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Tragédia em Brumadinho mostra que Brasil ainda não aprendeu a lidar com a impunidade, diz pesquisadora na França

Para compreendermos o desafio ecológico da atualidade é preciso ir além dos estudos sobre o clima e as forças da natureza. Segundo pesquisadores da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris (EHESS), é preciso observar, também, as relações entre as sociedades e o ambiente em que elas vivem.

Pesquisadores franceses discutem desastres ambientais em Minas Gerais
Pesquisadores franceses discutem desastres ambientais em Minas Gerais RFI
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Em encontro realizado nessa segunda-feira (11), especialistas de renomadas instituições, como o Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), apresentaram casos de desastres ambientais observados a partir de estudos de campo.

O assunto desperta especial interesse depois do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, explorada pela companhia Vale, em Brumadinho, Minas Gerais, em 25 de janeiro último. O desastre deixou pelo menos 165 mortos e 160 desaparecidos, segundo balanço recente.

O rompimento reacendeu o debate sobre a eficiência da fiscalização da atividade mineradora no Brasil. “É importante pensar a dimensão técnica e legal, com definição de responsabilidades e indenização às vítimas, assim como a reparação e recuperação dos locais afetados”, diz Alice Ingold, pesquisadora da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris (EHESS).

A voz da comunidade

Mais do que avaliar dados técnicos, o objetivo das discussões em Paris é entender como a informação local pode ser útil para a solução dos desafios ambientais; sem permitir, contudo, que o apego a uma determinada região possa interferir na clareza das análises e nos processos de mobilização social.

Os trabalhos foram coordenados pela professora brasileira Cláudia Damasceno, especialista em história e urbanismo e codiretora do Centro de Pesquisa sobre o Brasil Colonial e Contemporâneo da EHESS.

“O objetivo é analisar a questão da contaminação dos rios, dos desastres, principalmente, embora haja trabalhos que tratam de catástrofes naturais, mas a maior parte deles aborda as catástrofes causadas por atividades humanas e o caso particular da mineração, no caso do Brasil”, explica Damasceno.

“Nós não imaginávamos que seria um caso tão atual, porque nós estávamos querendo estudar, em particular no caso do Brasil, a situação de Mariana, da ruptura da barragem da Vale do Rio Doce ocorrida em 2015 e cujas negociações para cuidar da reabilitação do rio e das indenizações têm muitos problemas em relação às demandas da comunidade”, destaca. “Não são só os que perderam gado, terras e casas que são vítimas, mas há toda uma série de relações das populações com seu território e com o rio que não são levadas em conta”, alerta a pesquisadora.

Cláudia Damasceno, codiretora do Centro de Pesquisa sobre o Brasil Colonial e Contemporâneo da EHESS.
Cláudia Damasceno, codiretora do Centro de Pesquisa sobre o Brasil Colonial e Contemporâneo da EHESS. Arquivo Pessoal

 

Mariana, 4 anos depois

A pesquisadora brasileira Cristiana Losekann (UFES) enviou um vídeo intitulado “Melancolia e Resiliência no Desastre da Mina do Rio Doce”, explorando esse caso que marcou a história dos desastres ambientais no Brasil.

Na tarde de 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro denominada "Fundão" cobriu de lama uma extensa área localizada a 35 km do centro do município de Mariana, em Minas Gerais. 

A barragem era controlada pela Samarco Mineração S.A., num empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, reunindo a brasileira Vale e a anglo-australiana  BHP Billiton. Um volume de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos foi despejado na região. A lama chegou ao Rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange mais de 200 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

A localidade de Regência, no litoral do Espírito Santo, é uma dessas áreas transformadas pela poluição do Rio Doce. O impacto sobre os habitantes é o objeto de estudo da antropóloga Juliette Woitchik, da Universidade de Saint Louis, na Bélgica.

“Eu queria mostrar quais são as relações que as pessoas em Regência e nas terras indígenas têm com água, com os territórios e os animais. São relações que não são apenas econômicas. E no processo de reparação e compensação da Fundação Renova, que foi criada pelas empresas, eu tenho a impressão que a questão é mais econômica”, afirma. “Como vamos compensar com dinheiro essas perdas? Eu acho que não é suficiente para a população. Há mais coisas que não são faladas, que não são mostradas no processo”, analisa.

A antropóloga Juliette Woitchik, da Universidade de Saint Louis, na Bélgica.
A antropóloga Juliette Woitchik, da Universidade de Saint Louis, na Bélgica. Arquivo Pessoal

Woitchik passou dois meses no Espírito Santo conversando com moradores, autoridades e as equipes de assistência aos desabrigados. Suas descobertas farão parte da tese de doutorado que a antropóloga está produzindo.

“Tem vários conflitos no processo da Renova. Tem pessoas que foram indenizadas e outras não, isso gera conflito entre elas. Essa indenização é ainda de emergência, não é a indenização total, mas esse dinheiro pode acabar qualquer dia. Então tem que pensar mais para a frente para ter soluções mais duráveis”, afirma.

“Tem muita tristeza, muita raiva com esse processo, não se pode mais pescar, o que era a atividade principal na região, não se pode mais comer peixes, o que era a alimentação mais comum, então tem que readaptar tudo isso”, completa a pesquisadora.

Lições a aprender

Quatro anos após o desastre de Mariana, o mundo se surpreende novamente com o rompimento da barragem de Brumadinho. Juliette Woitchik destaca lições que poderiam ser tiradas dessa experiência.

“Eu acho que não se aprendeu quase nada, mas como já houve essa situação em Mariana, talvez pudéssemos mudar um pouco o processo para não fazermos os mesmos erros na gestão do desastre. Por exemplo: essa Fundação Renova foi criada pelas empresas mesmo, são as empresas que decidem quem pode ou não ser reconhecido como atingido. Agora, talvez se possa dar um jeito para não refazer esse erro e ter uma participação civil mais direta”, sugere Juliette Woitchik.

“Eu acho que as soluções globais e técnicas podem ser boas, mas as vezes são defasadas em relação à realidade local, não correspondem bem ao que as pessoas precisam. Por exemplo: não basta colocar água potável com o caminhão que vem de outra cidade. Há outras coisas, como essa questão do rio que é um ser vivo, tem toda essa questão da pesca, do lazer, que não pode ser substituída”, afirma.

“A minha preocupação é que com esse novo desastre, esse processo de indenização de Mariana seja esquecido”, conclui.

"Nada era desconhecido, os riscos eram conhecidos o que não se aprendeu ainda é como evitar a impunidade", completa Cláudia Damasceno, do Centro de Pesquisa sobre o Brasil Colonial e Contemporâneo da EHESS. "As leis existem, mas é uma questão de vontade política e há também uma necessidade de que a opinião pública se manifeste de maneira mais forte”, diz.

Contaminação do meio ambiente: um problema mundial antigo

As pesquisadoras Carmen Salazar-Soler e Alice Langlois, do Centro de estudos Mondes Americains (CERMA/EHESS) abordaram a catástrofe ecológica na Serra Central do Peru, nos séculos XX e XXI, mostrando que a contaminação da água e outros recursos naturais não é um problema novo.

Segundo as pesquisadoras, Potosí se tornou uma das cidades mais poluídas do mundo devido a décadas de exploração mineradora. A construção de lagos artificiais para a lavagem e produção de minérios acabou contaminando a água compartilhada entre a indústria peruana e a população.

Ao estudar o complexo de La Roya, implantado em 1920 para a exploração de cobre, o estudo mostra o início da atividade mineradora num ritmo irracional e que resultou na contaminação de pastagens e rios, causando a morte de rebanhos bovinos e ovinos, além da contaminação da população por fumaça tóxica impregnada de substâncias como arsênico e chumbo.

 

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