajudar um público tanto brasileiro, que não está familiarizado com a temática indígena, quanto Internacional, a entender a profundidade e a complexidade do tema, que não é simplesmente uma situação de bons e maus. É uma situação complexa que se agravou muito nos últimos 200 anos, depois do fim da guerra com o Paraguai e tem uma história de omissão muito grande”, acredita a codiretora.

Marina Weis, codiretora do filme Vento na Fronteira.
Marina Weis, codiretora do filme Vento na Fronteira. © Arquivo pessoal

Luta antirracista

O curta-metragem “Romão”, outro dos 13 filmes selecionados para o Brésil en Mouvements, também aborda a violência, a injustiça e o racismo de que são vítimas as chamadas minorias no Brasil. O documentário, em preto e branco, revela a trajetória de Marcus Romão, uma figura importante do movimento negro brasileiro.

“O Marcos Romão, como eu costumo dizer, foi um homem parabólica. Ele foi uma então figura jovem do movimento negro nos anos 1980 no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, ainda no período do fim da ditadura e da abertura democrática, mas onde a denúncia do racismo ainda não era muito bem quista, num momento em que era muito perigoso qualquer tipo de manifestação”, revela o diretor Clementino Junior, que estará em Paris para uma comversa com o público.

O curta, baseado em uma entrevista feita com o ativista em 2017, um ano antes de sua morte, relembra momentos marcantes da luta antirracista e pelos direitos humanos de Marcos Romão que teve que se exilar. “Ele foi morar na Alemanha e mobilizou muita gente a partir da Rádio Mama Terra que foi, como eu chamo um aqui, um aquilombamento. Ele entendeu como os povos da diáspora, também na Europa, tinham que formar redes de apoio e se unir para entender qual era o papel deles dentro desse novo território”, conta o diretor.

Como seu personagem, Clementino Junior, filho da atriz Chica Xavier, também é uma figura expoente do movimento negro brasileiro. Ele é o cineasta negro que mais produziu filmes de autor no Brasil. Ao todo, são 30 documentários, entre curtas, médias e dois longas, a maioria deles com temática racial, mas também sobre questões socioambientais. Clementino é ainda fundador do Cineclube Atlântico dedicado à diáspora africana no país.

“Tudo o que a gente apresenta é a partir da luta antirracista. É mais uma contribuição para a reflexão (...), para que a gente consiga diminuir, neutralizar, os danos causados pelo racismo (que é) quase como uma doença no Brasil. O Brasil é fundado no racismo. É uma doença autoimune que a gente só tem como tratar os sintomas, porque é muito difícil obter a cura”, denuncia Clementino Junior.

A 19ª edição do Festival Brésil em Mouvements acontece até o próximo domingo (1°). Pela primeira vez, há uma programação especial para os jovens de escolas parisienses: a juventude em movimento.

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