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Almanaque mostra que os tempos da Independência do Brasil são múltiplos

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Nesse ano de comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, o historiador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jurandir Malerba, acaba de lançar o “Almanaque do Brasil nos tempos da Independência”. O livro editado pela Ática é ricamente ilustrado, organizado cronologicamente por datas e visa um grande público.

O historiador Jurandir Malerba
O historiador Jurandir Malerba © Captura de tela
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Jurandir Malerba pesquisa esse período da História do Brasil há mais de três décadas, mas neste ano de comemoração, "em que o país vive um contexto político complicado", achou que poderia contribuir mais para o debate fazendo um livro mais acessível. “Tem muito a ver com a circunstância política que a gente vive no Brasil hoje, com o contexto que a gente está vivendo depois do golpe de 2016, que me fez sentir a necessidade de falar para um público mais amplo e não só para um público especializado”, conta o historiador.

Para atingir esse público, principalmente os mais jovens, Jurandir Malerba lembrou do formato dos almanaques que são informativos e têm “um apelo mais visual e lúdico”, mas trazem para a reflexão “qual é o sentido para nós brasileiros de pensar a Independência hoje nesse contexto que a gente vive”, explica.

O “Almanaque” mostra que os tempos da Independência são múltiplos. O livro começa muito antes do “Grito do Ipiranga”, em 1808 “em concordância com a sólida historiografia que entende quão decisiva foi a vinda da corte portuguesa para o Brasil”. Na sequência, cada capítulo correspondente a um ano, e o último, depois de 1922, leva o nome de “E a história continua”.

“A Independência não acaba em 22, isso é uma convenção feita por uma historiografia oficial. Se a gente atrelar com a unidade do Brasil, ela vai se estender por várias décadas. Do ponto de vista estritamente político, a Independência não ia estar pronta antes do reconhecimento pelas grandes nações, as grandes potências mundiais. Esse reconhecimento veio a partir de 1824”, informa Jurandir Malerba.

Almanaque do Brasil nos Tempos da Independência
Almanaque do Brasil nos Tempos da Independência © Arquivo Pessoal

Outras visões e vozes

O “Almanaque” também integra outras visões e vozes à história oficial sobre a emancipação do Brasil de Portugal em 7 de setembro de 1822. “Essa narrativa que vai seguindo essa ordenzinha cronológica inocente e contando várias histórias paralelamente (...) parece simples, mas ela tem várias problematizações”, aponta o historiador.

“Quando eu digo que é um Almanaque dos tempos da Independência é para mostrar que essa independência não está morta lá no passado e que muitas questões que nos afetam e nos afligem hoje datam de lá ou de antes”, ressalta. Entre essas questões estão a escravidão, a condição dos afrodescendentes e o racismo estrutural; a questão dos povos originários e a “guerra sem fim” contra os indígenas e suas terras; o patriarcalismo e a condição das mulheres; e a questão ambiental.

“Mostro ao mesmo tempo, como no caso dos afrodescendentes e dos índios, a resistência dessas vozes contra a opressão. A questão é mostrar como essa história está viva e reclama uma reflexão sobre o que a gente está fazendo. Como é que a gente chegou na condição que a gente chegou em um país com tanto potencial?", questiona.

Desconstruir a versão oficial

Para Jurandir Malerba havia urgência em fazer essa reflexão e tentar levá-la para um público mais amplo possível. Segundo ele, a campanha do governo federal para comemorar os 200 anos da Independência usa símbolos completamente ultrapassados do século 19 e vai contra “o que a historiografia levou 200 anos para desconstruir, de que foi um herói português com sua virilidade, bravura, sua masculinidade tóxica, que por um ato de vontade própria decretou a independência às margens do Ipiranga. O símbolo da Secom é o punho do Dom Pedro empunhando a espada”.

O historiador denuncia uma visão ultrapassada e que utiliza o “nós” para falar do povo brasileiro. “Nós quem? Quando você fala um nós hipotético, você está deixando de pensar que a sociedade brasileira é altamente cindida, que tem uma grande maioria passando necessidade, fome, exclusão. Você se abstrai disso tudo para falar de uma entidade etérea, uma nação que só existe na cabeça dessas pessoas.”

O professor da UFRS deplora que o Brasil não tenha feito como outras nações que também comemoraram o bicentenário de suas independências ou emancipações. Países como os Estados Unidos, França e da América Latina, aproveitaram a efeméride para “pensar a nação e estabelecer projetos de futuro”.

No “Almanaque do Brasil em tempos de Independência”, ele propõe “contar a história como as pesquisas científicas mostram. É fundamental que a gente desconstrua esse discurso oficial de que foi uma transição pacífica, um desquite amigável da nossa Pátria Mãe. Não! Teve morte, se exterminou, teve guerra na Bahia, em Pernambuco, no Pará.”

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