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Especialista da UFMG sobre política do novo governo: “No Brasil, índio bom é índio morto”

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 “Desde a literatura romântica, existe o índio bom. Mas, bom ou não, ele sempre morre. O índio bom é o índio morto no Brasil”, analisou Eduardo Rosse, professor de música e etnologia da Universidade de Minas Gerais (UFMG), especialista em música indígena. Ele esteve em Paris ministrando uma conferência sobre saberes e conhecimentos ameríndios e afro-americanos na prestigiosa Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), nesta terça-feira (8).

Eduardo Rosse, professor de música e etnologia da Universidade de Minas Gerais (UFMG), especialista em música indígena.
Eduardo Rosse, professor de música e etnologia da Universidade de Minas Gerais (UFMG), especialista em música indígena. RFI
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Sobre odecreto do presidente Jair Bolsonaro, que transferiu para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas e quilombolas, Eduardo Rosse disse que se trata de “algo extremamente inquietante”. “Nosso novo presidente nitidamente desconhece a causa indígena, e ao mesmo tempo propõe medidas muito radicais. Dar a responsabilidade de decidir sobre demarcação de terras indígenas e quilombolas a um órgão claramente ligado à agroindústria equivale à visão de Bolsonaro em relação à causa indígena: torná-la branca o quanto antes”, avaliou.

O especialista acredita que o Brasil vive um “retrocesso de 60 anos”. “É um discurso que acreditávamos ultrapassado, que entende os índios como uma população que ainda não se tornou civilizada, urbana, brasileira”, disse o professor. Para Rosse, os avisos do antropólogo francês Claude Lévy-Strauss, de meio século atrás, em relação à proteção dos índios brasileiros, continuam mais do que nunca valendo em 2019.

“Há 60 anos, mesmo aqueles engajados no movimento indigenista acreditavam que, aos poucos, a população indígena seria absorvida pela população hegemônica. O que não aconteceu. A população indígena cresceu, há fortes indícios de ressurgências, com populações se retransformando em índios”, afirmou Rosse. Segundo ele, é “uma pena” que no meio de “um Brasil tão plural”, ressurjam políticas “unilaterais”. “Não é à tôa que os produtores rurais são monocultores, eles prezam uma cultura única, uma monosociedade”, comparou o especialista.

Sinal verde para a agressão aos indígenas

No dia 29 de outubro de 2018 os jornais brasileiros noticiaram um grupo de posseiros que, após, a eleição do novo presidente, e antes mesmo de sua posse, invadiram terras indígenas em Pernambuco, com o objetivo de amedrontar as populações locais, sob o argumento de que Bolsonaro havia sido eleito. Em Santa Catarina, uma liderança indígena assassinada no primeiro dia do ano. Há cinco dias, um grupo de madeireiros avançou sobre a terra indígena Arara, no Pará. Para o professor, a falta de respeito do Brasil em relação a suas culturas indígenas ancestrais é antiga, e se multiplica.

“O que nos inquieta também não são apenas os atos que vêm diretamente de políticas oficiais, mas a liberdade que esse tipo de política dá aos atos que não são oficiais, mas localizados, de posseiros, violências, existe um sinal verde para essas agressões”, analisa o especialista. “Realmente o Brasil, desde a literatura romântica, pensa o índio bom como o índio morto. Temos um jeito diferente da América do Norte de contar essa história, mas o nosso índio sempre foi anônimo, ele nunca teve nome, nunca teve cara, então a nossa ancestralidade indígena é apagada. Temos uma cultura de apagamento, de não querer lembrar esse passado”, afirmou Rosse.

O professor falou ainda sobre a conferência que o trouxe a Paris: “é um projeto em curso hoje em dia em algumas universidades diferentes, chamado Encontro de Saberes e começou no ano de 2010 na Universidade de Brasília e hoje já se espalhou por Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Convidamos mestres de tradições negras, ameríndias e de outras tradições que trazem novos conteúdos e novas epistemologias para virem falar de sua experiência, biografias e saberes na UFMG”, contou Rosse.

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