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Um pulo em Paris

Vetos à nova lei francesa de imigração preservam direitos para estrangeiros

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O Conselho Constitucional, órgão encarregado de analisar a constitucionalidade dos projetos de lei votados na Assembleia e no Senado franceses, censurou ontem a aplicação de um terço dos artigos da polêmica lei sobre imigração negociada pelo governo. Nesta sexta-feira (26), as forças democráticas respiram aliviadas, mas parlamentares de direita polarizam o debate e falam em "golpe de Estado jurídico".

O presidente do Conselho Constitucional francês, Laurent Fabius.
O presidente do Conselho Constitucional francês, Laurent Fabius. AFP - JOEL SAGET
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As forças progressistas e a maioria dos franceses respiram aliviados. Dos 86 artigos da lei, 35 foram barrados total ou parcialmente pelos constitucionalistas. Durante os debates, a lei foi considerada xenófoba, com vários artigos baseados no conceito de "preferência nacional", ou seja, "a França para os franceses", uma bandeira fascista e histórica de partidos de extrema direita, como a sigla Reunião Nacional, de Marine Le Pen, e o recém-criado Reconquista, do ex-candidato à presidência Éric Zemmour.

Recentemente, o partido de direita Os Republicanos abraçou esse projeto numa tentativa de sobreviver no cenário político, depois de a legenda ser esvaziada pelo movimento político criado pelo presidente Emmanuel Macron e o crescimento dos nacionalistas. Entretanto, a censura do Conselho Constitucional cortou pela raiz os arroubos populistas.

Os políticos anti-imigração agora buscam polarizar o debate, como acontece no Brasil em relação a algumas decisões do Supremo Tribunal Federal: os constitucionalistas franceses deram um parecer político ou jurídico?

'Assalto à democracia'

Deputados e senadores do partido Republicanos falaram em "golpe de Estado do direito", em "assalto à democracia", uma vez que o Conselho Constitucional retocou artigos aprovados por uma comissão mista de deputados e senadores na Assembleia. Esses parlamentares se esquecem de assumir que redigiram emendas tecnicamente inconstitucionais. A extrema direita está exigindo um referendo sobre a questão da imigração. 

O presidente do Conselho Constitucional, o ex-primeiro-ministro Laurent Fabius, rebateu rapidamente essa narrativa típica de antidemocratas. Em entrevista à rádio France Inter, Fabius disse que o órgão "não está a serviço dos políticos, apenas garante o cumprimento da Constituição". 

A direita diz que vai apresentar um outro projeto para restringir os direitos dos estrangeiros. 

O governo ficou satisfeito com esse resultado e vai promulgar rapidamente o que sobrou dessa lei. O Conselho Constitucional manteve a estrutura inicialmente apresentada pelo Executivo. A nova legislação autoriza a simplificação dos procedimentos para a deportação de estrangeiros "delinquentes" e a legalização de trabalhadores em situação irregular, em áreas com falta de mão de obra – medidas que eram defendidas pelo governo e empresários.

Boa notícia para estudantes brasileiros

O artigo que criava um depósito em dinheiro, uma espécie de caução, para estudantes de fora da União Europeia, como os brasileiros, foi excluído pelos constitucionalistas. Durante os debates, reitores de 60 universidades públicas francesas publicaram na imprensa um abaixo-assinado contra essa taxa extra.

Um estudo de 2022 da agência Campus France, subordinada ao Ministério do Ensino Superior, mostrou que os estudantes estrangeiros dão um retorno financeiro de € 1,3 bilhão (R$ 7 bilhões) por ano à França. Quando eles se instalam com a família, durante o período de estudos, geram € 5 bilhões para a economia francesa, contra € 3,7 bilhões de despesa pública. Os argumentos da direita e da extrema direita eram essencialmente demagógicos. 

Também foi descartado pelo Conselho Constitucional um artigo que previa que os filhos de estrangeiros nascidos na França precisariam entrar com um pedido de naturalização entre os 16 e os 18 anos, e poderiam ter o pedido negado. Prevalece o direito de solo para a nacionalidade. 

Foi cortado da lei o artigo que estendia o tempo de residência exigido para que os não europeus, legalmente residentes na França, tenham acesso a determinados benefícios sociais. A parte que dificultava o programa de reunificação familiar também foi censurada. 

Outra medida controversa que foi excluída da lei foi a fixação de quotas anuais de imigrantes pelo Senado e a Assembleia, pois feria o artigo 34 da Constituição francesa.

Recorde de pedidos de asilo

Os pedidos de asilo por razões políticas ou contexto de guerra nos países de origem dos imigrantes continuaram a aumentar na França no ano passado, atingindo um recorde histórico de 142.500 solicitantes, o maior número já registrado pela agência francesa de proteção aos refugiados (Opfra). Houve uma alta de 8,6% em comparação com 2022. A agência declarou, no entanto, que esse fenômeno não era específico da França, pois faz parte de um contexto europeu. O país permanece bem abaixo da média europeia, que deve estar entre 15% e 20% de aumento no último ano.

O fenômeno é bem mais acentuado na Alemanha, que registrou um aumento de 51% de solicitações de asilo em 2023, o equivalente a 351.000 pedidos no total. 

Na França, a maior parte dos pedidos de asilo são apresentados por cidadãos do Afeganistão, de Bangladesh, da Turquia, República Democrática do Congo e da Guiné.

Vistos constantes para estudantes

No ano passado, outras 323.260 pessoas pediram pela primeira vez um visto de residência temporário na França. No caso dos estudantes, que representam um terço dessas solicitações, o número se mantém praticamente constante em relação a 2022.  

A França acolhe cerca de 5,1 milhões de estrangeiros em situação regular, o que representa 7,6% da população, e abriga mais de meio milhão de refugiados. As autoridades estimam que existam entre 600 mil e 700 mil pessoas em situação irregular.

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