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Bolsonaro representa uma continuidade do que está acontecendo hoje no Brasil, diz historiador americano

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Jeffrey Lesser é historiador americano da América Latina, especialista em Brasil, professor da Samuel Candler Dobbs. Ele falou com a RFI de sua residência, em Atlanta, pouco depois do anúncio de que Bolsonaro havia vencido a disputa pela Presidência do Brasil com 55% dos votos úteis, sobre o que esta eleição representa para o Brasil em termos geopolíticos e de relações internacionais.

O historiador Jeffrey Lesser analisa o que a eleição de Bolsonaro representa em termos de geopolítica e relações internacionais
O historiador Jeffrey Lesser analisa o que a eleição de Bolsonaro representa em termos de geopolítica e relações internacionais Arquivo pessoal
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Autor de inúmeros livros sobre etnia, imigração e identidade nacional no Brasil, Lesser foi presidente da Fulbright de Humanidades na Universidade de Tel Aviv e também tem cátedras visitantes na Universidade de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas. Ele falou com exclusividade à RFI:

RFI - Bolsonaro foi eleito presidente da República, depois de uma campanha marcada por frases controversas e fake news. Há um risco para a democracia?

Jeffrey Lesser - Eu, por enquanto não quero dizer isso, mas acho que posso afirmar, segundo o que está acontecendo nos Estados Unidos, quando líderes políticos usam discursos violentos -  homofóbicos, sexistas, racistas -, parece que tem um aumento na sociedade de atos violentos. Estamos vivendo isso exatamente agora nos Estados Unidos e eu me preocupo muito que vai acontecer ainda mais no Brasil.

RFI – E já que o sr. citou os Estados Unidos, como Trump vê Bolsonaro? Ele já deu alguma declaração?

JL – Até este segundo, não. Não está exatamente claro se o Trump está prestando a atenção nas eleições do Brasil. O Brasil não aparece muito nos últimos dois anos na imprensa dos Estados Unidos. É uma diferença marcante em relação aos anos Obama, quando o Brasil apareceu muito. Eu imagino, porém, que Trump vai ficar contente com a eleição do Bolsonaro. Que Trump vai ver nele uma alma semelhante: uma pessoa que usa o populismo, uma pessoa que se acha salvando o país de forças misteriosas etc. Então eu imagino que Trump e Bolsonaro, pelo menos no começo, vão ter uma relação positiva. Mas tudo isso pode mudar daqui a uma semana, porque teremos aqui as eleições nos Estados Unidos. Talvez o discurso do Trump mude depois destas eleições.

RFI - Aqui na Europa, a mídia se refere a Bolsonaro como o Trump tropical. Na sua opinião, quais são as maiores semelhanças e também as maiores diferenças entre eles?

JL – Eu não iria concordar com esta frase, Trump tropical, não acho uma ideia acadêmica. Mas com certeza têm semelhanças. Primeiro os dois usam os discursos populistas para mobilizar o público. Eles são semelhantes também em usar as novas mídias para chegar ao público. Neste sentido, lembra muito os outros populistas na história. Por exemplo, Mussolini, Juan Perón, Getúlio Vargas etc. Eles usaram as novas mídias da época – rádio, televisão, alto-falante etc. – para chegar no público. Então neste sentido, Bolsonaro e Trump são bem semelhantes. É difícil saber, em termos de programa econômico, se há semelhanças, porque até agora o programa econômico do Bolsonaro não está muito claro. E o Brasil é um país muito diferente. Os custos de criar guerras sobre produtos vai ser muito mais alto para o Brasil que para os EUA. O Brasil também é diferente porque o cenário político tem blocos que não existem exatamente nos Estados Unidos. Aqui não tem o bloco do agronegócio ou evangélico no sentido do brasileiro. Então é difícil comparar.

RFI – Como o sr. avalia a eleição de Bolsonaro para a imagem do Brasil no exterior? O Brasil corre o risco de isolamento?

JL - Olha, o jornal norte-americano The New York Times já, nos últimos 30 minutos após a divulgação do resultado da eleição, publicou um artigo chamando o Bolsonaro de extrema direita. Eu acho que isso não vai ajudar a imagem do Brasil. Com certeza, os países democráticos vão ficar muito de olho no Brasil, porque é sempre difícil saber a relação entre o que o candidato fala e o que acontece. Mas, se o Brasil tem políticas que seguem os discursos do Bolsonaro, ele pode ser cada vez mais isolado, especialmente na questão de direitos humanos etc. Por outro lado, de novo na comparação com os Estados Unidos, os Estados Unidos estão envolvidos hoje em uma situação extremamente complexa com a Arábia Saudita. E um certo arranjo econômico parece pelo menos até agora mais importante do que a questão de, no caso da Arábia Saudita, um homicídio, um assassinato político. Então é difícil saber exatamente. Se o Bolsonaro não moderar p discurso, o Brasil pode se achar numa situação diferente da atual, em termos de “ibope” internacional.

RFI - A eleição de Bolsonaro vai mudar as relações entre o Brasil e os Estados Unidos? Qual a sua aposta?

JL – Minha aposta é que por enquanto não vai mudar nada. Em parte porque as relações são bem abaixo do radar. O governo americano parece que não está prestando muita atenção no Brasil (o que talvez seja melhor para o Brasil). Eu acho que não vai mudar nada. Eu acho que vai ter uma mudança se acontecerem atos políticos extremamente antidemocráticos que vão começar a mexer com investimentos etc. Por enquanto, parece que o mercado está apostando em Bolsonaro como agente de estabilidade no Brasil.

RFI - O sr. acha que corremos o risco de viver um novo período autoritário e se isso mudaria alguma coisa para os mercados? Ou pouco importa para os mercados ser uma democracia ou um regime autoritário?

JL – Primeiro que o Brasil nos últimos dois anos está vivendo anos mais autoritários que os anteriores. Então, neste sentido, Bolsonaro representa uma certa continuidade do que está acontecendo hoje. Em termos dos mercados é muito curioso, porque em geral o mercado gosta de estabilidade. Gosta de estabilidade democrática e às vezes também autoritária. Com certeza um país como o Brasil pode sofrer se há, por exemplo, uma onda das classes profissionais saindo do país, o que pode acontecer. Numa situação antidemocrática, muitas vezes um número muito significativo de pessoas vai embora, isso é uma possibilidade. Uma outra possibilidade seria exatamente o que aconteceu durante a ditadura militar [de 1964 a 1985], ou seja, no começo, pareceu tudo estável, porém, o custo de ter uma sociedade estável superficialmente foi uma opressão, uma repressão enorme que levou a menos estabilidade a cada ano. Ou seja, no Brasil, parte da queda da ditadura se deve a que a economia parou de funcionar. Em termos de História moderna mundial, o que aprendemos é que no final a democracia sempre funciona melhor do que a ditadura ou movimentos autoritários.

RFI – E, por último, qual vai ser o impacto da eleição de Bolsonaro na América Latina?

JL – Já há na América Latina; especialmente na América do Sul, vários presidentes eleitos que estão cada vez mais à direita: Chile, Argentina etc. O que me preocupa é que vai ter uma divisão na América Latina onde vai ter radicalização dos dois lados. Isso me preocupa muito porque já vivemos isso nos anos 60 e 70. E, para mim, pelo menos, no final, uma situação radical não é boa para ninguém. Sempre a cultura, a sociedade, a economia etc. funcionam melhor para a grande maioria das pessoas quando os países têm uma democracia moderada. Mas, quando vai para os lados extremos, em geral, em termos históricos, não acabam bem.

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