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Histórias sobre homens “cornos” unem gravuras populares francesas e brasileiras, conta pesquisador

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As diferentes categorias, utilizações, áreas de circulação e mesmo a aparição em momentos distintos não impedem que as gravuras populares brasileiras e francesas tenham suas semelhanças. Essas imagens revelam muito da história de cada país, mas também temas em comum aos dois lados do Atlântico, a exemplo da figura do homem “corno”, como conta o pesquisador Everardo Ramos.

Everardo Ramos, professor de História da Arte da UFRN e pesquisador sobre gravuras populares no Musée de L'Image de Épinal, na França.
Everardo Ramos, professor de História da Arte da UFRN e pesquisador sobre gravuras populares no Musée de L'Image de Épinal, na França. © Anastácia Vaz/UFRN
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Andréia Gomes Durão, da RFI

Pesquisador sobre gravura popular e autor de uma vasta literatura sobre o tema, Ramos estava à frente do Museu Câmara Cascudo, em Natal, antes de vir para a França, onde desenvolve um projeto de cooperação com o Musée de L’Image, de Épinal, no nordeste do país, também dedicado à gravura popular.

Clique na foto principal para ver o vídeo com a íntegra da entrevista.

Professor de História da Arte na Universidade Federal do Rio Grande Norte, ele explica algumas diferenças na história dessas gravuras, que, na França, por exemplo, são chamadas de imagerie populaire, e não de gravure populaire, gravura popular, como no Brasil. Ramos conta ainda que Épinal foi uma cidade que, a partir do século 17, mas principalmente no século 19, teve uma produção impressionante de imagens, de gravuras populares, que circularão em toda a França, na Europa, mas também nos Estados Unidos e em alguns países de língua árabe.

Image d'Epinal (França, séc. 19)
Image d'Epinal (França, séc. 19) © Col. Musée de l'Image

“Por isso mesmo todos os franceses conhecem a expressão image d’Épinal. Este foi o berço, um centro muito importante da produção de imagens populares na França. E eu venho de Natal, que tem o Museu Câmara Cascudo, que tem a mais importante coleção de gravura popular do Estado, e, o que é bem interessante, temos uma coleção de matrizes, algumas muito preciosas, que foram usadas para ilustração de folhetos de cordel ao longo do século 20”, contextualiza.

 

Uma estampa do artista brasileiro J. Borges.
Uma estampa do artista brasileiro J. Borges. © J. Borges - Estampe brésilienne - Col. Privée
Folheto de cordel (Brasil, ed. original 1930-1950)
Folheto de cordel (Brasil, ed. original 1930-1950) © Col. BCZM UFRN

Ramos compara também como a censura de Portugal sobre um Brasil ainda colônia impediu que a produção de gravuras se desenvolvesse e se diversificasse no país, enquanto na França essas imagens já abordavam diferentes temas e ganhavam grande visibilidade. “A produção francesa reflete muito o que acontece na Europa como um todo, é muito diversificada, porque começou muito cedo, a partir do século 16 já existem imagens populares”, ele explica.

“Existem diversas categorias dessas obras, que podem estar na capa de livros, em livrets de colportage, que seria como os nossos folhetos de cordel no Brasil. Mas existem outras formas, por exemplo, como se chamou aqui na França de canard. Quando ocorria algum crime muito importante, de muita repercussão, havia uma publicação que relatava esse crime, reforçando os pontos mais dramáticos com uma imagem muito forte”, exemplifica.

 

© Image d'Epinal (França, séc. 20) - Col. Musée de l'Image 3

 

Por outro lado, o Brasil foi privado de atividade de impressão até o início do século 19. “Até a chegada da família real portuguesa, não se podia imprimir nada no Brasil. Os portugueses impediram o desenvolvimento da cultura impressa com medo, logicamente, de ideais revolucionários. Tudo era muito censurado. Tudo o que nós temos até o início do século 19 era impresso em Portugal”, compara.

Cornos

Algumas categorias de temas, no entanto, podem ser encontradas tanto no Brasil quanto na França. “Muitos folhetos de cordel falam dos cornos, dos chifrudos, dos homens que levam chifre das mulheres, e esse é um tema que a gente também encontra na literatura e na imagerie francesa. Eu encontrei algumas no acervo, nas coleções de Épinal, que falam desses chifrudos”, conta o pesquisador.

 

Gravura popular do artista brasileiro Marcelo Soares.
Gravura popular do artista brasileiro Marcelo Soares. © Estampe brésilienne - Col. Privée
Image d'Epinal (França, séc. 19)
Image d'Epinal (França, séc. 19) © Col. Musée de l'Image

Everardo Ramos mostra ainda como a influência no Brasil da literatura portuguesa, referenciada pela literatura europeia, faria com que personagens europeus se tornassem presentes na literatura de cordel. “Uma importante personagem de literatura de cordel é Genoveva de Brabant, que é uma personagem francesa, medieval. Então, aqui e acolá, a gente encontra nesses personagens alguns temas mais gerais.”

Outro ponto em comum por ele destacado é que, no Brasil como na França, não somente a gravura, mas a cultura popular como um todo só é reconhecida como arte quando se torna objeto de interesse de classes não-populares, como intelectuais e artistas de uma “cultura oficial”.

Os gravuras populares na França e no Brasil percorrem trajetórias muito diferentes, mas alguns temas, como os homens "cornos", são comuns aos dois lados do Oceano Atlântico.
Os gravuras populares na França e no Brasil percorrem trajetórias muito diferentes, mas alguns temas, como os homens "cornos", são comuns aos dois lados do Oceano Atlântico. © Livret de colportage brésilien - Col. Privée

“Uma das primeiras características dessa produção popular é de ser feita justamente à margem de uma cultura oficial. Então, na França, foi só no século 19 que os intelectuais se voltaram para uma produção importantíssima, que já existia desde o século 16, mas que muitas vezes era desprezada por ser justamente algo muito distante dos cânones oficiais”, enfatiza o pesquisador.

Ramos conta que o mesmo acontece no Brasil em relação à gravura popular, que "apenas quando os intelectuais descobrem as capas da literatura de cordel, a gravura, em meados do século 20, quando começaram a se interessar sobre o tema, que esta é reconhecida como arte".

O pesquisador destaca ainda que, enquanto leitores populares gostavam de imagens mais “requintadas” que vinham da Europa, os intelectuais elegeram e privilegiaram as gravuras populares em certos períodos, o que confirma uma tendência de que algumas estéticas sejam aceitas, e outras não, o que pode ser determinante para que uma expressão artística ganhe visibilidade e se perpetue, e que outras sejam negligenciadas e fadadas ao esquecimento.

 

Marcelo Soares - Estampa (Brasil, 2006)
Marcelo Soares - Estampa (Brasil, 2006) © Col. Particular

A residência de Everardo Ramos no Musée de l’Image acontece no âmbito do programa de cooperação internacional Résidence Culture, do Ministério da Cultura da França.

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