Documentário 'Nossos passos seguirão os seus' teve estreia mundial em Paris

O filme 'Nossos passos seguirão os seus', de Uilton Oliveira, teve estreia mundial durante o Festival Brésil en Mouvements (Brasil em Movimentos, em tradução livre), em Paris. Programado na sessão na sessão dedicada à resistência negra, o curta metragem resgata a importância do ativista Domingos Passos para o movimento social brasileiro.

O curta foi exibido no Festival Brésil en Mouvements, em Paris. © Divulgação

“É um documentário experimental que tem como objetivo resgatar a experiência negra na luta dos trabalhadores do Brasil e, ao mesmo tempo, inscrever Domingos Passos, protagonista do filme, como um personagem histórico importante para esse movimento”, diz Uilton, que assina também o roteiro e pesquisa do curta. 

A obra de 13 minutos de duração é experimental, mas baseada em pesquisa histórica documental. É uma reconstituição ficcional baseada em personagens e situações reais do movimento operário do Brasil durante a Primeira República (1989 a 1930).

Domingos Passos foi uma liderança sindical e anarquista que desafiou a violência policial. Ele convocou uma greve geral dos trabalhadores da construção civil para denunciar o desaparecimento do operário Antonio Silva na década de 1920.  “Resgatar Domingos Passos é uma forma de polemizar e chamar a atenção para as pessoas e a historiografia de que existiram personagens negros e indígenas que foram importantes para o movimento social brasileiro”, afirma.

Segundo Uilton, o documentário pretende também corrigir a percepção de que o movimento operário e anarquista do período é associado apenas à imigração europeia. “Isso faz com que o protagonismo dos negros, indígenas e os brasileiros brancos não aparecesse, ficasse ocultado e invisibilizado”, justifica. “Com o cinema que faço, pretendo contribuir para a construção de uma outra imagem dessas populações”, diz o historiador e cineasta.

O historiador e cineasta Uilton Oliveira nos estúdios da RFI Brasil. © RFI

Maior visibilidade para os negros

A pesquisa para o curta foi iniciada em 2018 e como funcionário da Biblioteca Nacional, Uilton teve acesso a acervos de jornais da época. Durante a pandemia conseguiu organizar a pesquisa e o material e fazer o roteiro do filme.

Contemplado com um edital do Lab Curta, de apoio a curtas-metragens, o filme contou com uma equipe composta de 90% de profissionais negros. “É um elemento que a gente defende, que precisamos ter pessoas negras atuando no cinema em diferentes funções, como direção, roteiro e atuação. Só assim a gente conseguirá deixar o universo do audiovisual mais diverso e representativo”, diz Uilton.  

O diretor lamenta não ter tido acesso à Cinemateca Brasileira onde poderia encontrar documentos e imagens do período dos movimentos sociais e estudantis que ocuparam as ruas da capital paulista na época do golpe de Estado de Getúlio Vargas. Em uma das manifestações havia registros de um protesto que resultou na libertação de presos da cadeia do Cambuci, último local onde Domingos Passos ficou preso.

“Infelizmente não consegui usar nada da Cinemateca porque nem tive a oportunidade de ir lá para pesquisar. Coloquei isso no filme como forma de protesto e provocação para dar visibilidade a essa situação no Brasil, para que a gente possa se organizar e mudar”.

Depois da estreia mundial em setembro em Paris, o curta será exibido em festivais no Rio de Janeiro, em outubro, e em Alagoas, em novembro.

“O que eu quero mostrar é que muitas lutas de ontem contribuíram para o que estamos fazendo hoje. Muitas pessoas morreram, desapareceram, foram perseguidas, encarceradas para que a gente esteja aqui lutando. Temos que olhar o passado para não esquecer que muitas pessoas vieram antes. ‘Nossos passos seguirão os seus’ é uma mensagem para seguir a luta e a organização popular”, finaliza.