Acessar o conteúdo principal
RFI Convida

"Foram momentos terríveis", diz fotógrafo brasileiro exilado no Chile na época do golpe militar

Publicado em:

O Chile celebra nesta segunda-feira, 50 anos do golpe militar que tirou do poder o presidente socialista Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, e deu início a 17 anos de uma das mais violentas ditaduras da América Latina. Esta data também marcou profundamente a vida do fotógrafo Fernando Rabelo, que tinha apenas 11 anos e estava exilado no país vizinho com seus pais e irmãos. 

A família Rabelo em Santiago, no Chile, em 1965.
A família Rabelo em Santiago, no Chile, em 1965. © Acervo da família Rabelo
Publicidade

O golpe militar chileno marcou a vida de muitos brasileiros que, após a tomada do poder pelos militares no Brasil, em 1964, se refugiaram no país vizinho, liderado por um socialista, e foram surpreendidos por um novo golpe. Entre esses brasileiros estava o fotógrafo Fernando Rabelo. O pai dele, o jornalista, intelectual e escritor José Maria Rabelo e a mãe, Thereza Rabelo, se refugiaram com os sete filhos em Santiago. 

Depois do golpe contra Allende, a família foi para a França, mas Rabelo diz que considera o Chile sua "segunda pátria", onde morou dos dois aos 11 anos. "Eu sou muito agradecido ao povo chileno", disse em entrevista à RFI. 

Apesar das muitas lembranças boas dos amigos que fez no exílio, ele confessa que a adaptação em um novo país não foi fácil. 

Ricardo Rabelo (à esquerda), o pai, José Maria, a mãe, Thereza, e Ricardo, o irmão caçula, no primeiro ano de exílio na França, em 1974, em foto tirada num passeio de Bateau Mouche.
Ricardo Rabelo (à esquerda), o pai, José Maria, a mãe, Thereza, e Ricardo, o irmão caçula, no primeiro ano de exílio na França, em 1974, em foto tirada num passeio de Bateau Mouche. © Acervo da família Rabelo.

"A gente foi numa situação muito sensível do ponto de vista financeiro. Meu pai arrumou um emprego, mas era muito complicado sustentar sete filhos, sete boquinhas para alimentar todos os dias, escola, roupa, uniforme", conta Rabelo. "A gente não falava espanhol. Éramos todos muito pequenos. Quando eu deixei o Chile, eu tinha 11 anos de idade e meu irmão mais velho tinha 21. Então eram todos muito jovens", diz.

"Mas aos poucos fomos nos adaptando, as coisas foram melhorando, o meu pai conseguiu abrir sua primeira livraria, depois abriu a segunda e depois a terceira. No final, ele teve sete livrarias espalhadas por Santiago pelos principais centros universitários", relembra.

Golpe militar, prisão e tortura

Mas depois de todo o esforço de adaptação, veio o golpe de 1973 que abalou novamente a vida da família. 

"Eu considero o golpe militar no Chile o momento mais triste da nossa vida. Sem dúvida! Foram momentos terríveis", diz o fotógrafo, relembrando a ausência do pai e do irmão mais velho, que entraram na lista de personalidades políticas procuradas pela polícia e se refugiaram na Embaixada do Panamá, e a prisão e tortura sofridas por outro irmão, que com apenas 18 anos foi levado para o centro de detenção instalado pelo governo militar no Estádio Nacional do Chile. O local foi transformado em um verdadeiro campo de concentração onde os presos políticos eram torturados e fuzilados.

Ricardo Rabelo, diante de um cartaz pedindo a anistia política no Brasil. Massy. França, 1978.
Ricardo Rabelo, diante de um cartaz pedindo a anistia política no Brasil. Massy. França, 1978. © Foto de Ricardo Rabelo

Ele conta que ele e os irmãos foram testemunhas do bombardeio do Palácio de la Moneda, sede do governo chileno, onde estava o então presidente Salvador Allende. "A gente resolveu subir no telhado de casa no 11 de setembro, para assistir os aviões fazendo rasantes no centro da cidade, jogando bombas. Eu vou guardar essa lembrança para sempre. "Foi um momento trágico. Além disso, a gente via caminhões passando, carregando corpos perto de casa", disse comovido.

"Nas fotos históricas do golpe militar, dos militares queimando os livros, fazendo fogueiras com livros, todos esses livros eram provenientes das nossas livrarias", conta o fotógrafo. 

Saída do Chile

A família Rabelo foi retirada do Chile com a intervenção da ONU e levada para Paris, onde morou até a anistia política no Brasil, em 1980. 

Como testemunha de dois golpes de estado e ditaduras, Fernando Rabelo se diz assustado com o crescimento da extrema direita na América do Sul. Ele acredita que as "fake news" têm um papel importante no aumento de posições políticas extremistas.

"Elas têm que ter um controle maior. Não pode. Nenhuma democracia vai se sustentar se isso continuar, se a mentira continuar prevalecendo", diz. "Podem dizer que é censura? Podem, mas tem que ser regulamentado. Se não, nenhuma democracia vai sobreviver", afirma.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.