Acessar o conteúdo principal
O Mundo Agora

“Offshore” ainda tem muitos anos de vida pela frente

Publicado em:

Enquanto a justiça brasileira está fazendo o seu trabalho frente às suspeitas de corrupção maciça da classe política, os “Panamá Papers” abalam o mundo. Nada menos do que dirigentes de quase 30 países são acusados de montagens financeiras opacas em paraísos fiscais.

Manifestação em Reykjavik na Islândia contou com a presença de mais de 10 mil pessoas pedindo a renúncia do primeiro-ministro Sigmundur Gunnlaugsson, depois da publicação dos Panama Papers.
Manifestação em Reykjavik na Islândia contou com a presença de mais de 10 mil pessoas pedindo a renúncia do primeiro-ministro Sigmundur Gunnlaugsson, depois da publicação dos Panama Papers. REUTERS/Stigtryggur Johannsson
Publicidade

Na lista, aparecem os habituais suspeitos na África, Ásia, América Latina, Europa do Leste e mundo árabe. Mas o furacão levou também o primeiro-ministro da Islândia e bateu feio no primeiro-ministro britânico e em partes do “establishment” francês. O ventilador das redes sociais globalizadas espalhou as denúncias pelo mundo inteiro. Todos os governos são obrigados a tentar dar explicações à opinião pública. As democracias vêm prometendo investigações judiciais severas. Uma Lava Jato mundial.

Esse escândalo não é o primeiro. E não há dúvida de que as medidas tomadas nos últimos anos tornaram bem mais difíceis essas montagens financeiras esdrúxulas. Depois da crise de 2008, os governos – sobretudo na Europa e nos Estados Unidos – tiveram que sangrar seus orçamentos e reservas para impedir que a economia derretesse. E agora precisam urgentemente de caixa. Washington e os governos europeus já lançaram uma ofensiva não só contra a fraude fiscal, mas sobretudo contra o que chamam de “otimização fiscal”. Esquemas perfeitamente legais utilizados pelas grandes empresas multinacionais para pagar menos impostos. Essa caça aos níqueis das empresas vem completar a tradicional ação policial para rastrear e recuperar as centenas de bilhões de dólares do crime organizado que também utiliza o sigilo das caixas postais em ilhas maravilhosas.

Mas apesar dos pesares, os paraísos fiscais e as empresas “offshore”, continuam funcionando muito bem obrigado. Pela simples razão de que não são só sedes de atividades criminosas e ilícitas.

'Matagal regulatório' empurra empresas para paraísos fiscais

Numa economia globalizada, as empresas que têm atividades em múltiplos países estão obrigadas a enfrentar um verdadeiro emaranhado de leis fiscais e normas contábeis, sem saber quais as que têm de ser respeitadas ou não. Uma sede na legislação “neutra” e camarada de uma ilha do Caribe ou do Oceano Índico – ou até em alguns Estados federais americanos – é uma mão na roda para administrar esse matagal regulatório. Além do mais, o que pode ser considerado “otimização” fiscal por um país, pode ser visto simplesmente como normal facilitação de investimentos para outro.

Não existe imposto global aplicado de maneira igual a todos os países. Cada sociedade decide – ou é obrigada a aceitar – a sua própria carga fiscal. Não há razão nenhuma para que a Irlanda ou o Luxemburgo aceitem um nível de imposição francês, dinamarquês ou americano. Nas democracias, tudo depende da história, da cultura, da relação ao Estado e aos serviços públicos de cada sociedade nacional. Acrescente-se a isto, a violenta concorrência econômica internacional, onde uma boa parte dos negócios seria impossível sem uma boa dose – legal é claro – de privacidade e segredo das transações. Um governo que pediria transparência absoluta a suas empresas as colocaria numa clara posição de inferioridade diante dos concorrentes estrangeiros.

"Panama Papers" revelam regras de convivência e conivência não escritas

Na verdade, os “Panama Papers” revelam um problema bem mais profundo do que meter a mão no bolso das multinacionais e lutar contra os corruptos. Em qualquer país soberano, as elites dirigentes – públicas e privadas, de esquerda ou de direita – só conseguem manter as instituições graças a regras de convivência e conivência não escritas. Cada grupo dirigente nacional tem a sua graduação implícita do que é lícito, ilícito e “tolerado”. Cada um tem a sua própria prática do que é “tolerado”, dos arranjos possíveis com a letra da lei. Um mundo de transparência total acabaria com essas regras implícitas e portanto com a argamassa que segura os estamentos nacionais e os permite governar.

Grande paradoxo: as campanhas das ONGs e da mídia global, tão necessárias e fundamentais para moralizar a vida pública, estão – queiram ou não - enfraquecendo os governos e Estados nacionais, já cada dia mais obsoletos diante da globalização da economia, das finanças, da informação e das redes sociais. Só que por enquanto não há alternativa democrática à soberania nacional. As empresas “offshore” ainda tem muitos anos de vida pela frente.

Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica semanal às segundas-feiras para a RFI

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.