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“Falta educação no projeto de governo Bolsonaro”, diz Renato Janine Ribeiro

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Renato Janine Ribeiro é ex-ministro da Educação, professor titular de ética e filosofia política da USP e professor visitante da Unifesp. Ele está em Paris para participar de uma conferência sobre a situação política brasileira atual no Instituto de Altos Estudos da América Latina. Nesta entrevista exclusiva  à RFI, o ex-ministro diz que o futuro da democracia no país é preocupante e que "o elemento educação está faltando no projeto de Brasil" do governo Bolsonaro.

O ex-ministro da Educação e filósofo Renato Janine Ribeiro em Paris, onde falou sobre a situação política brasileira.
O ex-ministro da Educação e filósofo Renato Janine Ribeiro em Paris, onde falou sobre a situação política brasileira. RFI Brasil/ Elcio Ramalho
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Por Paloma Varón

RFI - Num artigo de opinião recente, publicado na Folha de São Paulo, você afirmou que “estamos perto da entropia" e de que o Brasil se inviabilize. Você pode explicar o que quis dizer com isso?

Renato Janine Ribeiro – Na verdade, eu acho que o Brasil passou 20 anos razoavelmente bons, durante os quais a disputa política se deu entre dois partidos bem acima da média brasileira. Primeiro o PSDB, que governou o Brasil durante oito anos e que levou a nossa direita para uma posição mais moderada, com mais jogo político, e introduziu políticas sociais. E depois com anos do PT, com quatro eleições vencidas, que colocaram as políticas sociais realmente no primeiro plano, foram bem adiante nesta direção. Mas de qualquer forma isso significou que, durante 20 anos, a disputa política no Brasil se deu entre dois partidos civilizados, dois partidos que você poderia ter, talvez, na Europa central ou no Canadá. E, desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, nós entramos numa crise muito grande e que vai se aprofundar à medida que o atual presidente continuar fazendo o que está fazendo. O presidente foi eleito, sem dúvida com a maioria dos votos, mas não tantos votos assim, e não fez uma única declaração de apelo à união nacional ou se colocando como o presidente de todos os brasileiros, abrindo o espaço para quem não votou nele. E isso é muito delicado.

RFI - No mesmo artigo, você divide os ministros do governo Bolsonaro entre a extrema direita, que seriam os das áreas sociais, e a direita autoritária, incluindo a Justiça e a Economia, que Bolsonaro levou para o Fórum Mundial de Economia de Davos. O que você achou da participação da equipe de Bolsonaro no evento?

RJR –Pelo que eu vi, não achei muito impactante. Não se esperava de fato grande coisa do presidente da República fora [do país]. Mas a divisão que eu faço é a seguinte: de um lado, você tem aqueles fieis bolsonaristas, que são as pessoas que estiveram com ele desde o começo ou que pensam como ele, que têm as ideias dele, e que receberam ministérios que dizem respeito aos valores, digamos, éticos, como Direitos Humanos, Meio Ambiente e Educação. São ministérios muito importantes, que foram colocados estranhamente nas mãos de pessoas que não têm nenhum ponto em comum com o que se avançou nas últimas décadas nos países mais desenvolvidos, como a melhora do meio ambiente, a melhora da educação, a universalização dos direitos humanos. Eles são contra isso. Estes ministros inclusive têm feito declarações que têm se prestado a um certo ridículo, inclusive. E, de outro lado, nós temos dois superministros, da Economia e da Justiça, que são o que eu chamo de direita autoritária; não é a direita entre aspas democrática, que estaria no PSDB. É uma direita autoritária, que realmente não tem uma grande simpatia pela democracia, mas que não é extremista, que não diz besteiras arrematadas. E o governo está dividido entre estes dois grupos.

É muito preocupante saber que a Educação, e também as Relações Exteriores, estão nos grupos do pensamento um tanto exótico, por assim dizer. São grupos tão destoantes do que se pensa de mais avançado no mundo hoje. Minha hipótese é que a direita, que quase não teve votos, que rachou ente os candidatos Alckmin, Meirelles, Amoedo e Álvaro Dias, está querendo que o governo Bolsonaro dê certo na parte econômica e talvez na parte de Justiça também. Mas esta direita vê, provavelmente, também com preocupação essa visão do meio ambiente e dos direitos humanos. Provavelmente se preocupa, mas acha que é uma coisa secundária, que neste momento o importante seria a economia avançar. Só que nós temos aí o que acontece em Davos, onde o presidente faz um discurso muito curto, decepcionante, segundo os interlocutores internacionais, e fica tudo nas mãos da economia. Toda promessa que tem é: “Vamos privatizar, vamos abrir espaço para vocês, vamos tentar aumentar o comércio internacional”. Eu posso dizer como ex-ministro da Educação que faz décadas que esse tema, em todas as campanhas eleitorais, aparece como promessa.

Esta foi a primeira vez em que um candidato, ainda por cima vitorioso, só falava da educação como ameaça. Educação era uma ameaça à moral das famílias, mas não uma promessa de emancipação, de liberdade, de avanço econômico. Então nós estamos num caminho que vai na direção oposta do que uma Economist, um Financial Tomes, do que um liberal do hemisfério norte, anglo-saxão, defenderia, que seria a privatização, mas também - e sobretudo - a educação. O elemento educação está faltando neste projeto de Brasil.

RFI - Qual o futuro da democracia no Brasil?

RJR – É preocupante. Eu não concordo com aquelas pessoas que dizem: “As instituições estão funcionando”. As instituições não funcionaram. O Executivo parou de funcionar com Dilma e mesmo com Temer. O Legislativo pegou o espaço deles, tanto que o Legislativo destituiu a presidente e depois inviabilizou muito do que o Temer quis fazer. O próprio Legislativo perdeu muito em respeito, parte do respeito que ele tinha foi subtraído pelo Supremo Tribunal Federal e por juízes que hoje fazem absolutamente o que querem. Então nós temos uma situação em que, gradualmente, cada um dos três poderes constitucionais foi se enfraquecendo e perdendo reputação.

As instituições que sobraram com maior confiança não são os três poderes constitucionais, nem o Ministério Público, são as Forças Armadas, os bombeiros e as igrejas. Destes três, somente os bombeiros não estão entrando ativamente na política. Então nós temos uma situação de muita desconfiança recíproca e isso torna extremamente difícil o diálogo. Já de cara as pessoas desqualificam uma a outra, são agressivas. É muito difícil você manter o tecido social desse jeito.

Veja a entrevista na íntegra:

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