“Edna”, novo documentário de Eryk Rocha, mostra poesia e resistência de ex-guerrilheira do Araguaia
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“Foi uma mistura de impacto e encanto” que levou o cineasta Eryk Rocha a filmar “Edna”, documentário em competição no Festival Biarritz América Latina. A personagem principal, que dá nome ao filme, é uma sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à ditadura militar no Brasil, que atuou entre o final da década de 1960 e meados da década de 1970, na região amazônica.
Daniella Franco, enviada especial da RFI a Biarritz
De fato, nos 64 minutos do documentário, Edna choca o espectador com as dramáticas experiências que vivenciou no sul do Pará - uma das regiões mais violentas do Brasil - mas também seduz o público com seus inebriantes relatos, que misturam duras lembranças a sonhos e poesia.
“Essa mulher merece um filme no futuro”: esse foi o pensamento de Eryk Rocha depois de conversar durante duas horas com Edna, no primeiro encontro entre os dois, em 2016. Na época, o cineasta trabalhava em uma peça de teatro sobre as guerrilheiras assassinadas pela ditatura militar no Araguaia, idealizada pela diretora e atriz Gabriela Carneiro da Cunha. A futura protagonista do documentário fazia uma pequena participação na peça.
Um ano e meio depois do primeiro encontro, Eryk, Gabriela e o resto da equipe voltaram ao local para realizar o filme. O resultado é um retrato intimista e mágico, onírico mas também real, de uma personagem que traz à tona registros cuidadosamente anotados ao longo de décadas em seus cadernos.
Edna dialoga com o espectador e também consigo mesma, ao revelar, às vezes sussurrar, suas experiências de resistência e sobrevivência como mulher, guerrilheira, ribeirinha, mãe e companheira. A luta pela terra, o amor pela natureza, as visões sobre política, religião e as relações humanas são expressas através de uma lucidez e uma sabedoria surpreendentes, uma viagem nutrida pelas imagens preto e branco (em raros momentos a cores) de Eryk Rocha.
As filmagens de “Edna” duraram um mês e, segundo Eryk, foram fluindo de acordo com a conexão com a personagem, suas inspirações e vontades. “O filme foi se tecendo no dia a dia a partir da relação com a Edna. Afinal, cinema é muito mais relação do que informação. É tudo o que envolve qualquer relação humana: cumplicidade, confiança, afeto, tensão, desencontro, contradição. Tinha uma pesquisa, um roteiro, uma dramaturgia, mas fomos descobrindo o filme juntos”, relembra.
Eryk conta que, ao longo das filmagens, a equipe descobriu todas as singularidades da personagem como indivíduo e como sujeito coletivo. “A Edna é ela, mas representa milhares de mulheres no Brasil, na América Latina, no mundo. A história que Edna conta é a dela, mas, por trás, há uma multidão de histórias de outras mulheres, vítimas de violência, da opressão, do machismo, da ditatura militar no Brasil”, diz.
O cineasta destaca a potência desta personagem “que tem o poder de criar novos mundos, mesmo dentro deste mundo infernal que vivemos hoje no país”. Não é à toa que Edna afirma, no documentário, que “a guerra ainda não acabou” - uma constatação classificada como “uma verdade cristalina que se vive no país”. “Hoje, no Brasil, a gente evidencia isso, de forma direta e frontal, na cidade ou no campo, nas Ednas que estão no interior, na Amazônia, nas favelas ou periferias”, reitera.
No entanto, apesar da dura realidade que a personagem confronta, durante toda a vida, ela ainda guarda espaço em seu cotidiano para sonhar. “Isso traduz uma vocação da Edna e de sua poesia como uma extensão da própria resistência que ela vive no dia a dia. Quando ela diz: ‘eu sonho em sair daqui para um lugar, não sei onde’, ela se refere a um lugar que ela inventa, que ela imagina, um desejo que ela projeta e que mostra, no filme, essa tensão entre a imobilidade e o movimento”, analisa Eryk Rocha.
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