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Frei/Paris

Frei brasileiro expõe obras abstratas têxteis em Paris

No ambiente clean de uma galeria de arte francesa, as paredes brancas exibem telas grandes, que brincam com tramas têxteis, composições abstratas, cores ou não. O trabalho do artista é destaque nas revistas francesas especializadas em arte contemporânea. Ele mora em Roma, é brasileiro e é padre.

Frei Sidival Fila expõe na galeria Jérôme Poggi, Paris
Frei Sidival Fila expõe na galeria Jérôme Poggi, Paris Galerie Poggi, Paris
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Com um sotaque já emaranhado de entonações italianas e uma amabilidade que se espera de um franciscano, Sidival Fila, 55 anos, conversou por telefone com a RFI Brasil, do mosteiro onde mora, junto à pequena igreja de São Boaventura, do século 17, no monte Palatino, em Roma.

P.M.: Frei Sidival, por que o trabalho com tecido?

S.F.: Meu trabalho nasceu de uma pesquisa sobre textura. Gosto muito da vibração da matéria que se encontra nos tecidos. Então venho desenvolvendo essa pesquisa há alguns anos, sobre a luz, a cor e o volume da matéria.

Obras de Sidival Fila expostas na galeria Jérôme Poggi, em Paris, 2017.
Obras de Sidival Fila expostas na galeria Jérôme Poggi, em Paris, 2017. Galerie Poggi, Paris

P.M.: Hoje os seus trabalhos estão em coleções particulares, esteve na FIAC de Paris. Mas vamos falar sobre o seu percurso até chegar a esse ponto.

S.F.: Tenho 55 anos, estou há 32 anos na Itália. A minha principal motivação era vir para a Europa, estudar arte aqui, viver neste ambiente cultural. Depois de cinco anos aqui, eu passei por uma conversão pessoal, voltei ao cristianismo. Eu já era cristão, mas não praticava a religião. Na sequência dessa experiência, veio a vontade de me aprofundar na cultura, na vida religiosa. E comecei o meu percurso através de estudos sobre são Francisco de Assis. Depois de um ano, eu decidi entrar no convento e deixar a arte, deixar tudo, para ser franciscano.

P.M.: Ou seja, deixou para trás uma vida mundana, o senhor que trabalhou com barman, tinha uma noiva, a arte...

S.V.: Sim, foi uma paixão tão forte, uma vontade tão grande de viver essa dimensão espiritual, que tudo isso passou para um segundo plano.

P.M.: Mas como é que isso acontece?

S.F.: Eu percebi, naquele momento da minha vida que, apesar de aparentemente feliz, eu não tinha ainda me encontrado. Era uma vida centrada nos meus projetos, nos meus desejos, nas minhas aspirações. Chegou a um momento em que tive a sensação de estar vivendo uma vida errada. E eu tinha que corrigir a direção da minha vida e da minha experiência humana e espiritual. Aí me lembrei do evangelho. Mas eu não queria lê-lo como se fosse um simples livro e meditar. Queria pôr em prática, viver o evangelho. E aos poucos fui vivenciando algumas intuições evangélicas, como mais tempo para orações, fiquei mais atento às pessoas, principalmente as mais pobres e doentes. Devagarzinho comecei a me dedicar mais aos outros que a mim. Fui me concentrando nesse caminho espiritual. Um processo muito lento. E ao mesmo tempo fui me descobrindo. Quando tomei a decisão de viver desse modo por toda a minha vida, é claro que minhas aspirações artísticas não eram mais compatíveis. Eu tinha que ser muito livre para abraçar uma vida nova, uma vida diferente. Então deixei esse “mundo”, entre aspas, a arte. Foi muito fácil, eu tinha encontrado um outro sentido para a minha vida.

Obra de Sidival Fila na galeria Jérôme Poggi, em Paris.
Obra de Sidival Fila na galeria Jérôme Poggi, em Paris. Galerie Poggi, Paris

P.M.: E como é que a arte voltou para o seu mundo?

S.F.: Foi um processo interessante, não foi movido por um desejo de dar um novo sentido à minha vida. Foi algo que veio à superfície, lentamente. Eu fazia trabalhos vocacionais com jovens, que era muito ligado à matéria, ao trabalho manual, de restaurar móveis, portas, mexer com materiais de construção. E eu retocava a matéria. Daí veio o desejo de fazer um quadro. Fiz a cópia dos girassóis de Van Gogh e coloquei no meu quarto. Um frei sugeriu que eu visse um filme sobre o Jackson Pollock [artista americano, 1912-1956, uma das principais expressões do expressionismo abstrato]. E me deu vontade de fazer um quadro grande, não copiando, mas me inspirando na técnica de Pollock. E fui fazendo meus trabalhos, mas sem nenhum projeto claro. Foi a vontade de me expressar no meu tempo livre. Aos poucos percebi que eram duas atividades compatíveis, a artística e a religiosa.

P.M.: Então a arte voltou a ser uma fonte de satisfação pessoal.

S.F.: Antes era algo absoluto, o sentido final da minha vida. Agora é um modo pelo qual posso exprimir meus sentimentos. Nos últimos anos, vi que a arte é uma linguagem necessária de expressão, mas não é o centro. Uma atividade humana.

P.M.: O senhor mencionou Van Gogh e Pollock. Quais outros artistas influenciaram o seu trabalho?

S.F.: Sou autodidata, gosto muito das pinturas do começo dos anos 1900 – os impressionistas, o cubismo, mas também dos primitivos italianos, o renascimento, toda a história da arte sempre me interessou. Sempre gostei da abstração, trabalhar e encontrar a força da matéria, seja o ferro, a areia, madeira ou tecidos. 

Obra do frei Sidival Fila na galeria Jérôme Poggi, Paris
Obra do frei Sidival Fila na galeria Jérôme Poggi, Paris Galerie Poggi, Paris

P.M.: E existe um pouco de Brasil no seu trabalho?

S.F.: O nosso trabalho é a expressão do nosso ser. Além da nossa consciência ou não. Eu sou brasileiro, sempre vou ser brasileiro, a cultura brasileira faz parte de mim. E acho que transmito isso de um modo misterioso. O próprio galerista Jérôme Poggi me disse que minha pintura, apesar de eu ser radicado na Europa, tem uma parte exótica, que não dá para não perceber. Acho que também transmito a dimensão religiosa, a minha fé, mesmo o trabalho sendo abstrato.

P.M: Mas com obras em coleções particulares, participando de feiras como a Fiac, como fica o lado mercantil, a vaidade do artista? Porque faz parte também, não? O sucesso comercial, o reconhecimento?

S.F.: Não é isso que dá sentido à minha vida. A sedução do sucesso. O reconhecimento é importante, fazer algo que signifique algo para os outros. A minha pessoa, no final das contas, é um sentido em si mesmo. Não é uma atividade.

P.M.: Mas como fica o mercado, as suas obras são vendidas por preços...

S.F.: Discretos. (RISOS). Não, tirando as despesas e impostos, eu dou tudo para projetos infantis no mundo todo. Não tenho nada de pessoal.

Sidival Fila expõe na galeria Jérôme Poggi, em Paris.
Sidival Fila expõe na galeria Jérôme Poggi, em Paris. Galerie Poggi, Paris

As obras de Sidival Fila expostas na galeria Jérôme Poggi até 13 de janeiro estão à venda por preços que variam de €4 mil a €35 mil.

A tela na igreja de Santo Eustáquio (que também exibe permanentemente um esplêndido oratório tríptico de Keith Haring) fica em exposição até o final de janeiro.

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