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“Estamos todos ameaçados”, diz escritor João Paulo Cuenca sobre Bolsonaro

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Em seu giro pela Europa para divulgar as traduções de seu premiado livro “Descobri que estava morto”, o escritor João Paulo Cuenca tem se deparado com uma plateia interessada em discutir não apenas sua obra, mas a realidade política brasileira, com foco na atualidade internacional.

O escritor João Paulo Cuenca, em Paris.
O escritor João Paulo Cuenca, em Paris. Foto: RFI Brasil/Elcio Ramalho
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Com passagens pela Itália, França e Alemanha, Cuenca tem participado de discussões nas quais o alvo principal é a candidatura de Jair Bolsonaro, favorito segundo as sondagens para vencer a eleição presidencial no segundo turno deste domingo (28) e assumir o poder no país.

“As pessoas aqui na Europa não conseguem entender o que acontece no Brasil, é uma espécie de susto. As pessoas estão abismadas com o fato de que estamos prestes a eleger um candidato de ultradireita, com um discurso fascista”, afirma. “Elas não conseguem entender. É quase um estado de negação”, acrescenta.

Considerando Bolsonaro um “fenômeno complexo”, o escritor argumenta que a ascensão do candidato é resultado também de uma falta de posicionamento mais efetivo da imprensa e de vigilância de diversas instituições com seu discurso.

“O fenômeno do antipetismo fez ele crescer, mas a naturalização do discurso de extrema direita e fascista dele acontece há 20 anos, em que ele é taxado como 'polêmico' pela imprensa, ao invés de ser taxado de extrema direita. O discurso dele é naturalizado e aceito pelos tribunais e pelo Congresso brasileiro”, diz. “As instituições viram o Bolsonaro cometer crimes durante anos e nada fizeram. A imprensa também nada fez ao não tipificar esse discurso”, denuncia.

Na entrevista à RFI Brasil, Cuenca também lembrou de declarações controversas do capitão da reserva não submetidas a sanções, como a homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador durante o regime militar (1964-1985) ao declarar seu voto na Câmara dos Deputados pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

“O processo de anistia depois da ditadura fez com o Brasil sofresse um apagamento histórico. Imagine se na Argentina um deputado no Congresso faz uma apologia a um ditador? Ele iria apanhar na rua, ser preso. Não existe isso. No Uruguai, um militar que expressa uma opinião política vai preso”, argumenta.

Além do que chama de “naturalização” de um político de extrema direita como polêmico pela imprensa e pelas instituições democráticas, Cuenca analisa outro aspecto fundamental que explica a subida de Bolsonaro nas intenções de voto: o antipetismo arraigado na sociedade brasileira.  

 “Eu sou crítico do PT desde a primeiras eleição do Lula e esse anti-petismo quase irracional é também responsável por fazer as pessoas votarem em qualquer coisa para tirar o PT, que virou uma espécie de ameaça vermelha, comunista, o que é ridículo”, afirma.

“O PT não ameaçou as instituições democráticas, nem transformou o Brasil em uma Venezuela. Ele governou com os bancos, as grandes empresas, fez acordo com a mídia. Não é uma força disruptiva democrática como Bolsonaro”, defende.

Sem comparação com Trump

O escritor carioca refuta a visão bastante difundida na imprensa europeia e americana de que o candidato do PSL seja uma versão tropical do presidente Donald Trump ou tenha um perfil comparável ao do ministro italiano Matteo Salvini ou do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, considerados da extrema direita.

“Não se pode comparar porque não existe risco nem apologia à ditadura militar nesses países. O Trump não vai dar golpe militar e não ameaça a Constituição americana. O Bolsonaro ameaça. O vice dele fala em um autogolpe, o filho dele fala em fechar o Supremo [Tribunal Federal] com cabo e um capitão e ninguém fala nada”, sustenta. “É como se o brasileiro estivesse votando em um golpe, contra a democracia. Não dá para comparar com o Trump, é muito pior”, afirma.

O resultado das urnas vai revelar um país com divisões profundas, mais violento e com uma Constituição sob forte risco, segundo ele. “Podemos esperar uma perseguição cada vez maior e violenta do governo e de setores da sociedade civil contra grupos de ativistas, homossexuais, a mulheres, negros e a qualquer pessoa que tenha uma opinião diferente do Bolsonaro e dos bolsonaristas. Ele advoga explicitamente pelo extermínio da oposição, dos ativistas. Isso é muito grave. Estamos todos ameaçados”, salienta João Paulo.

“A integridade física de pessoas como eu já está ameaçada, antes mesmo desse governo entrar. Existe uma espécie de respaldo dessa violência a partir da vitória deste candidato. A violência já existe. Mas eu vou continuar fazendo o que eu faço e não vou me calar”, conclui o escritor.

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