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Bolsonaro e Lula têm traços distintos de populismo, afirma cientista político Thomás de Barros

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Lançado em plena campanha eleitoral, o livro “Do que falamos quando falamos de populismo” (Editora Cia das Letras), dos cientistas políticos Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago, ajuda a compreender e esclarecer um tema controvertido e muitas vezes mal compreendido, mas muito presente no cenário político no Brasil.

Thomás Zicman de Barros, cientista político
Thomás Zicman de Barros, cientista político © RFI
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“Decidimos escrever o livro pelo desconforto que tínhamos com os usos muito imprecisos dessa palavra. Existe, claro, um conceito de populismo, mas a palavra também é um instrumento nas disputas políticas, em geral, para estigmatizar adversários. O nosso desconforto surgiu de falsas simetrias que são feitas com essas palavras, por exemplo, em simetrias de políticos de direita e de esquerda”, afirma Thomás de Barros.

Segundo os autores, o populismo nunca deve ser dito no singular, mas no plural pois há vários tipos de populismos. “Isto porque Bolsonaro, Lula e tantos outros políticos têm traços de populismo, mas esses traços se expressam de maneira muito diferentes. Algumas vezes ameaçando a democracia, mas outras vezes, e talvez essa seja a inovação do nosso livro, romper com essa visão muito pejorativa do populismo, nós dizemos: existem expressões do populismo e que aprofundam e fortalecem a democracia liberal”, acrescenta.

Os dois especialistas analisaram mais de 15 mil artigos de imprensa entre 1940 e 2022 para entender como a palavra populismo surgiu e foi incorporada no cenário político. A ideia, segundo Thomás de Barros, não foi partir de um “conceito abstrato”, mas dos jogos de linguagem ao redor da palavra populismo. “A palavra surge a partir do final dos anos 1940 e, ao contrário do que acontece atualmente, ela era reivindicada pelo lado positivo. Havia pessoas que se diziam populistas, algo que não se encontra hoje em dia. Ninguém se diz populista”, afirma.

Um capítulo do livro é dedicado ao contexto histórico para explicar o movimento e os personagens que mais simbolizaram o conceito e sua evolução. “Getúlio Vargas, para vencer as eleições de 1950, chamou a chapa Frente Populista ao compor uma aliança com Adhemar de Barros. Até mesmo Jânio Quadros e os integralistas da extrema direita reivindicam o termo populismo", explica..

A tendência, amplamente descrita no livro, estava relacionada com a migração acelerada nos anos 1940 de moradores do campo para os centros urbanos. "Esse êxodo rural marcou a entrada de grupos vulneráveis e subalternizados na política pela primeira vez, sem o voto de cabresto. O populismo entre os anos 1940 e 1960 representou a entrada de novos setores na política e uma democratização maior da sociedade brasileira”, explica Thomás na entrevista à RFI.

Lula x Bolsonaro

Os dois cientistas políticos identificaram três traços do populismo: o primeiro, uma oposição discursiva entre o povo e as elites. O segundo seria um rito transgressivo, no sentido de que o líder se comporta quebrando os protocolos e o cerimonial do que se espera da liturgia do cargo e, por último, o populismo pode transformar instituições. “Mas cada um desses traços pode se expressar para aprofundar a democracia, ou ameaçá-la”, alerta Thomás de Barros, antes de detalhar os traços do populismo identificados nos dois candidatos finalistas à eleição presidencial.

“No caso do Lula, a oposição entre povo e elite se expressa nos termos dos mais vulneráveis, dos mais pobres, contra aqueles que governaram o Brasil desde a sua descoberta. Então, existe uma tentativa de incorporar setores subalternizados. O Lula é transgressivo quando fala em picanha, cachaça, cerveja, ou seja, quando se refere a esse universo culturalmente popular. Mas também é subversivo quando coloca trabalhadores pobres e também outras minorias, negros, trabalhadores, evangélicos, pessoas não-binárias, dentro da política. Seria um populismo que apronfudaria a democracia e consolidaria as instituições”, argumenta.

No caso de Bolsonaro, os pesquisadores apresentam uma leitura diferenciada. “O Bolsonaro quando fala do povo contra as elites é de um outro entendimento do que seria essa oposição. O povo são os 'cidadãos de bem', que não necessariamente são os pobres. Inclusive alguns milionários podem entrar na categoria de ‘bem’. Porque são grupos que se veem como trabalhadores que suam a camisa para pagar seus impostos contra uma elite que seria intelectual, cívica, administrativa, que iria viver às custas do Estado, sem trabalhar. Ou seja, que iriam viver do esforço alheio. Mais que isso, o ‘outro’, o antagonista apresentado pelo Bolsonaro é degenerado, obsceno, que quer corromper a juventude, a fé, a família”, diz.  

"Enviado de Deus"

O cientista político ainda se refere à dimensão de uma teologia política no discurso bolsonarista, que opõe o bem contra o mal, Deus contra o Diabo. “Não é à toa que a primeira-dama diz que Bolsonaro é um enviado de Deus. Tenta-se demonizar o outro lado, o Lula, o PT e a oposição em geral”, exemplifica.

"O Bolsonaro é transgressivo, fala de maneira grosseira em muitos momentos, mas não faz para incorporar setores vulnerabilizados. Ele incorpora uma franja reacionária que a gente pode chamar de ‘ralé’, que está em todas as classes sociais e que quer reforçar as estruturas de dominação e aumentar a discriminação contra grupos vulneráveis”, diz

O resultado da eleição presidencial no Brasil vai definir o estilo de populismo que vai vigorar no país pelos próximos anos. “Se o Bolsonaro vencer vamos ver as piores consequências de um populismo reacionário e autoritário. Ele iria solapar as bases da democracia liberal no Brasil”, afirma Thomás de Barros.

“Se Lula ganhar, e independentemente da vitória dele, seria necessário pensar em um populismo emancipador para apontar as falhas da democracia liberal brasileira, e, talvez, entender que é apenas um populismo emancipador que a gente pode fazer frente a esse sintoma da história brasileira que é o bolsonarismo. Um bolsonarismo, que no nosso entender, é fruto de anos de violências, de ditaduras que de fato nunca foram tratadas, e a desigualdade brasileira que precisa ser endereçada”, conclui.   

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