Por que a América do Sul vive uma onda de polarização social?
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Eleições com uma notável paridade, reações à flor-da-pele, rupturas entre amigos, redes sociais com discussões acaloradas, marchas polarizadas. As maiores democracias na região convivem com a fricção constante entre duas metades sociais.
Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires
Nesta semana, o resultado do plebiscito na Colômbia a favor ou contra o histórico acordo de paz revelou uma divisão social em partes praticamente iguais. O "Não" ganhou raspando com 50,2% dos votos. Mas se a vitória do "Não" elevou a figura do senador e ex-presidente Álvaro Uribe como representante de um polo, o prêmio Nobel da Paz elevou a posição do presidente Juan Manuel Santos como representante do outro polo.
A polarização social na Colômbia é mais um exemplo de um fenômeno que atravessa toda a região. Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia e, sobretudo, Venezuela convivem com exemplos diários dessa divisão social que vai muito além dos resultados eleitorais.
Polarização leva a rupturas de amizades e de casais
As rupturas de amizades, de relações familiares e até amorosas tornaram-se rotina. As redes sociais são vitrines de posições radicalizadas. E outra novidade dos últimos anos: marchas populares polarizadas, protestos populares, a favor ou contra, mas de forma simultânea. Em comum mesmo, só opiniões inflamadas, ódio e intolerância.
O diretor do Centro de Estudos Nova Maioria, o argentino Rosendo Fraga, um dos mais conceituados cientistas políticos da América Latina, explica à RFI Brasil que a cultura política do populismo que dominou a região nos últimos 12 anos tende a forçar a polarização.
"O populismo como cultura política aprofunda a polarização. O populismo gera uma atitude política do 'tudo ou nada'. Os líderes populistas polarizam. Deixam pouco espaço para as posições intermediárias. Hugo Chávez, Néstor e Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa... Com mais atenuantes, o caso de Dilma no Brasil. Não tanto do Lula, mas sim da Dilma", observa.
A Venezuela aparece hoje como o epicentro da polarização social na região. "É muito difícil ser moderadamente chavista. Do líder populista ou se está fanaticamente a favor ou fanaticamente contra", exemplifica Fraga.
Na Argentina, a brecha social é tão profunda que ganhou até o apelido de "La Grieta". O presidente Mauricio Macri foi eleito em novembro passado com três ambiciosas promessas: pobreza zero, combate ao tráfico de drogas e "unir os argentinos".
Provas empíricas da divisão social
Desde 2013, todas as eleições para presidente na Colômbia, na Venezuela, no Brasil, na Argentina, na Bolívia e no Peru terminaram com vitórias apertadas. A maior diferença foi obtida por Dilma Rousseff em 2014 com apenas 51,6% e a menor foi do peruano Pedro Pablo Kuczynski, em junho, com apenas 50,1% dos votos.
Além do plebiscito nesta semana na Colômbia ou da própria eleição do presidente Juan Manuel Santos em 2014 com 50,9% dos votos, o venezuelano Nicolás Maduro ganhou em 2013 com 50,6%. Evo Morales perdeu por 51,3%, em fevereiro, o referendo na Bolívia por uma nova reeleição.
Expectativa brasileira
À medida que o populismo deixa o poder, a polarização em partes iguais atenua-se, mas não desaparece. É o processo que vivem Argentina e Brasil, segundo o analista político Rosendo Fraga.
"Também é certo que Temer não está representando os 2/3 ou 3/4 da população que queria a saída de Dilma. O Brasil deixou de ser uma sociedade partida para ser uma sociedade onde há duas minorias: a que apoia o Temer e a que apoiava a Dilma, com uma grande massa no meio que está à expectativa. Não queria a Dilma, mas não necessariamente quer o Temer", compara.
Mas a polarização também tem o seu lado positivo. Depois de mais de uma década de confrontação, um polo conseguiu instalar na sociedade alguns conceitos do outro. A direita de agora assume os programas sociais instalados pela esquerda enquanto a esquerda assume conceitos da direita como disciplina fiscal e controle da inflação.
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