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Depois de "Aquarius", Kléber Mendonça Filho prepara western sertanejo

Em entrevista à RFI Brasil, o cineasta Kléber Mendonça Filho, diretor de "Aquarius" (2016) e de "O som ao redor" (2012), fala sobre seu novo filme, "Bacurau", a nova geração de diretores do cinema brasileiro e seu posicionamento dentro de uma sociedade pouco acostumada à diversidade e sem muito "treinamento" para ouvir opiniões diversas.

O cineasta e roteirista pernambucano Kleber Mendonça Filho, diretor de "Aquarius" (2016).
O cineasta e roteirista pernambucano Kleber Mendonça Filho, diretor de "Aquarius" (2016). Vivien Killilea / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
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Depois da trama contemporânea e urbana do filme "Aquarius", o diretor pernambucano Kléber Mendonça Filho se dedica no momento a seu novo projeto, o longa-metragem “Bacurau”, um possível faroste sertanejo. "O filme se passa daqui a alguns anos no sertão. Acho que 'Bacurau' será um western, um filme de aventura, mas ainda é muito cedo para dar detalhes sobre o tema do filme", explica o cienasta.

"Estou escrevendo o roteiro com o Juliano Dornelles, que é um grande amigo e que foi diretor de arte de “Aquarius” e de “O Som ao Redor” e estamos bem felizes com o roteiro desenvolvido até agora. Espero filmar ainda esse ano", afirma o diretor, que faz parte da safra de diretores brasileiros que vêm conquistando festivais, crítica e público em todo o mundo, ao lado de nomes como Marcelo Gomes, Anna Muylaert, Karim Aïnouz, Daniela Thomas, entre outros.

"Eu vi uma nova geração de cineastas brasileiros saindo do curta-metragem e eu realmente acho que essa nova geração dos filmes mais recentes, você pode olhar estes 12 filmes [brasileiros] que estiveram em Berlim este ano, ou mesmo para Roterdã, “Aquarius”, “Que horas ela volta?” [da diretora Anna Muylaert], eu acredito que existe uma nova geração que pega diretores de 25 até 50 anos", afirma Kléber.

Fim dos grandes temas épicos

O diretor acredita que todos podem ser considerados uma nova geração, porque o tipo de cinema que é produzido hoje é muito diferente daquele feito há 20 anos. "Acho que os filmes se tornaram mais pessoais e menores, menores no sentido de escala. Nessa geração você não tem mais grandes produções sobre grandes temas", analisa.

"Antigamente tinha a presença muito grande de filmes sobre o sertão, a seca, a fome, o filme sobre a favela, o filme sobre a ditadura militar onde sempre tinha uma cena onde guerrilheiros vão roubar um banco. Tudo parecia muito distante, muito grande, eram grandes pinceladas em grandes temas. Os filmes agora estão menores, e talvez por isso mesmo maiores. Isso veio com esta nova geração e com o fato de que, realizar, no cinema, se tornou muito mais acessível com as novas tecnologias digitais. Hoje é possível fazer filmes digitais com orçamento pequeno, entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão, filmes às vezes feitos com equipes pequenas", detalha o diretor pernambucano.

Incentivo e descentralização

"Isso faz com que você tenha uma liberdade maior para fazer o filme que você acha que tem que ser feito", acredita Kléber Mendonça Filho. "Acho que as políticas públicas foram essenciais neste sentido, o trabalho da Ancine e do Ministério da Cultura nos últimos 14, 15 anos. Esse incentivo foi muito importante no sentido de dar liberdade temática e de realização, mas também para a descentralização da produção, que historicamente sempre esteve muito concentrada no Rio e em São Paulo. Fui um exemplo disso com o filme “O Som ao Redor”, feito em Pernambuco e que foi incentivado pensando na descentralização. Tudo isso faz com que o cinema brasileiro se torne muito abrangente e muito forte a partir dessa nova geração", afirma.

No entanto, Kléber não vê problemas na convivência entre cinema de autor e cinema comercial no Brasil. "Isso é muito bom porque, correndo em paralelo, existe o cinema comercial brasileiro. É um cinema que pode seguir fórmulas, como a comédia, mas isso não é específico do cinema brasileiro, tem o cinema americano, alemão, o cinema francês comercial. De maneira geral, penso que tanto o cinema autoral como o comercial estão fortes e estão mostrando respaldo", aposta.

Sobre a preocupação de parte da classe artística brasileira com a possibilidade do fim das políticas públicas de incentivo à cultura no Brasil, Kléber Mendonça Filho afirma que "ainda é cedo para falar de um desmonte. Existe uma atenção para a possibilidade disso acontecer, mas não existe efetivamente hoje um desmonte que eu possa apontar e dizer que é real. São inquietantes as possibilidades do que pode acontecer, mas ainda não vi nada de concreto. Vamos lutar para que esse cinema seja protegido e que os resultados sejam realmente incríveis, principalmente se você considerar historicamente, que eles permaneçam", analisa.

Sociedade, conflito, opinião e cidadania

"Acredito que qualquer sociedade oferece conflito suficiente para que a arte seja questionadora e combativa. O Brasil não é indiferente nesse sentido, é uma sociedade cheia de conflitos de todos os tipos: sociais, políticos, de classe, de raça", afirmou o diretor pernambucano Kléber Mendonça Filho. O protesto de sua equipe contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, durante o lançamento do longa "Aquarius", no Festival de Cannes, em maio de 2016, estampou jornais do mundo inteiro e dividiu opiniões no Brasil.

Equipe do filme Aquarius faz protesto contra impeachment no tapete vermelho de Cannes, nesta terça-feira 17 de maio de 2016.
Equipe do filme Aquarius faz protesto contra impeachment no tapete vermelho de Cannes, nesta terça-feira 17 de maio de 2016. REUTERS/Jean-Paul Pelissier

"Para mim, desde sempre, a arte brasileira e o Brasil – que não está isolado nisso, acontece o mesmo com todas as sociedades modernas -, oferecem pontos de vista que podem ser questionadores em relação à forma como as coisas são feitas. Claro que, nos últimos dois anos, foi criada, gerada e desenvolvida uma crise política e social que artistas e cineastas observam com muita preocupação", contemporiza Mendonça Filho.

Para o diretor, existem dois caminhos de contestação e luta. "Um deles é através da arte, fazendo filmes. Destaco o caso de 'Aquarius': depois que o filme começou a ser visto, após o Festival de Cannes, muita gente observou as semelhanças entre a história e a situação política de Dilma Rousseff. Mas acho que já ficou claro que isso foi uma grande coincidência, porque na verdade o filme foi gestado durante três ou quatro anos", explica. "Acredito que quando você é realmente honesto em relação ao que você faz na arte, você termina captando, como uma antena, elementos que fazem parte da realidade", declarou o cineasta.

Artista e cidadão

"A segunda forma de protestar vem de ações que você, como cidadão ou como artista, pode fazer. Qualquer cidadão brasileiro pode ter um ponto de vista, mas que talvez o artista por ter acesso à mídia e por estar na mídia e por ter oportunidade de falar, ele ou ela termina se expressando, e esse ponto de vista que é colocado, seja num programa de rádio, na televisão, na imprensa [escrita] ou nas redes sociais, acaba se tornando um posicionamento político", acredita Kléber Mendonça Filho.

O filme Aquarius, do diretor Kléber Mendonça e estrelado por Sônia Braga, disputou o prêmio de melhor filme estrangeiro na cerimônia do César, o Oscar do cinema francês.
O filme Aquarius, do diretor Kléber Mendonça e estrelado por Sônia Braga, disputou o prêmio de melhor filme estrangeiro na cerimônia do César, o Oscar do cinema francês. Valery HACHE / AFP

Perguntado se por acaso se incomoda pela repercussão do protesto nas escadarias do Festival de Cannes, o cineasta reclama apenas da impossibilidade, no Brasil, de se conviver com discursos diversos. "O que realmente incomoda é um cidadão se expressar de maneira muito honesta, e colocar o que ele ou ela acha, e que isso se torne uma grande celeuma. Essa é a única coisa que realmente me incomoda: a falta de naturalidade de alguém poder expressar um ponto de vista em relação a uma situação política e isso se transformar numa coisa realmente muito maior do que deveria ser", pontua o diretor.

Realidade brasileira

Segundo Kléber Mendonça Filho, trata-se de um fenômeno especificamente brasileiro. "Eu acho que isso vem de uma cultura já histórica nesse sentido, passamos por uma ditadura, um governo militar, e vem também da mídia, a mídia brasileira é muito sedada, ela esteriliza a ideia de opinião", opina.

"Você ver por exemplo agora nas transmissões do Carnaval do Brasil, é motivo de comentário o fato da Rede Globo entrar ao vivo em Olinda, Salvador ou Rio de Janeiro e, no fundo, você ouve as pessoas gritando 'fora Temer' e isso vira um acontecimento, sendo que isso deveria ser absolutamente normal, ter pessoas que gritam “fora Temer” e ter pessoas que dizem que Temer é maravilhoso e que o Brasil está numa situação muito boa. A falta de treinamento de ouvir a outra parte talvez seja o que mais me incomoda", finaliza o cineasta pernambucano.

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