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“Militares não têm formação política e podem agir de forma agressiva”, afirma líder da extrema direita italiana

No bairro Parioli, onde vive a tradicional burguesia de Roma, se encontra também a sede do partido nacionalista italiano, o Forza Nuova, de extrema direita. Dentro do escritório no segundo andar do elegante prédio, a decoração é sóbria. Nas paredes, vemos um crucifixo e a bandeira tricolor italiana com a escrita “Roma aos Romanos”, mas nenhum retrato de Benito Mussolini. A RFI entrevistou Roberto Fiori, 59, líder do Forza Nuova, que declarou suas opiniões sobre o candidato à Presidência brasileira, Jair Bolsonaro (PSL).   

Roberto Fiori, na sede do partido Forza Nuova
Roberto Fiori, na sede do partido Forza Nuova Gina Marques
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Gina Marques, correspondente da RFI em Roma

RFI: O senhor se define como um neofascista?

Roberto Fiori: Nós temos um movimento que se define Forza Nuova, nós nos definimos “forzanuovistas”. Poderia ser equivocado se definir fascista porque hoje todos se definem fascistas e todos acusam os outros de sê-lo. Nós acreditamos que o fascismo foi um importantíssimo movimento político e institucional que mudou a Itália para o bem. A Itália se modernizou, se transformou em um país muito mais civil, foram construídas cidades inteiras. Portanto, a contribuição foi positiva, tanto nas leis quanto nas instituições. Mas nos definirmos hoje como fascistas não faz muito sentido.

RFI: O que o senhor sabe a respeito de Jair Bolsonaro?

Roberto Fiori: É um homem de origem italiana, isso pode significar alguma coisa do ponto de vista ético e político. É certamente uma pessoa que se coloca como antagonista ao recente governo de esquerda. Ele é descrito como de extrema direita, portanto ligado à ideia de lei e ordem, seguramente um antimarxista. Eu só me pergunto se ele vai seguir um certo liberalismo sul-americano que copia o norte americano, ou se pode inaugurar uma posição mais social, certamente não marxista, mas social como aquela de [Juan] Peron. Esta é verdadeira bifurcação que Bolsonaro pode encontrar frontalmente.

RFI: Muitos definem Bolsonaro como um fascista. O senhor concorda com esta definição?

Roberto Fiori: Muitas vezes existe um abuso do termo fascismo. Temos simpatia por aquilo que foi o fascismo, a parte social, a parte católica, o senso de pátria incutida nos italianos. Acho que a questão social é prioritária. Aqui nos anos 20 se desenvolveram as aposentadorias, os institutos de previdência social. Bolsonaro presta atenção neste tipo de coisa? Conta mais o trabalho ou o capital? Conta mais o interesse econômico ou o interesse social? Nós pensamos que o interesse social é superior ao interesse econômico, e que o trabalho é superior ao capital.

RFI: A extrema direita brasileira é também associada ao militarismo. Qual é a sua opinião sobre o assunto?

Roberto Fiori: Posso falar do mundo europeu e aqui não tem o militarismo. Em algumas situações, o militarismo não significa necessariamente um regime no estilo de [Jorge] Videla [general argentino], mas talvez, na América do Sul, seja esse o caso. O militarismo é um tipo de herança que não me convence muito. Não acho uma herança política interessante. Na América do sul, onde existem tantas desigualdades sociais, é necessário um governo que seja de um tipo social de inspiração peronista.

RFI: Ainda sobre o militarismo, o Brasil viveu uma ditadura militar, na qual foram cometidas torturas. Jair Bolsonaro não condenou estas torturas, ao contrário, exaltou o coronel Ustra, que, em 2008, foi condenado por ser um torturador.

Roberto Fiori: É exatamente o que eu disse antes. Os militares não têm uma formação política. Portanto, às vezes, agem bruscamente. Em algumas situações eles não tiveram respeito pela vida humana. O caso de Videla, em confronto contra os peronistas no final dos anos 70, foi gravíssimo. Talvez no Brasil não tenha sido assim tão grave. Em todo caso, no restabelecimento da ordem, houve pouca atenção ao respeito dos prisioneiros. Os prisioneiros devem ser respeitados, a não ser em crimes gravíssimos, mas neste caso deve ser a justiça a agir e não a tortura a assumir o controle.

RFI: Bolsonaro conta com grande apoio da Igreja Evangélica. O que o senhor, como católico, pensa a respeito?

Roberto Fiori: Deixando de lado o aspecto doutrinário, a Igreja evangélica presta atenção em questões como a defesa da vida, embora não traga a doutrina social, que é um elemento substancial do catolicismo. A Rerum Novarum [encíclica social promulgada em 1891 pelo Papa Leão XIII]inaugurou esta doutrina social. A Rerum Novarum tem um forte ataque ao capitalismo. O problema principal é que o evangelismo é capitalista, enquanto a doutrina católica é anticapitalista, mas não se deve cair no erro da Teologia da Libertação. É um percurso um pouco difícil, mas é fundamental que quem vai governar no Brasil, ou na América do Sul, sempre entenda a necessidade de uma doutrina social. Esta doutrina deve sempre prestar atenção nas necessidades dos pobres, sobretudo dos trabalhadores, e criar um sistema justo como fez Peron.

RFI: Jair Bolsonaro é contra a homossexualidade. Qual é o seu ponto de vista?

Roberto Fiori: Nós também somos contrários aos matrimônios homossexuais. Os matrimônios civis entre eles são uma extração liberal que não leva em consideração que o Estado deve reconhecer a família essencialmente por um motivo: ela existe para a reprodução de uma nação. Portanto, o Estado ajuda. Duas pessoas do mesmo sexo que vivem juntas são totalmente irrelevantes para o Estado.

RFI: Outra controvérsia de Bolsonaro é sobre os negros e índios, que ele desrespeitou em suas declarações.

Roberto Fiori: A sociedade brasileira é muito diferente da italiana. Enquanto na Itália se fala de uma imigração forçada e recente, no Brasil a imigração é antiga. O problema da escravidão também é uma herança da mentalidade sobretudo anglo-saxã, que levou milhões de africanos com o mecanismo escravagista. Para mim é complexo dar uma solução para uma sociedade como a brasileira. A estrutura econômica e civil do Brasil e da América do Sul é originária dos melhores europeus. Portanto eles tentam salvar a herança europeia. Isso eu entendo perfeitamente e estou de acordo. Certo, não se pode pensar em expelir milhões de pessoas que 200 anos atrás estavam na África porque não faz nenhum sentido. Como bom pai de família é preciso administrar o interesse de todos.

RFI: A respeito das mulheres, Bolsonaro disse à deputada brasileira, Maria do Rosário, que ela “não merecia ser estuprada”...

Roberto Fiori: Infelizmente é uma decadência da política, que eu vi em personagens de direita e de esquerda. Eu parto da educação e a minha educação diz que acima de tudo não existem mulheres feias. É um erro fazer um discurso estético. Além disso, a educação antiga ensina que as mulheres devem ser tratadas sempre melhor que os homens. Portanto, declarações deste tipo são absolutamente inaceitáveis.

RFI: Durante o fascismo de Benito Mussolini, foram criadas leis raciais que causaram a deportação de cerca seis mil judeus da Itália aos campos de extermínio nazista. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Roberto Fiori: Muita gente não conhece bem o que foram estas leis raciais. Foram leis criadas naquele período e que tiveram o reconhecimento da comunidade hebraica italiana. O fascismo reconheceu os direitos da comunidade hebraica italiana e introduziu o mecanismo de auto tributação e de auto regulamentação. Depois houve discriminações trazidas pelo clima de guerra que se aproximava. Hoje isso seria impensável. Nós acreditamos que os membros da comunidade hebraica, desde que afirmem ter uma nacionalidade e fidelidade à nação italiana, devem ser respeitados como todos os cidadãos italianos. Não existem dúvidas a respeito. Se eles são estrangeiros, como por exemplo israelenses, que não pertencem à comunidade italiana, ou tem dupla nacionalidade, serão tratados bem, como tratamos bem os estrangeiros. O que não queremos é que existam supremacias de raças sobre outras raças. Neste sentido, minha denúncia é contra o racismo de Israel, porque o povo da Palestina, infelizmente, é tratado como uma raça inferior. Isso é inaceitável.

RFI: O que o senhor diz a respeito da corrente internacional de extrema direita guiada por Steve Bannon?

Roberto Fiori: Acompanho aquilo que ele está dizendo e fazendo. A minha impressão é que tentam aplicar uma lógica americana no contexto europeu. Isso poderia ser um grave erro. Bannon e o seu colaborador, Benjamin [Harnwell], colocam a questão do Estado de Israel, que não é indiferente, como um fato central na política europeia, e não é. Além disso, acho que eles estão tentando mudar uma política tradicional da Europa, que é de aproximação ao Irã. Isso não é o nosso interesse. O interesse da Europa é a paz, seja com a Rússia, seja com o Irã. Qualquer tentativa de criar situações de conflito, para nós, europeus, não é interessante.

RFI: Bolsonaro, em seus discursos, define seu adversário como “inimigo a ser eliminado”. O senhor concorda com esta definição ou este discurso poderia fomentar a violência?

Roberto Fiori: Eu acredito no debate político desde que tinha 14 anos de idade. São os outros que se recusam a debater comigo constantemente. Acredito que minhas ideias são, de um certo ponto de vista, melhores às dos outros. Quando eles têm ideias. Pode ser uma qualidade ou defeito meu. Chamar alguém de inimigo ou adversário não é fomentar o discurso de ódio. Eu acredito que ainda existem fortes centrais de ódio no mundo ocidental, representados por lobbies. Nós mesmos falamos do lobby de Soros, que aparentemente é de caráter humanitário, mas na verdade impulsiona o fenômeno da imigração como estratégia de desintegração da identidade.

RFI: Que conselho o senhor daria para Bolsonaro?

Roberto Fiori: Copiar Peron e suas políticas sociais. Levar o povo brasileiro a ser protagonista e proprietário. Esta é a grande diferença entre nós e os marxistas. Nós queremos que o operário, os camponeses, se transformem em proprietários e, portanto, mais livres, e assim se cria a classe média. O marxismo não reconhece esse fato e mantém todos proletários. Se Bolsonaro entendesse isso e criasse milhões de proprietários de terra, e muitos pequenos artesãos, além de alguns pequenos empresários, venceria pelos próximos 30 anos. Assim ele reforçaria uma classe média, que já poderia ser fortíssima no Brasil.

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